O calor é o principal inimigo de quem anda a vindimar. Fátima Guilherme, 27 anos, e Hélia da Conceição, 53, sabem como suportá-lo, escondendo a pele do sol nas mangas compridas das camisas largas e protegendo a cabeça e o rosto com um chapéu. Na parcela da frente, para a “companheira” Paula Freitas, 41 anos, o truque é “beber muita água”, diz, enquanto dá uma tesourada num grande cacho de uvas e o põe dentro da caixa azul – a mais recente substituta do cesto de vime, pois é mais segura no transporte e mais higiénica e tem melhor acondicionamento. Com estas “armas”, evitam desidratação e queimaduras nos dias em que o termómetro ultrapassa os 40 graus, na Herdade da Malhada, em Santa Vitória, a 20 quilómetros de Beja.
No campo, ouvem-se conversas sobre o dia a dia, em vez dos célebres cânticos de antigamente. Assim se preenche a jorna que começa logo pela fresca, às 8 da manhã. No mesmo talhão, mas de costas, Fátima e Hélia, estão de frente para as vinhas. “Só recolhemos os cachos bons, os que não têm qualidade ficam para os passarinhos”, explica Hélia, experiente também na apanha de sal e de arroz. As dores de costas já não são um motivo de desconforto, mesmo para quem passa mais de oito horas curvada, “agora as videiras são mais altas”, refere Hélia que veio de Alcácer do Sal para vindimar na empresa do Grupo Vila Galé. A trabalhar na herdade há nove anos, Maria Inês Branquinho, 49 anos, usa a sua energia para coordenar o grupo de 30 mulheres e homens que, durante um mês e meio, enchem o vinhedo.
Todos os dias há tarefas programadas: “Temos oito filas para apanhar, de Aragonês (casta de origem alentejana), o que dá, cerca de 250 caixas”, contabiliza. Depois de cheias, as caixas são recolhidas, levadas pelos tratores e descarregadas na adega. Mas esta não é a única casta que cresce na herdade, ao longo de mais de 127 hectares de vinha, repartidos em três zonas distintas. Aqui são plantadas 11 castas tintas (como a Touriga Nacional, Trincadeira, Cabernet, Sauvignon, entre outras) e seis para produzirem os brancos (Verdejo, Sauvignon Blanc, Viozinho, Antão Vaz, Arinto e Chardonnay), ocupando, cerca de 30% da área total.Uns talhões abaixo, o barulho de duas grandes máquinas suscita curiosidade. São uma espécie de “rivais mecânicos” destes trabalhadores a prazo. Ou a sua versão mais rápida. Cada uma delas é capaz de fazer em uma hora o trabalho de 60 pessoas. Estão programadas para colher a uva segundo os padrões exigidos pelos engenheiros agrícolas e enólogos e só precisa de uma pessoa ao volante. A ventilação (o tal ruído que se ouviu) afasta as folhas, proibidas de entrar nas cubas de inox, “ali só queremos os bagos”, exemplifica José Samarra, 40 anos, engenheiro responsável pela viticultura da herdade. Tanto o resultado da vindima manual como o da apanha mecânica têm a mesma finalidade: chegar à adega, sem demoras.
Pisa a pé vai continuar
A cerca de 800 metros das vinhas, os tratores descarregam as uvas na adega para prosseguir a vinificação, o controlo de qualidade, o estágio, o engarrafamento e a rotulagem e o armazenamento do vinho. Sob o olhar atento da enóloga Patrícia Peixoto, ainda é feita uma segunda triagem, “para retirar as uvas desidratadas e algumas folhas, porque só as melhores passam à fase seguinte”, garante. É o método ancestral da pisa a pé que mais encanta os convidados de “Uma Colheita que Vai Deixar Saudades”, iniciativa do Hotel Vila Galé Clube de Campo, a decorrer até ao próximo dia 15 (as vindimas poderão prolongar-se até ao final de setembro). Num lagar de médias dimensões, funcionários, hóspedes e visitantes entrelaçam os braços dando início a uma coreografia, ao som das rimas tradicionais. O “maestro” pede para levantarem o pé direito e, à contagem até três, todos têm de o baixar ao mesmo tempo, iniciando a “marcha” lenta por todo o espaço livre. Trata-se de uma “dança” que é preciso repetir durante cerca de 15 minutos. “É nossa intenção continuar com a pisa a pé”, refere a enóloga, “por uma questão de saudosismo”.
A zona das imponentes cubas de fermentação também não passa despercebida a quem visita a adega, inaugurada em 2004, assim como o tilintar do vidro, uns metros adiante, a denunciar o enchimento em garrafa e a colocação dos rótulos, num processo rápido e mecanizado. Por fim, procede-se ao seu armazenamento. O programa inclui, após a visita às vinhas e a pisa a pé, uma ida à loja da Casa de Santa Vitória. A descida à espaçosa e moderna cave é uma surpresa agradável. Ali repousam, agora, os vinhos de 2012 em 305 barricas de carvalho, utilizadas apenas durante quatro anos, sendo, depois, vendidas. Segue-se a prova de um dos vinhos produzidos na casa, uma opção diferente todos os meses. Em setembro, bebe-se Versátil Branco 2012. Um ritual que se repete no final de cada verão, com a participação dos convidados para a grande festa que são as vindimas.