1. Cama de Gato
Kurt Vonnegut
Reedição de um clássico capaz de despertar e desconcertar até o mais fleumático dos leitores banhistas, Cama de Gato é uma parábola sobre o fim do mundo que, como é usual nos livros de Kurt Vonnegut, ressoa de uma maneira ou de outra na contemporaneidade. Agilidade narrativa, cenas absurdas, cenários bizarros, humanismo e humor ácido, há de tudo nesta história do jornalista Jonas, engolido pela baleia da sua investigação sobre a catástrofe atómica de Hiroshima: ele acabará na fictícia ilha de San Lorenzo, onde encontra a próxima arma de destruição apocalíptica, com o enigmático nome de gelo-nove, e a religião ilegal do bokonismo… Alfaguara, 288 págs., €19,95
2. Eu Canto e a Montanha Dança
Irene Solà
Há livros transformadores que se leem num par de horas. É o feliz caso desta obra de uma poeta e artista plástica catalã nascida em 1990, que resiste à catalogação estilística fácil e ao esquecimento. Eu Canto e A Montanha Dança é uma viagem intensa e jubilosa ao mundo rural, que nada tem que ver com a leveza do campo imaginado na modorra das segundas casas. Irene Solà avança por um mundo “primogénito” e misterioso nos Pirenéus catalães, carregado de mitologias, como a que funda um episódio inicial: o camponês Domènec é fulminado ao meio “como se fosse um coelho” por um raio, quando tentava libertar um bezerro numa cerca, cumprindo a profecia local de que, a cada dez anos, alguém assim encontra o seu fim. Os narradores deste acidente são as nuvens, elementos de um coro polifónico inusitado que inclui humanos, bruxas, cogumelos trombetas-dos-mortos, ursos e até montanhas dotadas de vozes filosóficas (que, aqui, têm ilustrações subtis). Que bom que o mundo ainda é um lugar profundo. Cavalo de Ferro, 192 págs., €16,45
3. A Maior Mulher Moderna do Mundo
Susan Swan
É Olga Tokarczuk que prefacia esta “autobiografia” ficcional sobre uma mulher que desafia as leis patriarcais apenas com o seu aspeto físico: é uma “giganta de sangue quente, vivípara e conífera”, contando mais de dois metros de altura num mundo despreparado para figuras não normativas; logo, disposto a atitudes anãs. Baseado numa história verídica, o livro, maravilhoso, faz-nos escutar Anna Swan a retratar o seu quotidiano desproporcionado com desassombro e tragicomédia. E se ela revela o fenómeno dos freak shows do século XIX, é também e curiosamente, sublinha a autora agraciada com o Nobel, uma emancipada por via da celebridade. Tinta-da-China, 464 págs., €23,90
4. Pobres Criaturas
Alasdair Gray
Perguntar-se-ão os mais indolentes, perdão, os mais céticos, se vale a pena ler uma história que já se viu adaptada ao ecrã de cinema. Bem, perderiam uma leitura desopilante, que explora a narrativa além dos créditos finais, traz mais ambiguidade sobre o que depois acontece à protagonista aventureira e apresenta uma organização lúdica do objeto-livro, que aqui inclui ilustrações e apontamentos gráficos, cartas dos personagens, rodapés, curiosidades, alfinetadas, anotações fictícias. Uma parafernália narrativa para recriar irreverentemente um velho mito: a criação, e a educação sentimental e intelectual, de Bella Baxter, rapariga de 25 anos criada com partes de criaturas falecidas. Cultura Editora, 320 págs., €18,50