Um estudo de 2018, publicado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, concluiu que 1,6 milhões de portugueses com mais de 25 anos referem ter dificuldades em ouvir, o que equivale a uma percentagem de 23,7%. Ainda de acordo com a mesma investigação, cerca de 400 mil pessoas com menos de 45 anos afirmou ter dificuldades auditivas.
Mas porque é que há tantas pessoas mais novas a sofrerem de perda auditiva? Em entrevista à VISÃO, João Ferrão, audiologista, explica que esta condição deve-se a causas como, por exemplo, “o não tratamento de infeções do ouvido na infância e a exposição regular e contínua a sons fortes, nomeadamente o uso descontrolado de estímulos sonoros” durante as horas de lazer, com música ou sons de videojogos demasiado altos. “Também a mudança de paradigma laboral, com o aumento do teletrabalho e reuniões online, merece alguma atenção e sensibilização”, acrescenta o especialista.
No que diz respeito às crianças, dados da Associação Portuguesa de Audiologistas (APtA) demonstram que uma em cada mil nasce com perda auditiva profunda e, se for considerado o critério da OMS de 35dB (decibéis) como valor de referência para uma boa audição, as estatísticas indicam que dos 430 milhões de pessoas com perda auditiva incapacitante e que requerem reabilitação auditiva em todo o mundo, 34 milhões são crianças.
“Felizmente”, diz Ferrão, “graças à implementação do Rastreio Audito Universal (RANU) em quase todos os hospitais e maternidades portuguesas, é possível identificar estas crianças e acompanhá-las desde os primeiros dias de vida”.
Este rastreio inicial pode fazer com que se previna, mais tarde, uma situação que tem grande impacto na qualidade de vida das pessoas, dependendo do nível de dificuldade em ouvir, mas também das suas caraterísticas individuais, mesmo “em termos familiares, sociais, profissionais e emocionais”, esclarece o especialista.
A perda auditiva pode ter vários níveis, desde perdas ligeiras (em que começa a haver dificuldades de comunicação em ambientes mais ruidosos) a perdas profundas (em que já não há capacidade de comunicação sem ajuda, uma vez que só se conseguem ouvir sons muito altos como uma bateria, um camião a passar, etc.). Algumas perdas auditivas são reversíveis (de forma total ou parcial após tratamento ou intervenção) e outras irreversíveis.
Diagnóstico atempado é essencial
Segundo João Ferrão, independentemente da faixa etária do doente, é fundamental que os cuidadores e familiares estejam atentos a todos os sinais relevantes. “Nas crianças, é importante estar atento a mudanças de comportamento, em especial se falar mais alto ou colocar a televisão mais alta”, explica o audiologista. “Em caso de dúvida, o ideal é consultar um médico otorrinolaringologista. Importa lembrar que nem todas as infeções têm dor associada, pelo que a atenção ao comportamento é fundamental”, acrescenta ainda.
Ferrão diz também que é essencial a realização de um rastreio auditivo antes da entrada para a escola, “tal como previsto na lei”, já que, além de outros problemas, a perda auditiva pode dificultar a aprendizagem.
E nos adultos?
“É fundamental a autoanálise”, garante João Ferrão, ou seja, conseguir identificar os sinais de alerta como alterações de sensação auditiva, zumbidos e dificuldades em ouvir ou compreender. “Os familiares têm um papel crucial para ajudar a detetar alterações de comportamento auditivo e relacional, especialmente a partir dos 65 anos, idade em que a probabilidade de ter perda auditiva aumenta significativamente. Aos 70 anos há uma probabilidade de cerca de 60% de ter algum tipo de perda auditiva, aos 85 anos a probabilidade é superior a 80%”, refere.
Este é o tipo mais comum de perda auditiva, em que o processo acontece por envelhecimento e se carateriza por uma diminuição lenta e silenciosa das capacidades auditivas, afetando em primeiro lugar os sons mais agudos, responsáveis por nos darem o detalhe das palavras. Apenas numa fase mais avançada os sons mais graves (responsáveis pela sonoridade das palavras) são “afetados”. “Isto faz com que a maioria das pessoas identifique como primeira queixa o ouvir mas não perceber”, diz João Ferrão.
É preciso, também, estar alerta em relação a determinados problemas que “não associamos à perda auditiva, ou nem nos apercebemos que estão a acontecer” e podem derivar precisamente do esforço auditivo, como o declínio cognitivo, o aumento do stress, o isolamento social ou mesmo a solidão e a depressão. De acordo com João Ferrão, esta é a situação mais “perigosa”, já que afeta outras funções e tem um risco de diagnóstico e tratamento tardios, o que pode comprometer a reabilitação auditiva.
“Os rastreios anuais e as consultas regulares no médico otorrinolaringologista são a melhor forma de assegurar um diagnóstico precoce e um melhor aconselhamento para saber viver com perda auditiva”, esclarece o especialista.
Mas também existem alguns cuidados diários, sendo adotados, podem ajudar a prevenir esta condição, e que passam “essencialmente” por “ter mais atenção à exposição prolongada a sons intensos”. Também é importante, afirma o especialista, “aceitar a sugestões dos dispositivos que têm controlo de intensidade e usar proteção auditiva em concertos e no trabalho de forma regular e de acordo com o aconselhado”.
“Estar atento a alterações no nosso comportamento auditivo, e também de quem nos rodeia para poder intervir precocemente, principalmente nas crianças e pessoas mais velhas, fazer uma boa higiene auditiva, evitando o uso de cotonetes que podem criar uma maior acumulação de cera e provocar lesões no canal auditivo e usar protetores de natação” sempre que for aconselhado são outras medidas fundamentais para se poder prevenir ou, pelo menos, adiar este problema, refere ainda o audiologista.