Em comprimidos, cápsulas, gotas, líquidos, gomas, pó e muitos iogurtes. São inúmeras e variadas as ofertas dos suplementos alimentares apregoados aos sete ventos como “as boas bactérias” do organismo, cuja principal função passa por regular a flora intestinal.
Além dos iogurtes, também encontramos probióticos (alimentos que contêm microrganismos vivos benéficos à saúde) em bebidas fermentadas (como a kombucha, feita a partir de chá preto ou verde), nos pickles (legumes fermentados nas suas próprias bactérias numa solução de água e sal), no kefir (produto fermentado feito com leite e grãos de kefir), no vinagre de maçã ou na coalhada. São mais de duzentas as bactérias importantes que no nosso corpo facilitam uma série de processos.
À medida que a indústria do bem-estar aumenta, escala também o interesse das pessoas pela saúde intestinal, um chavão com mais de 5,7 mil milhões de visualizações no TikTok, através da hashtag, em inglês, guthealth.
A tentação de melhorar o microbioma tem feito com que haja uma corrida aos suplementos probióticos. O mercado global atingiu um valor de cerca de 52 mil milhões de euros em 2022 e prevê-se que possa ultrapassar os €77 mil milhões em 2027, de acordo com dados divulgados pela Statista, plataforma online alemã.
Em que situações é aconselhada a toma de probióticos? “Ao tomar um antibiótico, o doente devia fazer acompanhamento com probiótico, porque existem sempre alterações da flora intestinal. Os antiácidos, para o refluxo e a azia, em que a prescrição médica acontece uma vez, mas o doente fica a tomá-los por uma vida inteira, têm um impacto na flora intestinal muito maior do que os antibióticos”, exemplifica Conceição Calhau, nutricionista, coordenadora da Unidade de Medicina de Estilos de Vida da CUF e professora catedrática na Nova Medical School.
A forma mais eficaz de manter uma boa microbiota, sempre que existem estas variáveis, passa por comer probióticos, ou seja, alimentos fermentados (um banal iogurte), com a presença de microrganismos vivos – uma definição dada por Ilya Mechnikov, biólogo vencedor do Prémio Nobel da Medicina, em 1908, duas décadas antes da descoberta da penicilina, o primeiro antibiótico.
Menos carne, mais fibra
A falta de exercício físico, o sedentarismo, as alterações de sono, a toma de vários medicamentos, o stresse e o tabaco também alteram a flora intestinal e, nessas situações, a prescrição de probióticos é adequada. “Nos supermercados e em lojas de rua, vendem-se suplementos em que a evidência científica do que contêm é uma grande incerteza, mas não podemos pôr todos os suplementos e todos os probióticos no mesmo saco”, avisa a nutricionista.
“As pessoas preferem gastar dinheiro em substâncias postas em frascos, mesmo que ninguém saiba muito bem a sua composição, para que servem e o que fazem”, reforça Luís Correia, gastrenterologista. Mas há riscos concretos: “Os doentes imunossuprimidos têm recomendações para não utilizarem probióticos por conterem bactérias vivas. Se tiverem o azar de alguma daquelas bactérias passar para a circulação sanguínea, pode dar-se uma infeção sistémica.”
Em 2020, um relatório da Associação Americana de Gastrenterologia (AAG) referia que os probióticos não fazem muito pela saúde intestinal, incluindo, sobretudo, as condições digestivas como a doença de Crohn, a colite ulcerosa ou a síndrome do intestino irritável.
As suposições das pessoas sobre os benefícios dos probióticos não são bem fundamentadas. Os pequenos organismos vivos, incluindo algumas bactérias e leveduras, não podem ser todos analisados da mesma forma. “Selecionar um probiótico eficaz significa combinar a cepa probiótica específica com o tipo de doença que precisa de tratamento. Na maioria das vezes, os rótulos dos produtos probióticos não são úteis”, avisava, na altura, Lynne McFarland, professora associada de Química Medicinal na Universidade de Washington.
As diretrizes da AAG apontam que os probióticos podem ajudar bebés prematuros que nasceram com baixo peso, diminuindo o tempo em que precisam de ter alimentação suplementar e que passam no hospital. Determinados probióticos podem ser considerados na prevenção de infeções por Clostridium difficile (uma bactéria que causa diarreia e inflamação do cólon) em adultos e crianças que tomam antibióticos. E para quem tem uma complicação derivada da colite ulcerosa que foi tratada cirurgicamente, os probióticos também são uma opção.
Em pessoas sem doenças graves, na ótica da prevenção e da manutenção de um intestino saudável, existe um regime alimentar ideal a seguir. “A dieta mediterrânica é a que tem mais evidências, mas em Portugal mais de 80% da população não adere, não come todos os dias sopa, leguminosas e produtos hortícolas. A salada não conta, porque não tem os 25 a 30 gramas de fibras necessários por dia para alimentar as boas bactérias”, sublinha Conceição Calhau.
As fibras encontram-se nos produtos hortícolas (brócolos, feijão-verde, espargos, couve-portuguesa, espinafres), nas leguminosas (grão, tremoço, feijões, lentilhas, ervilhas), nos cereais menos processados (aveia, milho, cevada, quinoa, pão mais escuro ou de fermentação natural). “Se se conseguir comer de tudo isto, entre o almoço, o jantar e as pequenas refeições, ao longo do dia e da semana, já se consegue ter a fibra total que é necessária.”
Quanto à carne vermelha, o seu consumo deve ser muito moderado, “não mais do que 50 gramas por semana”. Nos peixes gordos, ricos em ómega 3, a acumulação de microplásticos na sua gordura deveria levar à redução do consumo de salmão, o mais conhecido dos portugueses, a apenas uma vez por mês, para se diminuir o impacto negativo na microbiota. “Levamos uma vida que, por mais saudável que seja, está demasiado higienizada e, por isso, já não temos os microrganismos necessários”, conclui a especialista. É preciso, então, regressar aos costumes ancestrais, em nome de uma boa saúde intestinal.
Como ter uma boa saúde intestinal
O microbioma não dispensa hábitos de vida saudáveis, com a dieta mediterrânica a dominar as refeições
Apostar nos alimentos fermentados
Pão de fermentação natural, tempeh (soja ou leguminosas fermentadas), iogurte, leitelho, queijo cottage, kefir (leite fermentado), kimchi (base da alimentação coreana, feita de couve fermentada com picante), kombucha (bebida a partir de chá fermentado), miso (base da alimentação japonesa, uma pasta feita com soja ou outros cereais), chucrute (conserva de couve fermentada).
Fugir de açúcares artificiais, alimentos processados e emulsionantes
Evite alimentos ultraprocessados (refrigerantes, bolachas, biscoitos, gelados, comida pré-cozinhada, salgados), produtos “zero açúcares” e magros. “As bactérias intestinais não gostam de adoçantes artificiais não calóricos nem de emulsionantes, aditivo que ajuda a misturar a gordura com a água, característica dos produtos light, alterando as bactérias e comprometendo a função digestiva”, explica Conceição Calhau, nutricionista, professora catedrática na Nova Medical School.
(Artigo publicado originalmente na VISÃO Saúde nº 32)