A entrada no ano novo veio acompanhada de suspiros e de arrependimento: “Ai, acho que exagerei. Já não posso ver comida bem bebida à frente…”
Agora que se festejaram os Reis, acabaram as desculpas para não se aderir, ainda que com uma semana de atraso, ao Janeiro sem Álcool, uma iniciativa, Dry January, que começou em 2013, no Reino Unido, através da ONG Alcohol Change UK, e que tem eco um pouco por todo o mundo desde há uma década. Pode parecer pouco tempo de sobriedade, mas a verdade é que a suspensão do consumo, mesmo que por um curto espaço de tempo, traz benefícios inequívocos.
Os especialistas são unânimes em dizer que se melhora a qualidade do sono, a quantidade de energia e a generalidade do desempenho físico. Um estudo, publicado em 2018, na revista científica The British Medical Journal , mostrou que pessoas que abandonaram o álcool por um mês dormiram melhor, tiveram mais disposição e perderam peso, apesar de não terem feito mudanças nas suas dietas, hábitos tabágicos ou atividade física. Também foi referido uma redução na tensão arterial, nos níveis de colesterol e nos de resistência à insulina.
Outra investigação mais recente, publicada em 2021 na revista Health Psychology, interrogou pessoas que aderiram ao Janeiro sem Álcool e constatou que, além das alterações acima citadas, a maioria destacava a poupança de dinheiro e a melhor capacidade de concentração.
Por cá, é a segunda vez que se pensa numa campanha oficial para estimular a sobriedade no primeiro mês do ano. A iniciativa de 2023, sob o mote “31 Dias Sem Álcool”, está presente nas redes sociais da associação portuguesa para o estudo do fígado (APEF) e visa alertar para os danos relacionados com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas.
“Com este desafio pretendemos apelar às pessoas para que adotem um estilo de vida mais saudável durante todo o ano. O consumo de bebidas alcoólicas por parte dos jovens, sobretudo relacionado com a vida noturna e social, é preocupante e, por isso, deveria motivar uma intervenção por parte das autoridades reguladoras. É primordial que a população adulta pense também nos seus comportamentos a nível social e nas consequências que os mesmos trazem para a sua saúde”, afirma, em comunicado, José Presa, presidente da APEF.
O médico enumera ainda algumas das doenças da maior glândula do corpo humano que estão relacionadas com um consumo elevado de álcool: “Fígado gordo, hepatite alcoólica e cirrose hepática.”
Lembre-se também as consequências menos diretas, como maior risco de vir a ter cancro, um sistema imunitário enfraquecido, problemas de memória e transtornos de humor. Não esquecendo nunca os acidentes de viação, que se sabe serem mais comuns quando a condução se faz sob o efeito do álcool.
“Estas situações, quando não tratadas ou prevenidas, lesam gravemente a saúde e podem, até, levar à morte. É possível viver sem álcool, não invalidando que as pessoas se possam divertir, relaxar ou socializar”, garante o especialista.
Afinal, quanto podemos beber?
Segundo os dados do relatório de 2020 do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), o total de consumo de álcool per capita em Portugal situa-se nos 12,1 litros, quando a média na União Europeia é de 9,5 litros. Por cá, é bastante mais elevado entre os homens, que ingerem 19,5 litros por ano, enquanto as mulheres não vão além dos 5,6 litros.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, não existe uma ingestão segura de álcool. Ou seja, o ideal é mesmo ser zero. No entanto, o consumo moderado – definido como até duas doses para homens e uma dose para mulheres – não faz tanto mal à saúde [uma dose é equivalente a uma cerveja, um copo de vinho ou um shot de uma bebida branca]. O consumo abusivo, associado ao maior risco de doenças, está estipulado acima dos 60 gramas de álcool, o que equivale a quatro doses numa única ocasião, pelo menos uma vez por mês.
As metas ditas seguras são difíceis de cumprir, já que o consumo de álcool, além de ser um hábito absolutamente enraizado nos convívios, é tão antigo como a Humanidade – até os primatas comiam a fruta fermentada que caía das árvores. “A emergência do álcool em todas as civilizações, apesar de algumas religiões, como o Islão, a terem restringido ou proibido, parece ser uma consequência da revolução neolítica da produção massiva de matérias-primas (cevada, uvas e outros frutos) e do avanço das novas tecnologias de fermentação, em especial a dorna com separadores”, lê-se no site do SICAD. E só no século XX se começou a falar em restrição ao consumo, tendo em conta os seus malefícios para a saúde.
Para quem, aderindo ao desafio dos 31 dias (agora um pouco menos) de sobriedade, quiser continuar a frequentar ambientes em que reina o álcool, resta brindar com mocktails (coktails feitos sem álcool) ou optar pelas bebidas que mimetizam as tradicionais, sem recorrer ao etanol, numa postura mindful drinking. Cheers!
Como resistir à tentação?
- Faça uma lista das razões que o levaram a aderir à iniciativa e mantenha-a à vista durante o desafio
- Não tenha bebidas alcoólicas em casa
- Avise os seus amigos da sua intenção, trabalhando bem as justificações para não beber durante janeiro
- Afaste-se de pessoas que o pressionam ou incentivam a beber
- Arregimente um amigo ou familiar para entrar nisto consigo, pois vai ajudá-lo a ultrapassar as dificuldades
- Evite ocasiões em que o consumo de álcool possa ser muito tentador, como jantares ou saídas à noite
- Invista o dinheiro que gastaria em álcool em algo que realmente lhe dê prazer
- Esteja preparado para lidar com algum deslize – isso não tem de significar o fim do mês de sobriedade
- Aponte o que sente de novo – e de bom – com esta experiência
- Preencha o seu tempo livre com atividades que sejam incompatíveis com o consumo de álcool, como caminhar ou outro tipo de exercício físico
- Aproveite para adotar mais hábitos saudáveis, como fazer uma alimentação equilibrada, dormir bem, fazer exercício e beber muita água