O aumento de peso com o avançar da idade foi, ao longo de décadas, associado ao metabolismo, mais concretamente à sua desaceleração com o passar dos anos e à consequente perda de potencial de queima de calorias. Esta teoria passou de geração em geração, mas sabe-se agora que, afinal, o metabolismo apenas desacelera a partir dos 60 anos e após uma estabilidade de quatro décadas.
A conclusão é de um estudo recente do Pennington Biomedical Research Center, que analisou mais de 6000 pessoas com idades entre os oito dias e os 95 anos e oriundas de 29 países diferentes. Ao todo, e pela primeira vez, foram traçadas quatro fases da vida metabólica.
Quanto ao ganho de peso, que até agora foi associado à desaceleração do metabolismo, o nutricionista João Rodrigues, também docente na Universidade do Porto, no Instituto Politécnico do Porto e no Instituto Politécnico de Viana do Castelo e autor do site Mundo da Nutrição, revela que mais do que apontar o dedo ao metabolismo, há que analisar a relação entre as calorias que ingerimos e as calorias que gastamos, sem esquecer, claro, o ambiente e o estilo de vida que levamos.
“Nós emagrecemos se, de uma maneira geral, gastamos mais calorias do que aquelas que consumimos e engordamos se consumimos mais calorias do que aquelas que gastamos, o excedente fica transformado em reservas”, diz, explicando que “temos aqui dois pratos da balança: por um lado temos o que comemos, por outro lado temos o que gastamos e o que este estudo veio demonstrar é que, dos 20 aos 60 anos, este prato da balança do que gastamos no dia-a-dia não se altera significativamente”. Porém, o especialista deixa uma ressalva: “Obviamente que não estou a incluir cenários de uma pessoa que é sedentária e passa a fazer exercício físico. Estamos a falar das consequências da idade para o metabolismo e, portanto, aparentemente o que tem de facto um real impacto, até aos 60 anos, é o que consumimos em função do que precisamos na realidade”.
À VISÃO, Conceição Calhau, investigadora do CINTESIS e professora da NOVA Medical School, Universidade NOVA de Lisboa, defende que este estudo é uma boa notícia, mas tudo depende da forma como a pessoa a for interpretar, pois “se a pessoa souber preservar os seus genes, é má se pensar: ‘bom, geneticamente sou o máximo, por isso não vou fazer exercício, vou comer super mal, não ter um estilo de vida adequado’. Obviamente sabemos o efeito do ambiente sob os genes. Se as pessoas interpretam isto como ‘independentemente do que faço tenho sempre a minha taxa metabólica preservada dos 20 aos 60, só me vou preocupar aos 59’, então é a interpretação menos boa desta notícia”.
Mas este estudo quer dizer que o metabolismo funciona à mesma velocidade em todas as pessoas? Não. A variabilidade pessoal não pode ser ignorada, pois “há pessoas que podem ter uma oscilação significativa de 10 a 25% em função de outras”, explica o nutricionista João Rodrigues, que adianta que “o importante é perceber quais são as características da pessoa e não nos refugiarmos nessa ideia do ‘eu estou a envelhecer, estou a ficar com o metabolismo mais lento e é por isso que estou a engordar’, há outras variáveis que podem justificar o engordar ou não engordar, mas o metabolismo não é uma delas”, até porque, “se o metabolismo em si fisiologicamente não desacelera, então eventualmente são as pessoas que, por N motivos diferentes, vão tendo uma vida mais sedentária e ao mesmo tempo muitas vezes isso coincide com piores hábitos alimentares”.
As quatro fases da vida metabólica
Publicada na revista Science, a investigação dá conta que, ao contrário do que se pensava (pelo menos, na sabedoria popular), é do nascimento até ao primeiro ano de vida que o metabolismo atinge o ponto mais alto: os bebés queimam calorias 50% mais rápido para o tamanho do seu corpo do que os adultos, ou seja, o gasto energético é maior. Esta é a primeira fase descrita pelo estudo.
Do primeiro ao vigésimo ano de vida, a segunda fase descrita no estudo, o metabolismo sofre apenas uma ligeira desaceleração (3% por ano), não havendo alterações na puberdade. O metabolismo acaba por estabilizar dos 20 aos 60 anos, tida como terceira fase da vida metabólica – e sem alterações em caso de gravidez. A quarta fase diz respeito aos declínios anuais que acontecem a partir dos 60 anos, sendo que aos 90 anos a pessoa “precisa de 26% menos calorias por dia do que alguém na meia-idade”, lê-se na publicação que o Pennington Biomedical Research Center fez no seu site .
A estabilidade do metabolismo (que é o conjunto de todos os processos que ocorrem no nosso corpo) ao longo de quatro décadas – e sem grandes diferenças entre homens e mulheres – é uma das grandes novidades da investigação. Para o nutricionista João Rodrigues, “o estudo veio revolucionar um bocadinho esta perspetiva e veio surpreender muita gente”, pois,“o facto de termos um metabolismo mais ou menos estável permite-nos otimizar os processos e os mecanismos associados ao dia-a-dia. É possível para nós conseguirmos manter o nosso metabolismo sem irmos perdendo demasiadas capacidades, pelo menos durante uma boa parte da nossa vida, estamos a falar na altura de maior produtividade”.
A questão da massa muscular
O facto de o metabolismo desacelerar a partir dos 60 anos pode dever-se, em parte, à perda de massa muscular que ocorre com o envelhecimento. Para Conceição Calhau, haver “uma explicação com base na quantidade de músculo que temos” é um dos aspetos de maior “interesse científico” no estudo. “O que o artigo diz é que depois dos 60 – e não tem nada a ver com a questão hormonal da menopausa [no caso das mulheres] – temos de facto aqui uma menor quantidade de massa muscular e, portanto, o metabolismo baixa, a rentabilidade é maior porque preciso de menos”.
A investigadora destaca ainda o facto de as células ficarem “mais cansadas”, ou seja, desacelerarem a partir dos 60 anos. “As células têm um funcionamento diferente, uma velocidade de funcionar diferente. Ou seja, as reações químicas que acontecem em cada unidade celular do nosso organismo são diferentes, são menos”, explica, frisando que “aqui está a verdadeira questão: o que tenho de fazer de comportamento, de estilo de vida, que vá preservar ao máximo as células, de maneira a que depois não fiquem num declínio tão abrupto”.
A prática de exercício físico e adoção de um estilo de vida ativo e saudável fazem parte das estratégias a ter em conta em qualquer fase da vida. “A massa muscular pode ser trabalhada, sabe-se que há uma diminuição se não se praticar exercício físico, independentemente da idade. A massa muscular é o que vai gastar mais energia, aumenta a taxa metabólica, ou seja, o que sabemos é que se tiver uma vida ativa, se todos os dias fizer por manter massa muscular com exercício e uma alimentação adequada, consegue-se potenciar o não baixar a taxa metabólica mesmo antes dos 60, porque estou a preservar um órgão que é aquele que mais gasta, é quase como a linha de montagem mais eficiente e mais produtiva que temos. Isto é algo que se pode, por ação e por estilo de vida, potenciar”.
Este estudo vem mostrar que o metabolismo é mais do que uma questão de energia, pode, na verdade, dar informações sobre células e sobre o funcionamento do corpo humanos, dados que poderão ter impacto em investigações futuras na área da nutrição e saúde.