Atrevemo-nos a utilizar a sombra tutelar de Jorge Luis Borges para descrever o conto inicial, inteiro e limpo, que inaugura as 60 histórias encimadas por uma ilustração de estilo escheriano. É que este universo ficaria bem nas Ficções do argentino metafísico. Em Os Sete Mensageiros, um príncipe parte para explorar o reino do pai, julgando que poucas semanas bastariam para a empreitada, mas descobrindo que a gente e as terras com que se cruza aparentam ser de ordem infinita: “Comecei a viagem tinha pouco mais de trinta anos e já passaram mais de oito, exactamente oito anos, seis meses e quinze dias de caminho ininterrupto. (…) Às vezes penso que a bússola do meu geógrafo enlouqueceu e que nós, pensando que avançamos sempre para sul, na realidade talvez tenhamos andado às voltas em redor do mesmo ponto, sem nunca aumentar a distância que nos separa da capital; isso poderia explicar o motivo por que ainda não chegámos à extrema fronteira. Mas o que mais amiúde me atormenta é o receio de que esse confim não exista, que o reino se estenda sem limites e que, por mais que eu avance, nunca consiga chegar ao fim.” Um relato enigmático e elegante, que valoriza a imaginação acima dos efeitos de estilo, transportando o leitor para planos fantásticos, alcançáveis pela subversão de situações quotidianas.
O italiano faz os leitores e personagens percorrerem labirintos existencialistas, planos cósmicos, escadarias desgovernadas (até literalmente no conto Sete Andares, em que a misteriosa arrumação estratégica dos doentes numa casa de saúde poderia assemelhar-se aos círculos de A Divina Comédia de Dante). É todo um teatro absurdo e humanista, percetível nesta generosa edição.