A reunião é às sete e meia em ponto da manhã. Todos os dias, mesmo que nem toda a equipa esteja bem acordada, os 29 aquaristas e biólogos (com T-shirt encarnada) e os 15 técnicos ou engenheiros (com T-shirt cinzenta) apresentam-se no último piso do oceanário, a olhar para o mar da Palha e a trocar informações sobre a qualidade da água, nos diferentes habitats, a morte, doença ou reprodução de uma espécie ou a transferência de plantas ou animais de (ou para) outro aquário público.
É ali, àquela hora, que (durante 10 a 15 minutos) organizam o dia, trocam ideias e ensaiam projetos. Raul e Irene chegam em cima da hora, já bem acordados, depois de ter deixado a filha numa escola ali ao lado (que abre mais cedo para acolher os filhos destes trabalhadores-madrugadores).
Já Tiago Martins, sem filhos, prefere aparecer meia hora mais cedo e tomar o pequeno-almoço a olhar para aquela extensão de água que liga as duas margens do Tejo. Precisa de um tempinho para acordar, antes de começar. Porque sabe que, depois da reunião, o ritmo é alucinante.
Entre as 7 e 45 e a abertura das portas, às 10, há que passar os aquários a pente-fino e prepará-los para receber visitas. Com uma licenciatura em Biologia e um mestrado em Ecologia Marinha, Raul Gouveia é, aos 37 anos, o responsável pela galeria do Índico.
Nestas (quase) três horas, tem de limpar os acrílicos ou o fundo do aquário (dependendo da necessidade), meter-se (com visível dificuldade) nos aquários para lavar pedras e corais, verificar os sistemas (escondidos nos bastidores) e tirar água para análises. “Sou a mulher-a-dias dos peixes”, diz, com ar de gozo. Mas como veremos, Raul (como os restantes biólogos) também é jardineiro, sushiman e guia de jornalistas.
Nos outros habitats (Atlântico Norte, Antártico, Pacífico Temperado), também está a pôr-se tudo num brinco. A equipa de limpeza funciona em pleno. No aquário central, os mergulhadores começam a sair da água. Nos corredores, como no mundo “lá fora”, as luzes vão-se acendendo, enquanto as das medusas e a dos peixeslanterna (luminescentes) mergulham na escuridão. As visitas estão a chegar.
VÊM AÍ VISITAS
Com a entrada dos visitantes, Raul consegue fazer uma pausa. Afinal, já a manhã vai longa e o seu corpo (tal como o dos colegas biólogos) também precisa de algum tratamento. Volta a subir ao último andar, ao contacto com os humanos. A pausa é breve. Bebe um café, come qualquer coisa… para logo se meter na “cozinha”.
Se a manta come 3,5 kg de camarinha todos os dias e as garoupas, barracudas e xaréus 30 kg de peixes, crustáceos e moluscos três vezes por semana – os tubarões, ao contrário do que se possa pensar, comem pouco: 7,5kg de peixe, duas vezes por semana, é suficiente para os manter alimentados -, os peixes do Índico não comem mais que um bocadinho de peixe. E convém que esteja bem cortado. Se um dia lhe faltar trabalho, brinca Raul, tem futuro assegurado como sushiman.
A cozinha é a zona mais animada do Oceanário. Com música a bombar, é lá que se vão cruzando todos os aquaristas. Alberto Fernandes será, certamente, o mais assíduo já que, entre as 8 e as 18 e 30, as “suas” lontras comem de duas em duas horas. Para elas, Alberto prepara iguarias que poriam muitos humanos a salivar: faz-lhes maruca, lula, amêijoa, salmão ou até… camarões-tigre. Alguns destes são, aliás, injetados com vitaminas, para que as lontras não deem por elas. Aos outros animais, menos “finos”, podem dar-se as vitaminas (ou remédios) em cápsulas. Mas às lontras não.
Segue-se a limpeza dos filtros dos tanques e a recolha dos resultados das análises, entrega no laboratório (um piso acima) e a arrumação de muito material. Só depois pode o guerreiro descansar.
“O aquarista já almoçava.” Raul, que não é pequeno, regressa ao refúgio do último piso. A sala enche-se, mas a vista dá para todos. Durante uma hora, alimenta o corpo e entristece a alma com as últimas sobre as medidas de austeridade, que passam na TV e se discutem à mesa.
OS NÚMEROS DO OCEANÁRIO:
- Mais de 8 000 animais e plantas
- Cerca de 500 espécies diferentes
- 550 kg de comida/semana
- 7, 5 milhões de litros de água salgada, divididos por mais de 30 aquários
- 5 milhões de litros de água só no aquário central
- 360 000 litros de água salgada produzida/mês, utilizando 20 toneladas de sal
- Mais de 200 análises à qualidade da água/dia
- Capacidade para receber 1 500 visitantes/hora
- 3 000 visitantes/dia (média)
- 1 000 000 visitantes/ano (média);
- 70% são turistas
- Mais de 17 milhões pessoas visitaram o Oceanário desde a inauguração, em 1998
- 29 biólogos e aquaristas responsáveis pelos animais e plantas
- 15 técnicos e engenheiros responsáveis pelos equipamentos e sistemas
- Até 100 prestadores de serviços (depende das épocas), entre monitores, limpeza, segurança ou assistentes, indispensáveis para a operação diária do oceanário
À tarde, muitas tarefas se repetem. Às vezes, é preciso voltar a mergulhar, mesmo à frente dos visitantes. Quando isso acontece, é uma festa, sobretudo para os mais novos. Também é necessário voltar a analisar a água e, se necessário, corrigir valores. E continuar as limpezas, que a casa é grande, confusa (os bastidores das galerias são labirintos cheios de tubos e válvulas, num sobe e desce interminável) e não se limpa sozinha.
