Um estudo desenvolvido por uma equipa de investigadores do Instituto Ineos Oxford, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, sugere que aves – como os patos e corvos – que vivem com uma maior proximidade aos seres humanos são mais suscetíveis de transportar bactérias com resistência antimicrobiana.
“O nosso estudo demonstra que as populações de aves selvagens nas cidades são reservatórios de bactérias resistentes a muitos antibióticos humanos importantes. É urgente compreender de que forma a atividade humana está a influenciar a propagação de doenças zoonóticas e a resistência antibiótica”, explicou Samuel Sheppard, um dos investigadores envolvido no estudo. As conclusões do estudo foram publicadas sob a forma de artigo científico na revista Current Biology.
A resistência antibiótica ocorre quando os micróbios que provocam doenças – como as bactérias – se tornam resistentes aos antibióticos que, de outra forma, os matariam. Em 2019, a resistência antibiótica foi diretamente responsável por cerca de 1,27 milhões de mortes em todo mundo, sendo descrita pela Organização Mundial da Saúde como uma das principais ameaças globais à saúde pública e ao desenvolvimento.
Para o estudo foram analisadas 700 amostras de bactérias, provenientes de 30 espécies de aves de oito países diferentes. Uma das bactérias que integrou o estudo é conhecida pelo nome científico Campylobactor jejuni e, geralmente, parte do microbioma intestinal das aves. Através da análise genómica dos dados recolhidos, os investigadores conseguiram estudar a diversidade das estirpes desta bactéria, bem como a presença de genes nos animais associados à resistência aos antibióticos.
Através destes testes foi possível concluir que este tipo de aves urbanas continha uma maior variedade de estirpes bacterianas e mostrava até três vezes mais resistência antibiótica do que outros tipos de aves, que habitam em ambientes mais isolados, como as montanhas.
“A resistência antimicrobiana é um problema complexo que afeta não só a saúde humana, mas também os animais e o ambiente. As aves selvagens têm potencial para transferir a resistência antibiótica, a longas distâncias, para os animais criados para consumo de carne e para os animais de companhia, como os animais de estimação. Esta situação pode ter implicações económicas para a agricultura, o bem-estar animal e a segurança alimentar”, continuou Sheppard.
Muitas das espécies identificadas no estudo – como os corvos e os tordos – encontram-se comumente em ambientes urbanos, estando em contacto próximo com os seres humanos. Estes animais estão expostos a várias fontes de bactérias resistentes aos antimicrobianos – como rios contaminados com águas residuais – e podem desempenhar um papel na propagação destas bactérias aos seres humanos.
Os investigadores acreditam que estas conclusões levam à necessidade de se considerar a forma como as bactérias resistentes aos antibióticos se podem propagar fora do ambiente hospitalar. “Este novo estudo fornece provas quantitativas importantes da transmissão da resistência a antibióticos através dos ecossistemas e destaca os papéis interligados dos seres humanos, dos animais e do ambiente na contribuição para a propagação da resistência a antibióticos”, pode ler-se num comunicado emitido pelo Instituto.
Futuramente, os investigadores acreditam que este estudo poderá ajudar a compreender o impacto da propagação de doenças zoonóticas e da resistência antimicrobiana. “O nosso estudo sublinha a necessidade de uma ação global coordenada que tenha em conta a conservação da vida selvagem, a saúde pública e a agricultura, para limitar os impactos de longo alcance da resistência antibiótica”.
Por que razão existe resistência de algumas bactérias aos antibióticos?
O corpo humano possui uma enorme quantidade de bactérias, seres vivos microscópicos, constituídos por uma única célula e que se multiplicam a cada 20 minutos. A maioria destas bactérias não faz mal ou provoca apenas doenças ligeiras, contudo, algumas podem gerar condições de saúde mais fortes que apenas podem ser tratadas por antibióticos – que a impedem de se multiplicar e levam à sua morte.
Ao se multiplicarem, algumas bactérias, por vezes, acabam por sofrer mutações que as tornam mais resistentes aos efeitos do antibiótico e que fazem com que o mesmo deixe de ter efeito no organismo. Sempre que as bactérias ganham resistência a um determinado antibiótico, torna-se necessário recorrer a um novo medicamento, mais forte, para combater a próxima infeção, o que acaba por criar um círculo vicioso. Ademais, quanto mais um antibiótico for utilizado, maior é a possibilidade do desenvolvimento de bactérias resistentes.
Por outro lado, uma bactéria pode tornar-se resistente através do contacto constante com pessoas ou ambientes contaminados.
Algumas bactérias são até designadas por multirresistentes ou “superbactérias” – devido à sua resistência a vários antibióticos – e obrigam, em determinados casos, ao internamento hospitalar.
À semelhança dos humanos, os antibióticos são também utilizados para tratar infeções bacterianas em animais.