Tudo começou em 1993 com um punhado de amigos e um sonho, o de criar um festival de rock independente na ruralidade intocada da praia do Taboão. Agora, Paredes de Coura ganha um registo eterno em Paraíso de Coura, um tributo fotográfico de Alfredo Cunha, fotorrepórter do “dia inicial inteiro e limpo” do 25 de Abril de 1974. Pontuado por textos de Valter Hugo Mãe, do jornalista Mário Lopes, da investigadora Sandra Maria Teixeira e do presidente da Câmara Municipal de Paredes de Coura, Vítor Paulo Pereira, este volume é uma poderosa peregrinação visual.
Aqui, contempla-se tanto a celebração orgiástica da multidão de braços no ar como o bulício vivido nas tendas, as tribos diferentes, as performances de bandas que fizeram a educação sentimental de várias gerações – vejam-se as fotografias dos festivaleiros veteranos e de gente com filhos pela mão também a celebrar o “Couraíso”.
Mas há ainda retratos fortíssimos que denunciam o olhar atento, herdeiro da tradição documental humanista, de Alfredo Cunha: o “cromo” de garrafa nos lábios, o agricultor de picareta ao ombro que passa incólume entre festivaleiros, a geometria dos corpos no esplendor na relva, as muitas raparigas captadas em júbilo igualitário, os momentos irrepetíveis – como o da gargalhada da rapariga loura, anjo ancorado numa rocha-asa à beira da água, capa de Paraíso de Coura. “Monumento fotográfico”, capaz de “transformar uma multidão numa nação”, chama-lhes Valter Hugo Mãe. O escritor que escreveu já que Coura devia ser prescrito pelos médicos e descontado no IRS “porque tudo no Festival nos cura”, declara: “O Festival de Coura é o Entroncamento das Sortes, o lugar onde dá certo qualquer estranho e o esplendor humano se nota em qualquer nico de gesto. Já fui mais feliz em Coura do que em dez Venezas ou Novas Iorques.” A felicidade festivaleira continua até 17 de agosto.
Álbum de glórias
Paraíso de Coura regista igualmente muitos dos momentos em palco, que construíram a história e a magia dos 31 anos de edições de Paredes de Coura, com Alfredo Cunha a captar retratos de proximidade dos grandes protagonistas. Vejam-se as imagens poderosas de Patti Smith, de braços abertos em comunhão com o público, ou dos Franz Ferdinand, de guitarra a tiracolo, a eletrizar uma multidão, vistos da primeira linha do público, ou ainda da silhueta familiar de Manuel Cruz, vocalista da banda nacional Ornatos Violeta, de microfone na mão e sob os holofotes.
O festival foi palco das primeiras atuações em Portugal de “nomes orelhudos que, com o tempo, se agigantaram”, nas palavras da investigadora Sandra Maria Teixeira. Dessa listagem extensa, constam bandas como Arcade Fire, The National, Coldplay, LCD Soundsystem, Queens of The Stone Age, Sex Pistols, Flaming Lips, Korn, Tame Impala, Yeah Yeah Yeahs, Caribou e The War on Drugs, entre outros.
Sonho de Verão
Se a história do festival inclui interrupções e sobressaltos, por exemplo, causados por dificuldades económicas, mudanças de estrutura ou ainda os constrangimentos resultantes da pandemia Covid-19, o certo é que Paredes de Coura sobreviveu e se afirmou como um dos incontornáveis acontecimentos estivais.
“Um sonho de uma noite de verão”, uma experiência com algo de “místico”, resultado de “um desejo inquieto” “de nos sentirmos perdidos entre dois infinitos, entre aquilo que somos e aquilo que queremos ser”, descreve Vítor Paulo Pereira, um dos fundadores do festival, hoje Presidente da Câmara Municipal de Paredes de Coura.
Outra descrição cabe assim no texto de Valter Hugo Mãe, em Paraíso de Coura: “Ano após ano, na religião livre e sã do rock, rumamos à santa terra de Coura para o templo natural do Taboão, e somos abençoados pela falta de peneiras e pela disponibilidade para sermos iguais. É o que mais se aprende em Coura, que isto não é para cagões a mostrar vaidades. Isto é para o amor.”