Há dias em que é preciso passar umas boas horas na Quarentena, um andar inteiro onde se curam e se reproduzem animais e plantas.
Raul é o “dono” dos corais, aquela espécie que se apresenta como um “oásis no deserto”, que “são animais e plantas ao mesmo tempo”, diz. Explicando melhor: os corais são animais, calcários, que vivem em simbiose com uma alga, que os ocupa e, entre outras coisas, lhe dá cor.
Raul é daltónico, por isso não é uma fonte fiável a falar de coloridos. Mas poderia passar horas a conversar sobre corais: a explicar a diferença entre os moles e os duros, que têm pigmentos fluorescentes que os protegem da radiação solar, que se reproduzem através dos gâmetas expelidos uma vez por ano nas águas quentes, mas também partindo um bocadinho e colando-o noutro lado.
Não pode dizer-se que Raul faça “plantação” de corais, mas tem uma zona de produção que lhe permite fazer a reposição no aquário e ainda servir de moeda de troca quando se precisa de outras espécies, de outros aquários (no início do mês, enviou 15 corais para Espanha, com uma tartaruga e uma raia e, em troca – entre aquários públicos só se fazem troca – , o tanque central recebeu um cardume de pombetas).
O horário normal de um aquarista é das 7 e meia às 16 e 30 (ou 17 horas, para ser mais justo). Mas há dias em que Raul entra às 12 horas para sair às 21. Há sempre um biólogo no turno noturno, para garantir que fica tudo em condições para enfrentar a noite. Depois das 21 horas, as operações passam para as mãos dos funcionários de T-shirt cinzenta.
OS TUBARÕES TAMBÉM DORMEM?
Os visitantes foram deixando o oceanário. As lontras tomaram a sua última refeição do dia. A limpeza está feita. As luzes vão-se apagando. Em dia de festa, há quem chegue fora de horas para dormir com os tubarões. Os programas para crianças têm sido um êxito. A visita é guiada e exclusiva. E ainda há jogos e filmes, pode tocar-se nos dentes e nos ovos de tubarões. Que forma terão? Dão-se passos (de anão ou de gigante?) para medir o seu comprimento.
Dormir – no chão, em frente do aquário central (onde estão as sete espécies de tubarões do oceanário) – é o mais difícil. Os peixes sentem a presença humana e não param de rondar a janela. E se há uns que de noite ficam mais calmos (como o tubarão-zebra, por exemplo), outros tubarões não param. Podem descansar, mas não dormem. Estão sempre alerta.
Na manhã seguinte, a alvorada coincide com a entrada da luz do sol no aquário central. E então já se vê como as cinco fileiras de dentes os impedem de fechar a boca. E já é possível ver com atenção a viola de bolas, que é um misto entre tubarão e raia. Só nessa altura, também, é que começa a aparecer o tubarãozebra, num movimento rápido, elegante. Com sorte, apanha-se o dia (e a hora) de alimentar os tubarões. Se não for, há outros animais à espera da comida. E outras zonas dos bastidores a visitar.
Passou-se a noite. O alarme pode ter tocado, no piso térreo (conhecido por Plazza), onde um computador controla tudo o que se passa no oceanário e alerta o piquete, em caso de necessidade. O aviso surge por causa das coisas mais simples, como um peixe comer outro, alterarem-se os níveis químicos da água, ou a pressão atmosférica estar diferente do habitual e interferir com o equilíbrio interno. Mas isso são pormenores técnicos. O dia recomeça. A rotina também.
Às sete e meia, há a reunião, no último piso, com vista sobre o mar da Palha…
ATIVIDADES PARA TODOS
CONCERTOS PARA BEBÉS Música com o aquário central como pano de fundo, em concertos dirigidos a menores de 3 anos. Sáb 9h-9h45 (antes da abertura da exposição). menores de 3 anos. €25 (bebé+2 adultos; dá acesso à exposição permanente do oceanário)
C.S.I., CIÊNCIA SOB INVESTIGAÇÃO Investigadores de palmo e meio (8-14 anos) terão de resolver o mistério que ensombra o oceanário, enquanto descobrem os segredos dos oceanos. Sab-dom e fer 10h-17h €40 (inclui entrada na exposição permanente do oceanário, atividades, materiais, almoço, lanche e seguro)
DORMINDO COM OS TUBARÕES Programa com visita à parte pública e aos bastidores do oceanário, atividades educativas e jogos em que o maior desafio é mesmo… conseguir dormir. Seg-dom 20h-10h menores de 4 anos €50-€65
FÉRIAS DEBAIXO DE ÁGUA É a descoberta dos aquários e dos bastidores, observando como se gere um grande oceanário. O programa, organizado em 10 dias temáticos diferentes, inclui atividades no exterior. 17 jun-13 set, dias úteis 8h30-18h30 (horário adaptado aos horários dos pais); 4-12 anos (divididos em três grupos etários). €40/dia; €150/4 dias consecutivos; €180/5 dias consecutivos (inclui entradas, atividades, materiais, almoço, lanche, seguro e uma lembrança)
FADO NO OCEANÁRIO Para grupos e apenas por marcação. €60/ participante
SENIORES O consumo de peixe faz bem à saúde, mas sabe que ingredientes nos dá? Quais são melhores para o colesterol? Mediante reserva. Dirigido a maiores de 65 anos. €6/ participante
VAIVÉM OCEANÁRIO Trata-se de uma carrinha que percorre o País a mostrar o que se faz no Oceanário e a oferecer experiências sobre a conservação da natureza. GRÁTIS
CONTACTOS Oceanário de Lisboa S.A. Esplanada D. Carlos I, Lisboa info@oceanario.pt T.: 218 917 002, 03 ou 06 www.oceanario.pt