Que a luz que irradia dos pequenos dispositivos móveis que carregamos para todo o lado pode ter efeitos nocivos para a nossa saúde, já se sabia. Ao longo dos anos, têm sido desenvolvidos diversos estudos que comprovam que a luz “azul” dos telemóveis – como é designada – pode levar ao aparecimento de doenças oculares e até estar na base de comportamento sensoriais incomuns nos mais pequenos.
Durante o dia, a luz azul pode melhorar o desempenho e a atenção, ao ajudar a regular o ritmo circadiano – o “relógio” do organismo que dita os timings do seu funcionamento e que é responsável por, por exemplo, indicar fome ou as horas de dormir e acordar. A luz azul suprime a libertação de melatonina pelo organismo – uma hormona que provoca a sensação de sonolência – e, apesar de benéfica durante o dia, a ciência acreditava que, à noite, essa libertação pudesse afetar o adormecer, levando o cérebro a pensar que ainda é dia e perturbando o ritmo circadiano.
Muito utilizados antes de adormecer – seja para ler, agendar o dia seguinte, ou para fazer um “scroll” pelas redes sociais, os telemóveis têm sido acusados de atrasar o sono (pela distração que fornecem, claro, mas pelo efeito da luz também) Agora, novas provas científicas levam a crer que a luz proveniente dos ecrãs – como televisões, tablets, e-readers, telemóveis ou computadores – não está assim tão relacionada com a dificuldade em dormir.
A luz dos ecrãs pode levar a dificuldades em adormecer?
De acordo com Stuart Peirson, professor de neurociência da Universidade de Oxford, a ideia de que a luz emitida pelo smartphone perturba o sono de uma pessoa não é totalmente correta. “O sono é um processo complexo”, explicou o especialista ao britânico The Guardian. Embora seja verdade que a luz emitida pelos ecrãs tem algum impacto no ritmo circadiano, os seus efeitos são menos claros do que se acreditava.
Segundo o especialista, apesar de os recetores dos nossos olhos – que “dizem” ao nosso cérebro quando devemos estar acordados – serem ativados por células que absorvem a luz azul, também são ativados por células que absorvem comprimentos de onda. Esta explicação significa que o problema não é a cor do brilho, mas sim a quantidade de luminosidade e o período de tempo de exposição ao mesmo – e o brilho dos ecrãs dos telefones é, na verdade, bastante fraco. Por exemplo, uma luz ambiente é, em média, 10 vezes mais brilhante que a luz emitida por um telemóvel. “Tecnicamente, a luz azul dos smartphones pode afetar o sono”, explicou Peirson. “Mas estes efeitos são pequenos, a menos que se utilize o telemóvel durante horas com um ecrã brilhante e já se tenha problemas de sono”, clarificou.
Recentemente, um estudo publicado na revista científica Sleep Medicine Reviews revelou que o impacto da luz no tempo que uma pessoa leva a adormecer foi quase insignificante. “Mostrámos que a ideia de que a luz azul dos ecrãs impede de adormecer é essencialmente um mito, embora seja muito convincente”, pode ler-se. Numa análise de estudos dos últimos dez anos, a equipa de cientistas de diversas universidades procurou a associação entre a qualidade do sono e a tecnologia e não encontrou provas de que a exposição à luz dos ecrãs, na hora antes de dormir, dificulte o adormecimento.
Já um estudo científico realizado pela Universidade de Harvard revelou que cerca de quatro horas de exposição à luz emitida por um “e-reader” – na sua potência máxima – tiveram um efeito considerado pequeno, com um atraso de cerca de 10 minutos no início do sono. Este, segundo os especialistas, é na verdade mais afetado pelo tipo de conteúdo que se consome.
“Um problema muito maior é provavelmente o conteúdo visualizado”, referiu Peirson à The Wired. “Ler e-mails de trabalho relacionados com prazos iminentes vai claramente causar ansiedade, e a ansiedade está fortemente relacionada com a insónia”, acrescentou. No mesmo sentido, fazer um “doomscrolling” pelas redes sociais e pelas notícias do dia também tem efeitos negativos no tempo que se leva a adormecer e na própria qualidade do sono.
Por fim, os especialistas avisam ainda que dormir muito próximo de um telemóvel também pode ser prejudicial à saúde, especialmente se não forem silenciados. O toque das notificações e das mensagens do aparelho podem perturbar o sono.
Óculos que “bloqueiam” a luz azul?
Nos últimos anos, a par das investigações que incidem sobre os efeitos desta luz, têm sido desenvolvidos mecanismos que ajudam a mitigar os seus efeitos, como as lentes capazes de “bloquear” a luz azul. No entanto, não existem ainda, segundo Peirson, evidências significativas que comprovem os benefícios destas lentes. Por outro lado, as lentes antirreflexo podem ser uma boa opção, uma vez que reduzem o brilho e aumentam o contraste.
Já de acordo com a Academia Americana de Oftalmologia e com o Colégio de Optometristas do Reino Unido, não há provas de que a luz azul dos ecrãs prejudique os nossos olhos e nenhum deles recomenda óculos que bloqueiem a luz azul.