1. “O Método”, de Rodrigo Leão
Rodrigo Leão tem essa quintessência que qualquer artista persegue: ao fim de uns segundos de audição da sua música, encontramos uma linguagem inconfundível. Desde Ave Mundi Luminar, de 1993, que é assim no percurso deste compositor autodidata (facto que, provavelmente, não é alheio a essa sua marca de água). O que é um valioso trunfo pode também ser uma armadilha. Um após outro, todos os seus discos soam “a Rodrigo Leão”, a partir da mesma gramática musical. Mas há sempre novidades, desafios, mais ou menos subtis, e o músico sabe que precisa delas e deles. No caso deste O Método, há a chegada, como produtor, de um músico exterior ao núcleo duro que há anos acompanha Rodrigo Leão (João Eleutério e Pedro Oliveira): o italiano Federico Albanese, que contribuiu para os arranjos finais e a discreta componente eletrónica do disco. Outra novidade, que causa estranheza, são as canções entoadas numa língua inexistente (a que se chegou fazendo correr as gravações em sentido contrário), mas nem por isso menos emocional. Uma faixa em particular parece uma intrusa no meio das outras onze. The Boy Inside encaixaria na perfeição em álbuns como Cinema ou A Mãe. É uma belíssima canção em inglês, com letra de Casper Clausen, que também a interpreta. Casper é um músico dinamarquês que há alguns anos se perdeu de amores por Lisboa, onde agora vive. Faz todo o sentido. É, também, de encontros assim, únicos, que se faz a inconfundível música de Rodrigo Leão. P.D.A.
2. “The Gambler Song”, de Mazgani
Já com uma vasta discografia, iniciada há 13 anos com o álbum Songs of the New Heart, o músico e cantor luso-iraniano revelou-se um dos mais talentosos escritores de canções da música portuguesa deste século, cumprindo o vaticínio feito em 2005 pela revista francesa Les Inrockuptibles, que incluiu Mazgani na lista dos melhores projetos musicais da Europa. Esse estatuto comprova-se, mais uma vez, no novo disco, The Gambler Song, um registo mais comedido em termos musicais, mas com a mesma dimensão lírica que desde sempre marcou as suas canções, cujo tema central continua a ser o amor, nas suas mais diversas facetas. Incluindo aquele caminho que pode conduzir ao desamor, esse outro sentimento tão bem cantado por Shahryar Mazgani, que aos 45 anos revela toda essa inquietação numa música cada vez mais desacelerada, mas nem por isso menos urgente. M.J.
3. “Rua das Marimbas n.7”, de A Garota Não
É um disco pouco comum este trabalho de estreia de A Garota Não, projeto liderado por Cátia Oliveira que, apesar do formato de banda, mais se assume como uma espécie de alter ego musical desta cantautora setubalense de 35 anos. Com uma carreira anterior feita em bandas de MPB e bossa nova – o nome artístico advém do clássico A Garota de Ipanema, que não gostava de cantar e lhe pediam constantemente –, em boa hora decidiu partilhar com o mundo as suas canções, construídas com uma subtileza pop quase perfeita, que sublinham as letras exemplarmente bem escritas, sejam elas de amor (A Canção), de perda (No Dia do Teu Casamento) ou de pura revolta contra o estado das coisas (80.nada), na melhor tradição da música de intervenção de outros tempos. M.J.
4. “Mogadisco – Dancing Mogadishu (Somalia 1972-1991)”, Vários
A partir dos noticiários dos últimos 30 anos, dificilmente associamos a Somália, ou a cidade de Mogadíscio, a algo de vagamente próximo do hedonismo ou da boa música para dançar. Este disco transporta-nos para uma época pós-colonial (o território da Somália foi britânico e italiano até à independência, em 1960) e de pré-guerra civil generalizada. Não se pode propriamente falar numa “era de ouro”, já que Siad Barre governou (entre 1969 e 1991) com autoritarismo, enredado nos interesses em conflito da Guerra Fria. Mas o contexto era suficientemente aberto ao mundo para que vários estilos musicais locais se cruzassem, na capital, com os ritmos funk, disco, rock ou reggae. Vasculhando nos arquivos da rádio nacional (Radio Mogadishu), Ben Redjeb conseguiu chegar a várias pérolas dos anos 70, 80 e início dos 90, tocadas por músicos da Somália (que, em muitos casos, acabariam por deixar o seu país). O trabalho de Redjeb, nascido na Tunísia, na sua editora Analog Africa, criada em 2006, passa, precisamente, por viajar por vários países africanos em busca da sua esquecida música popular de décadas passadas. O resultado vai quase sempre – como é evidente neste Mogadisco – ao encontro de um gosto, muito em voga nos últimos anos, por sonoridades vintage com um toque de exotismo que nos faz viajar no tempo e no espaço. P.D.A.
5. “Unplugueto”, de Halloween
Allen Halloween é um dos mais idiossincráticos rappers portugueses, sendo até difícil inseri-lo no movimento que tem feito do hip-hop nacional um fenómeno cada vez mais reconhecido e escutado pelo público mainstream. Halloween é um caso completamente à parte, com os temas dos seus anteriores três discos a constituírem vinhetas da vida de um jovem negro em Portugal, entre o gueto e a cidade, entre o crime e a busca da espiritualidade. Agora, Halloween lança Unplugueto, uma espécie de unplugged ao vivo que junta algumas das suas músicas mais celebradas com alguns inéditos e até uma versão d’O Primeiro Dia, de Sérgio Godinho. Não sendo o melhor disco de Halloween, é o cenário ideal para atentar nas palavras e nas histórias deste artista, cujas letras acabam também de ser editadas em livro. Há apenas um senão: poucos dias após a edição de Unplugueto, Halloween anunciou publicamente o fim da sua carreira artística, por considerá-la incompatível com o seu caminho espiritual. Fica a obra de uma das vozes mais únicas da música portuguesa nas últimas décadas. T.F.
6. “Right as Rain”, de Madalena Palmeirim
O momento mais surpreendente do álbum de estreia a solo de Madalena Palmeirim é o segundo tema. M’ Câ Sabê é uma morna, algo que não se esperava de uma cantora que tem trabalhado em bandas de pop rock, com uma componente experimental, como os L Mantra e os Nome Comum. A artista aproveitou um fado que lhe fora oferecido por Pedro Faro e traduziu-o, literal e musicalmente, para cabo-verdiano. A morna, que se destaca do resto, é apenas a mais visível face de um álbum altamente eclético, em que Madalena canta alternadamente em português e em inglês, sem preconceitos quanto a idiomas ou a estilos. Aliás, tudo o que o disco possa eventualmente perder em consistência ganha certamente em liberdade. Uma liberdade que se sente ao ouvir estas 12 faixas. Entre o pop, o folk e o rock, sempre com um toque indie, há uma bela voz, arranjos cuidados e boas canções que, por vezes, não escondem as influências: Para Todo o Lado! lembra Márcia e Limbo faz pensar nos Osso Vaidoso. Para esta aventura a solo, Madalena chamou muitos cúmplices, fazendo com que, apesar da sua identidade individual, Right as Rain se torne um disco coletivo e rico. Entre outros, encontramos aqui Francisca Cortesão, Carlos Barretto, Momo, Mariana Ricardo, David Santos e o seu irmão Bernardo Palmeirim. M.H.