O relato do quotidiano de violência doméstica é de uma dureza atroz, embora haja pormenores que Susana, 30 anos, nunca irá contar. Ana, 44 anos, cresceu com o ambiente de permanentes agressões entre os pais e ao longo da vida nunca conseguiu ser honesta no amor, criando relações em campos minados. Graça, 73 anos, doente, abatida e sozinha, foi durante mais de 30 anos amante de um homem casado, até este desaparecer sem nunca mais dar um sinal. As palavras da peça de teatro documental Onde o Frio Se Demora, que estreia esta quinta-feira, 3, na Casa das Artes, em Vila Nova de Famalicão, pertencem por inteiro a estas mulheres marcadas pelo desamor, pela violência na intimidade e pela solidão.
Os três textos, escritos na primeira pessoa e publicados pela jornalista Ana Cristina Pereira, sofreram apenas pequenas adaptações para serem transpostos para o palco. “A peça é muito fiel ao testemunho original”, conta a autora, relatando os vários encontros e a intimidade criada com estas mulheres da Área Metropolitana do Porto, de diferentes idades, estratos sociais e graus de instrução. “Algo que é muito evidente no discurso de cada uma”, diz Ana Cristina Pereira.
As conversas com um interlocutor imaginário, num cenário doméstico, decorrem enquanto as personagens passam a ferro as memórias e os sentimentos. Nem a encenadora Luísa Pinto, nem Margarida Carvalho, a atriz que interpreta os três papéis (com transformações subtis no figurino), quiseram contactar diretamente com as mulheres retratadas, antes de o espetáculo estrear. “Mas as semelhanças são impressionantes”, conta Ana Cristina Pereira. A esbater o peso dramático destes testemunhos está a música do guitarrista Peixe (interpretada ao vivo), as imagens do fotojornalista Paulo Pimenta e o desenho de luz de Bruno Santos. “Não quisemos sublinhar demais uma história que já era negra”, acrescenta Luísa Pinto. Para que o frio não se demore demasiado em cena.
Casa das Artes > Parque de Sinçães, Vila Nova de Famalicão > T. 252 371 304 > 3-5 mar, qui-sáb 21h30 > €8
Teatro Municipal Rivoli > Pç. D. João I, Porto T. 22 339 2201 > 18-19 mar, sex 19h, sáb 17h > €5
Teatro Municipal Joaquim Benite > Av. Professor Egas Moniz, Almada > T. 21 273 9360 > 25-27 mar, sex-sáb 21h30, dom 16h > €10
Teatro Municipal de Bragança > Av. Sá Carneiro, Bragança > T. 273 302744 > 6 abr, qua 21h30 > €6