Como podemos continuar a basear as economias no crescimento infinito se os recursos do planeta são finitos? Parte importante da solução para este paradoxo, que tem sido levantado nas discussões sobre sustentabilidade, está na economia circular, sugere Ricardo Morgado, um dos três fundadores da The Loop Co., empresa que começou por se especializar em dar uma segunda vida a livros escolares usados e que entretanto alargou o conceito à puericultura.
“Na nossa noção de crescimento, achamos que a única solução é o crescimento infinito, mas, com os recursos a esgotarem-se, isso significaria que não poderíamos crescer mais. Ora, a economia circular vem quebrar esse paradigma: com os mesmos recursos, conseguimos transformar os produtos no seu fim de vida de forma a serem novamente utilizados. Isso pode ser em várias camadas, como por exemplo através da reciclagem, ou camadas de mais early stage, de reparação e reutilização, permitindo o seu uso durante mais tempo e gerando aí também alguma economia, o que permite contribuir para esse crescimento económico.” Um crescimento que é também imprescindível para a sustentabilidade. “É difícil termos boas práticas ambientais sem termos crescimento económico.”
Na Conversa Verde desta semana, o empresário alertou que um dos entraves à economia circular é a reduzida literacia ambiental do País, sublinhando as (ainda) baixas taxas de reciclagem, mais de 20 anos depois dos anúncios televisivos que incentivavam à reciclagem, com o macaco Gervásio a mostrar quão fácil é colocar as embalagens no sítio certo. “Estamos com uma taxa de reciclagem efetiva a rondar os 20%, quando em 2030 temos de estar nos 50 por cento. Como é que se muda em nove anos o que não se mudou neste tempo?”
Mudança individual não chega
Apesar das vantagens económicas de se optar por produtos em segunda mão – o core business da Loop –, um estudo realizado em vários países europeus “demonstrou que são as pessoas com mais rendimentos que optavam por estas soluções”, refere Ricardo Morgado. Por outro lado, “se queremos comprar roupa mais duradoura, com materiais reciclados, por exemplo, o preço vai ser superior”, lembra, o que também torna mais difícil às pessoas com menores rendimentos escolherem produtos mais sustentáveis.
É por isso que apelar à mudança individual não é suficiente. “Tem de se aumentar as taxas de carbono, dar incentivos às empresas para mudarem os seus processos de produção, para passarem para energias renováveis… O legislador tem de exigir isso.” Uma t-shirt de 3 euros não paga o custo ambiental da sua produção, avisa.
Apesar de tudo, o empresário é otimista. “A minha geração, a dos millennials, está mais sensível às questões da sustentabilidade, mas continua escrava do consumismo. Tenho esperança que os mais novos, que estão hoje no secundário ou na universidade, sejam mais exigentes e percebam mais a emergência que está à vista. É importante comprar coisas melhores, que durem mais, e consumir menos um certo tipo de produtos.”
Revolução em curso
A Loop começou, em 2016, com os manuais escolares em segunda mão, a Book in Loop. Entretanto, o Estado acabou por lhe reduzir muito o negócio, ao passar a oferecer e repartilhar os manuais. “Os fundadores da empresa estavam no secundário quando tiveram a ideia de juntar quem já não precisa dos livros e quem precisa de livros mais baratos. Permitia poupanças de 80%. Mas a partir do momento em que o Estado oferece os livros…”
A empresa teve de se reinventar. Não abandonando a vertente dos manuais (a Book in Loop, hoje, está sobretudo apontada às universidades e aos colégios privados), aventurou-se na puericultura, com a Baby Loop. “É um mercado em que os produtos são extremamente caros e muitas vezes ficam arrumados ad aeternum e depois acabam por ir para o lixo, quando a maior parte destes produtos estão em perfeitas condições”, justifica.
Este modelo, de mediação de negócio, “para garantir a segurança na transação e a qualidade do produto”, é a segunda fase do mercado em segunda mão, depois do peer to peer, onde não há intermediários. O futuro passa agora por uma terceira fase. “Começamos a ver as grandes marcas à procura destes canais. É aqui que estamos neste momento. Desenvolvemos o que chamamos de Loop OS: um sistema operativo de economia circular, que é um conjunto de ferramentas tecnológicas e de logística que permite, por exemplo, a uma marca de bicicletas criar um canal circular. O cliente compra a bicicleta nova e volta a entregá-la no mesmo local; o software gere todo o ciclo de vida do produto, calcula o preço justo para quem entrega e para quem vende; do lado logístico, reparamos, limpamos, fotografamos e embalamos o produto, em dois centros logísticos. Criamos processos para que os produtos saiam de lá com mais valor do que entraram.”
As pessoas habituarem-se a entregar os produtos usados onde os compraram é, diz Ricardo Morgado, a revolução em curso no mercado da economia circular. “Roupa, material eletrónico, de desporto e de puericultura, livros… Potenciar canais circulares para esses produtos é a mudança que pode ter um impacto muito grande nos próximos anos. Irmos a um sítio comprar um produto novo e esse sítio dizer-nos: ‘Quando não precisar, pode vir aqui entregar o produto e recuperar parte do investimento, em voucher ou cartão, para poder voltar a usar na loja.’”
Para ouvir em Podcast: