Que bom… o calor, o sol, a praia, as montanhas, a saída da rotina, a família, os amigos, os livros, a chuva de estrelas… o Verão!!! É geralmente uma época do ano onde ganhamos vitalidade, temos mais energia, a alegria está mais presente, e há uma sensação de estarmos mais no nosso corpo e menos na nossa mente. Talvez até escutemos a voz do coração, do nosso, dos que nos são mais próximos e talvez até de estranhos que cruzam o seu caminho com o nosso. Para muitos são as férias há muito planeadas, marcadas, pagas, junto da família ou amigos, no mesmo local habitual ou sempre num sítio diferente. Para outros poderá ser uma viagem no desconhecido, sabendo o dia em que partem e talvez alguns sem data de regresso.
Escutamos muitas vezes que as férias são a janela temporal, e por vezes espacial, necessária para aguentarmos mais uns meses da rotina de trabalho dos adultos e da escola das crianças. Porque é que isso acontece? Porque temos uma forma de viver que pode ser desgastante e necessita de uma recarga periodicamente? Porque o nosso trabalho, a dinâmica das escola das crianças, e as outras atividades, no seu conjunto, não são restaurativas por desenho (design/default)? Está a nossa essência alinhada com o propósito do trabalho que temos? Sentimos que estamos, ao longo do ano, a criar lugares e relações mais saudáveis?
Se por um lado vivemos a maioria do tempo num local, casa, apartamento ou quinta, geralmente nas férias viajamos para outro local. Muitas vezes, nesse local estamos atentos ao bairro, os jardins ou proximidade da praia, os espaços de convívio ou ausência deles, as lojas e restaurantes locais, entre outros. Muitas vezes damos valor ao que temos no lugar onde habitamos, outras vezes gostaríamos de ter alguns destes elementos no lugar em que vivemos no dia-a-dia. E como vemos a nossa contribuição para o que cada lugar é? Refletimos porque habitamos em determinado lugar ou porque vamos de férias para outro(s)? Dedicamos tempo para refletir sobre o que este lugar é e em que se tem tornado nos últimos anos/décadas? E que contributo consciente/inconsciente e dedicado temos feito? Como pago, posso extrair o valor que necessito para me sentir bem, ou deixo o lugar melhor do que quando cheguei? Penso se para onde vou mudo o meu comportamento para se adaptar e nutrir o ecossistema socio-ecologico local, respeitando a cultura e as comunidades humanas e não humanas locais?
Cada vez mais estamos conscientes de que as nossas atitudes e escolhas têm impacto na realidade presente assim como no futuro que cocriamos para as gerações futuras. Que exemplos estamos a viver com os nossos parceiros e filhos, e o que lhes estamos a ensinar, mesmo que inconscientemente? E com tantas perguntas, o que precisamos de ser e fazer para podermos tomar decisões conscientes, além do que é confortável ou que sabe bem?
Perguntas que nos fazem ter consciência de como interagimos com a população local e o território, assim como perguntas que nos fazer ver de outro ângulo, ou que por vezes temos até dificuldade em entender, podem ser perguntas que criam espaço suficiente nas nossas mentes para questionarmos até como pensamos sobre as coisas e como fazemos perguntas.
Por exemplo, fazer umas férias numa região instalando-se numa cadeia de hóteis que é barata devido ao tipo de infraestruturas que utilizou para construir os edifícios e estruturas auxiliares, uso de alimentos da agricultura convencional (que favorece o uso de pesticidas, anti-bióticos, hormonas de crescimento, e muitas vezes vinda de países localizados noutros continentes), usa produtos agressivos para o ambiente (ex: lixívia), pagando salários mínimos à generalidade dos empregados (muitas vezes com percentagens elevadas de imigrantes), com grande parte do lucro a emigrar para stakeholders ou fundos internacionais é algo que cria localmente um tipo de sociedade que nos transporta para um tipo de sociedade e mundo que talvez poucos de nós gostaria de viver no futuro. Este hotel e clientes funcionam num nível de paradigma mecanicista onde tudo deve ser eficiente, com o custo mais barato e elevados lucros (para criar projetos similares noutros locais do mundo).
Seria diferente, por exemplo, uma família escolher um projeto de alojamento sustentável, como a Biovilla (em Palmela, Setúbal), que promove materiais de construção naturais e locais ou totalmente reciclados, que promove muitas atividades de desenvolvimento pessoal, organizacional assim como apoia desempregados locais a se capacitarem em profissões que promovem a sustentabilidade assim como a regeneração de sistemas agroflorestais. As comidas e bebidas servidas na Biovilla são geralmente vegan (apenas com alimentos vegetais), orgânicos e locais, permitindo estreitar relações com os restantes projetos e stakeholders locais. A cooperativa Biovilla já foi distinguida por diferentes entidades nacionais e regionais face a promover turismo sustentável, ODS12 – produção e consumo sustentável, entre outras distinções. A Biovilla é também um local onde escolas, empresas, organizações, jovens e adultos no âmbito de projetos Europeus, aprendem e vivenciam novas formas de pensar, ser e fazer um negócio que quer caminhar regenerativamente. Recentemente, a Biovilla iniciou um processo de capacitação de toda a sua equipa em pensamento de sistemas vivos, e tal tem levado a melhor refletir quem é a Biolvilla no sistema de Palmela. Qual o seu papel? Como melhor pode criar vitalidade, viabilidade e capacidade de evolução de Palmela de tal forma que passe a beneficiar dos frutos desta iniciativa, pois tudo o que é vivo e nutrido dá frutos e multiplica-se.
É de referir que a forma como o planeamento municipal e intermunicipal está a ser realizado está a deixar com que projetos turísticos e outros grandes empreendedorismos (geralmente para estrangeiros com elevada capacidade financeira) tornam-se projetos de interesse nacional, passando por cima dos estudos de impacto ambiental, que limitaria significativamente os projetos ou os levaria a compensar fortemente os ecossistemas destruídos ou significativamente alterados. Recentemente, a plataforma Tirem as Mão do Litoral Alentejano, tem alertado para as consequências nefastas para a ecologia local (como o corte de sobreiros por forma a implementar centrais fotovoltaicas), assim como consequências socias e económicas para as populações que habitam esta região.
Como seria possível conciliar projetos turísticos que restaurassem os ecossistemas regionais (cortando árvores protegidas por lei e com importante função socio-ecológica e económica, como o sobreiro), que promova solos mais saudáveis e uma reflorestação significante, no Alentejo e Algarve, permitindo reverter os cenários climáticos para esta região. Perguntas como: “quem é este lugar?”, “o que este lugar tem sido nas últimas dezenas, centenas ou milhares de anos?”, “que projetos naturalmente florescem aqui e são nutridos pela cultura e ecossistema local?” “este projeto está alinhado com as necessidades e potencial desta região?”, “este projeto nutre e é nutrido pelas valências e competências locais e regionais?”
Com estas perguntas, queremos que os leitores consigam ultrapassar qualquer resistência a alguma pergunta e possam levar estas questões para os seus parceiros ou parceiras, família e amigos aquando o planeamento das suas férias. Tal como o turismo é uma das indústrias que mais tem impacto negativo na sustentabilidade dos socio-ecossistemas e economia local, podem ser sim regenerativos, se desenhados com uma âncora no pensamento de sistemas vivos, cuja forma de pensar, ser e agir, tende a criar condições conducentes a mais vida.
Quando alinhamos as essências individuais, com o propósito regenerativo do projeto e a vocação do território em que o projeto se enquadra faz parte de, então iniciaremos uma caminhada para criar regiões que se comportam como sistemas vivos … onde todos ganham!