Por mais que tente, José Rebelo Pinto tem dificuldade em esconder o cansaço que acumulou nos últimos meses. Desde maio que deixou em stand by a família, os amigos e a natureza onde tanto gosta de se refugiar. Se os olhos ainda brilham, as mãos estão calejadas, marcas imprimidas pelo duro trabalho manual dos últimos tempos. Tudo isto tem uma causa, um nome e um efeito: 8 Marvila. Mas vamos por partes, que esta história começa meses antes das portas se abrirem ao público.
Há cerca de um ano, a imobiliária que comprara o edifício de 1910 dos antigos armazéns da Abel Pereira da Fonseca – uma empresa que até 1993 foi muito forte no setor dos vinhos – procurou a experiência de José Rebelo Pinto noutras recuperações na cidade, como a Lx Factory, o Cais do Sodré ou o Martim Moniz, para criar vida neste quarteirão enquanto não lhe dá uso definitivo. O prazo de validade para o que José engendrou é de apenas três anos. E por isso ainda vale mais a pena aproveitá-lo.
Em maio, o produtor e programador transformou-se em mestre de obras. Quando entrou pela primeira vez nestes 22 mil metros quadrados, com frente para o rio e para a praça David Leandro da Silva, ficou chocado, pois grande parte do edifício (especialmente o número 8) encontrava-se mergulhado em lixo. Logo pensou que havia que aproveitar o entulho. Hoje, não se cansa de apontar para balcões, mesas, bares, lugares de descanso, palcos e até equipamento de som que são a cara desses aproveitamento que resultou em menos brita e menos cimento consumido. Se não nos dissessem, nem poderíamos adivinhar que assim era. “Mais de 50% da construção foi feita com base em material que encontrámos aqui”, revela Rebelo Pinto.
Quatro meses depois dessa entrada desmoralizante, por um lado, estimulante, por outro, José Pinto Rebelo está cansado, já se disse, mas também com aquela adrenalina típica dos novos projetos, daqueles que podem modificar de facto uma cidade. E de mestre de obras passou a ser curador do 8 Marvila, pensando o lugar como um todo, ainda que seja bastante compartimentado.
Aposta-se na segunda mão, no analógico, na reutilização, na sustentabilidade. Aliás, estas são as pedras de toque de todo o projeto, fugindo a uma lógica de alugar isto para raves
Para dar esse cimento, aposta-se na segunda mão, no analógico, na reutilização, na sustentabilidade. Aliás, estas são as pedras de toque de todo o projeto, fugindo a uma lógica de alugar isto para raves (seria tentador e bastava responder que sim às dezenas de propostas que existiram). “A decadência é por nós muito bem aceite. E, depois, damos qualidade na oferta e nos serviços – isso marca a diferença”, explica o mentor.
A chamada praça central parece um oasis, de tal forma é dominada pelo Mato. O nome nem é exagero, porque o verde em que está imbuído este lounge – da responsabilidade da Planta Livre, com loja aqui – é o denominador comum que une o bar e o restaurante vegetariano (já abertos), da responsabilidade de José Rebelo Pinto, num equilíbrio perfeito entre o “urbano e a Natureza”.
Aqui há espaço para lojas, como a RCICLA, de restauro de bicicletas, The Lisbon Frame, de fotografia analógica, Black Mamba e Teddy Hats, de roupa usada, o estúdio de tatuagens de Elisa Rezende, a decoração da Napo Runa, uma garrafeira dedicada a pequenos produtores e a galeria de arte Because Art Matters. Hão de arrumar-se ora em antigas cubas de vinho com as paredes partidas e tijolos à mostra, ora em rulotes fixas, a la food truck, como já é o caso da 150 gramas, do chefe Pedro Teles .
Onde antes funcionava um restaurante do Chakal, com porta independente para o largo, está prestes a abrir, pela mão do antigo chefe do saudoso Pistola y Corazón, a taqueria Paloma. Até ao final do ano, hão de inaugurar nove campos de Padel cobertos distribuídos por quatro mil metros quadrados. Também se organizará um espaço para oficina de carpintaria comunitária, uma área em que haverá workshops para ensinar técnicas de antigamente. “Funcionará de forma fluida, sem vertente comercial”, assevera José Pinto Rebelo. Fluido será também o andar de cima, pelo menos a avaliar pelo tipo de atividade que se pensou para lá, como ioga, cinema, conferências sobre temas fraturantes. “Não temos partidos, nem somos radicais, mas queremos estar mais acordados, pensando no que podemos fazer para melhorar o futuro das cidades.”
Mas nem só de lazer se vão encher estas paredes. A ideia é criar também uma zona de escritórios, ao estilo coworking, só podia.
“Passei aqui muitos dias sozinho, dá-me imenso gozo ver isto com pessoas, com uma energia completamente diferente. É bonita esta transição.”