Já pouco se fala de Covid-19 e são, agora, poucos os locais em que a utilização de máscara é obrigatória. Isso significa que estamos salvos de outra pandemia? O investigador britânico Jeremy Farrar, diretor da fundação Wellcome Trust, que financia investigações sobre saúde, diz que a sua experiência em epidemias como as provocadas pelos surtos de Sars e Ébola, faz com que tenha uma posição mais defensiva.

“Eu ficaria menos otimista com o fim da pandemia. O mundo tem imunidade agora, em grande parte. Mas ainda pode haver surpresas nesta pandemia”, afirmou, numa entrevista ao Guardian, Farrar, que fará parte da equipa da Organização Mundial da Saúde este ano.
Neste momento, a sua principal preocupação é a China, que, segundo o especialista, “não oferece uma total transparência sobe os casos, as mortes e o impacto” que o vírus está a ter, agora que as medidas foram aliviadas. E como no resto do mundo as taxas de transmissão continuam a ser uma constante, Farrar reforça a ideia de que é importante ter novas vacinas.
“Não estamos numa posição boa o suficiente para ter certeza de que isto [a pandemia] não voltará até que possamos ter as vacinas que bloqueiam a transmissão. Não sei se é possível, mas acho que a ambição deve manter-se até o final desta década ou o mais rápido possível”, refere. “Acho que, se permitirmos que esta quantidade de vírus continue a circular, corremos constantemente o risco de haver uma nova variante”.
O especialista avisa também que “a pandemia de Covid-19 não impede que surja outro vírus”, referindo que o que pode vir depois pode não ser uma outra variante do coronavírus, mas sim uma gripe ou algo semelhante. Exemplo disso é o H5N1, ou gripe aviária, que circula entre os animais e que faz com que exista a necessidade de os isolar.
“A atual pandemia do vírus H5N1 é uma questão realmente preocupante”, alerta Farrar. Segundo o especialista, historicamente, das centenas de pessoas que foram infetadas pelo vírus, 30% morreram. “Acho que não vamos enfrentar esse cenário, mas se permitirmos que um vírus aviário, ao qual nenhum de nós tem imunidade, continue a circular nas aves e, cada vez mais venha para o setor de mamíferos e, portanto, começar a adaptar-se, há um risco aí. Não podemos quantificá-lo, mas não temos uma vacina H5N1 pronta amanhã.”
A iminência de uma nova pandemia não é a única preocupação de Jeremy Farrar. O investigador garante que os profissionais de saúde no mundo inteiro ainda não recuperaram de todo o esforço da pandemia. “Esta é uma questão global, que eu acho extremamente preocupante”, afirma. “A resiliência dos profissionais de saúde, amplamente definida como motoristas de ambulância, enfermeiras, médicos, profissionais de assistência social, etc., está destruída. Eles estão absolutamente destruídos”, afirma.
Profissionais cansados, desmotivados e exaustos, segundo Farrar, não são profissionais capazes de aguentar outra vaga. “A resiliência dos profissionais de saúde em todo o mundo é muito fraca neste momento, e as pessoas estão a deixar estas profissões”, declara. “Se tentarmos espremer as pessoas além da sua capacidade, elas não estarão lá quando precisarmos delas”, reforça, garantindo que é preciso investir nestas profissões e nos seus métodos de trabalho, para estarmos mais preparados caso ocorra “outro evento” nos próximos cinco a 10 anos.