A casa de Ptolemy Grey não tem ponta por onde se lhe pegue, de tanta tralha, sujidade e lixo acumulados. Aos 91 anos, e a sofrer de demência, é-lhe impossível manter a organização, e a barba e o cabelo desgrenhados denunciam a falta de cuidado e de higiene pessoal. Um caos que vai sendo interrompido pelas confusões (o despertador no frigorífico), pelos esquecimentos, pelas alucinações, mas também pelas visitas do sobrinho Reggie (Omar Benson Miller). Quando a morte súbita do seu último cuidador acontece, “papa” Grey fica ainda mais perdido. O que lhe vale, além da amizade com Robyn (Dominique Fishback), a adolescente órfã que fica a tomar conta dele, é o doutor Rubin (Walton Goggins) que lhe propõe um tratamento que promete reverter, mesmo que temporariamente, todas as formas de demência e devolver as memórias de uma vida, recordadas em flashbacks à década de 1970, em Atlanta.
Há nesta minissérie qualquer coisa d’ O Estranho Caso de Benjamin Button, em que a demência de um velho solitário está prestes a ser travada, e, apesar de o aspeto físico não rejuvenescer, a memória ganha anos de vida. Depois de termos visto O Método Kominsky, com um Michael Douglas a aproveitar a sua idade e rabugice da melhor maneira em prol da personagem, esta série é preenchida por um Samuel L. Jackson reconhecível, mas cujo trabalho de caracterização lhe confere ainda mais poder. Aos 73 anos e a interpretar um velho doente e moribundo, o ator mantém a excentricidade e o carisma, mesmo quando débil.
Escrito por Walter Mosley – autor californiano de ficção policial que, em 2020, se tornou o primeiro homem negro a receber a medalha da National Book Foundation –, é difícil não gostar deste drama que traz tanta dignidade aos últimos dias de uma vida cheia.
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Os Últimos Dias de Ptolemy Grey > Apple TV+ > Estreou 11 mar, sex (dois episódios) > 6 episódios, um novo a cada sexta