1.Uma Ida ao Motel e Outras Histórias, de Bruno Vieira Amaral
Mão genial a esmiuçar as tribos da “outra margem”, o escritor regressa, nestes 30 contos curtos, à sua filigrana benevolente para os que vivem tropeços afetivos.
Como esse namorado inseguro que demora um ano a pedir à parceira que ela remova um “flagelo particular” do quarto: a fotografia do ex-namorado. Ou o do urbanita egoísta “actor caprichoso” entediado pela concretização do sonho da vida no campo, que escapa a um incêndio – e à sua consciência – por um triz. Quetzal > 192 págs. > €16,60
2. Do Desaparecimento dos Rituais, de Byung-Chul Han
Para quem sentiu a pandemia como uma oportunidade de mudança, mas também para os cínicos e pessimistas, estes breves ensaios do filósofo sul-coreano com ampla obra ensaística já por cá traduzida, leem-se em poucos minutos mas têm um potencial transformador duradouro.
Aqui, reflete-se e critica-se o consumo predatório seja de objetos seja de valores morais, a “sociedade da autenticidade” que é, defende Han, uma “sociedade da performance”. Relógio D’Água 104 págs. > €16
3. O Ano do Macaco, de Patti Smith
“O sonho é uma segunda vida” postula um velho exemplar de Gérard de Nerval encontrado num quarto onde Patti Smith se abriga. A frase encapsula bem esta flânerie literária e memorialista, uma viagem oscilante entre realidade e sonho, atravessando lugares como o Motel Dream Inn (em que uma tabuleta interpela, trocista, a cantora e autora…), estradas longas ou livrarias – uma acrobacia narrativa vivida entre a exaltação de estar viva e a consciência da mortalidade.
O Ano do Macaco é o diário do difícil 2016, em que ela se despede de íntimos como o manager Sandy Pearlman e o ator Sam Sheppard, em que viaja por uma América onde “uma luz após a outra parecia morrer”, em que a crise ambiental a cerca, em que o seu 70º aniversário está para breve. A linguagem limpa, feita de elipses e de associações livres, faz-nos cair no buraco de Alice no País das Maravilhas. Esta é uma deriva cheia de iluminações, de redenções – como a sua visita à biblioteca de Fernando Pessoa numa Lisboa sem tempo. Quetzal > 288 págs. > €17,70
4. A Ladra da Fruta, de Peter Handke
Escrito dois anos antes do Prémio Nobel recebido, este romance transporta sensações e surpresas, serpenteando como um rio, despreocupando o leitor da obrigação de perceber logo tudo.
Às primeiras páginas entramos num verão idealizado, céu azul e flores brancas de trevos, uma picada de abelha num pé humano descalço – um sinal de partida. Ida, uma jovem francesa, faz um périplo de três dias pela região da Picardia, rasando os pomares, encontrando gente e bichos por vezes difíceis de distinguir entre si. Mas nenhum paraíso gosta de intrusos. Relógio D’Água > 304 págs. > €18,50
5. Os Sete Pilares da Sabedoria, de T.E. Lawrence
Clássico memorável há muito desaparecido das livrarias, tem agora duas belas edições (pela E-Primatur e pela Relógio D’Água). Desarrumável nas prateleiras de épico de aventuras, livro de viagem, relato de guerra e autobiografia, é um tomo tão monumental como o autor: Thomas Edward Lawrence (1888-1935), britânico upper class fascinado pela cultura árabe, arqueólogo, diplomata, aventureiro e figura fundamental na revolta árabe contra os turcos otomanos e no redesenhar do Médio Oriente. Um regresso imperdível. E-Primatur > 824 págs. > €24,90
6. 10 Minutos e 38 Segundos Neste Mundo Estranho, de Elif Shafak
“No primeiro minuto que se seguiu à sua morte, a consciência de Leila Tequila começou a abrandar, lenta e firmemente, como uma maré a recuar para a costa”, mas o cérebro era ainda “um combatente até ao fim”.
Através deste dispositivo engenhoso, a memória de uma mulher morta que é desatada com ferocidade e lucidez superiores à de tantos vivos, a romancista turco-britânica cria um fresco vívido sobre Istambul, “um truque mágico que correra mal”, experienciado pelos seus oprimidos. Editorial Presença > 328 págs. > €18,90
7. Quanto Tempo Tem Um Dia, de Susana Moreira Marques
Nem pedagogia nem truques, nem autoglorificação alinhada com as mamãs de Instagram. Relatos intimistas, estas “experiências da maternidade” são as de uma voz singular, sensível, pensante.
As questões da identidade e da mitologia familiar, os papéis (auto)impostos, os testemunhos, os tipos como as mãe-mãe ou as invisíveis ou as que sacrificaram o poder ser outra coisa – é um puzzle composto por esta mãe de duas filhas. Para que nada se perca? Para que ela não se perca. Fundação Francisco Manuel dos Santos > 128 págs. > €3,50
8. Epítome de Pecados e Tentações, de Mário de Carvalho
Onze contos para divagar sobre as fraquezas da carne, mas sobretudo pelas falibilidades do espírito e pelos desencontros entre homens e mulheres, que nem mapas horoscópicos nem provocações bem assestadas nem alfinetadas sedutoras parecem conseguir salvar do soçobramento geral dos afetos e afins. Mais dos afins, aqui desamparados nos braços aveludados dos sofás, nas camas desfeitas, nos chuveiros tomados a dois. Mário de Carvalho, contista de fina ironia e destreza vocabular, faz-nos deslizar, entre a compaixão e o escárnio, por histórias sem final feliz. Ora intervém o desencanto da terceira idade, ora atrapalha a distância cultural entre a Dinamarca e terrinhas mais provincianas, ora os corpos não desatam, ora morrem os objetos de desejo… É todo um desfilar de tesourinhos, umas vezes com o narrador a assumir voz máscula, outras vezes como protagonista feminina. Porto Editora > 136 págs. > €15,50
9. Escrever – Memórias de um Ofício, de Stephen King
As epígrafes baralham o jogo: “A honestidade é a melhor política”, reza Cervantes; “Os mentirosos prosperam”, postula um Anónimo.
Autor que explorou os medos trazidos pela tecnologia, pela indiferença de Deus, pela violência das pessoas normais, Stephen King faz uma espécie de autobiografia absorvente: revê a vida (do “terreno nebuloso” da infância às doenças atuais) e disseca questões habitualmente “feitas a um DeLillo, um Updike” sobre a língua. Escrever “é a água da vida (…). Beba até ficar saciado”, diz. Bertrand > 288 págs. > €16,60
10. E Tudo o Vento Levou I e II, de Margaret Mitchell
A adaptação cinematográfica do clássico da autora norte-americana foi alvo de cancelamento cultural, devido às representações das personagens negras nesta história sobre a Guerra Civil nos EUA e a ligação às raízes, protagonizada pela herdeira mimada Scarlett O’Hara e o aventureiro Rhett Butler. Se a necessidade de contextualização é, hoje, prática fundamental nas artes, esperemos que esta se estenda a este épico literário. Relógio D’Água > 272 págs. > €15,50