A contestação não se fez esperar quando Miguel Anxo Fernández Lores, alcaide de Pontevedra, decidiu iniciar uma política de combate à circulação automóvel no interior da pequena cidade galega. Resistiu às fortes críticas de moradores e comerciantes locais e levou a sua ideia avante, retirando os carros das ruas daquela localidade. Uma medida muito semelhante à que agora está a ser implementada em várias cidades europeias, incluindo Lisboa, que, a partir de 1 de junho, irá limitar a circulação de automóveis na zona da Baixa.
Por cá, também já começaram as contestações a estas medidas, inclusive dentro da própria autarquia. O vereador do PSD João Pedro Costa diz que a proposta não é justa porque “serve apenas uma minoria” e questiona como esta medida afetará os idosos, as mães com dois filhos e sacos de compras e, até, o cidadão sem dinheiro para comprar um carro elétrico. Algumas associações de inquilinos e comerciantes começam a questionar se esta aposta irá afastar os lisboetas do centro.
Uma polémica que não difere muito do que se passou em Pontevedra, a única diferença é que aquela cidade galega tomou esta iniciativa há precisamente 20 anos, quando a maioria das cidades ainda privilegiava o uso dos automóveis. Hoje, os protestos iniciais transformaram-se em petições para que a autarquia amplie as restrições ao uso de carro aos 25% da cidade onde a circulação ainda é permitida.
Anteriormente, eram cerca de 80 mil os veículos que percorriam diariamente as ruas de Pontevedra. Hoje não chegam aos sete mil. Atualmente, moram mais 12 mil pessoas no centro da cidade e a população entre os 0 e os 14 anos cresceu 8%, registando Pontevedra uma das taxas de natalidade mais elevadas de Espanha, devido a uma crescente procura por este tipo de cidade para viver.
A autarquia calcula que as emissões de CO2 foram reduzidas em 67% e vários gases tóxicos, como dióxido de nitrogénio, dióxido de enxofre e ozono troposférico, têm estado sempre abaixo dos parâmetros definidos pela Organização Mundial da Saúde. E os efeitos não se ficam pela componente ambiental: desde 2011 que a cidade não regista uma morte por acidente envolvendo automóveis. E por cá?
Da Baixa ao Chiado
Lisboa vai começar este ano, a partir de 1 de junho, a limitar o uso de automóveis nas zonas da Baixa, da Avenida da Liberdade e do Chiado, ficando apenas permitido o acesso, entre as 6h30 e as 24h, aos moradores, cidadãos com mobilidade reduzida, serviços municipais e de urgência, transportes públicos e cargas e descargas.
Os veículos de transporte partilhado, como os da Uber e da Bolt, poderão aceder a estas zonas mas apenas os equipados com motor elétrico. Uma medida que, segundo o presidente da câmara, Fernando Medina, poderá retirar 40 mil carros do centro da cidade e reduzir as emissões de dióxido de carbono em 60 mil toneladas por ano.
A União Europeia estima que morrem prematuramente cerca de 400 mil pessoas por ano devido à poluição atmosférica
Ao todo, a Baixa irá perder cerca de 250 lugares de estacionamento à superfície. A rede de transportes públicos será reforçada e será ainda criada uma carreira exclusiva que circulará entre a rotunda do Marquês de Pombal e a Praça do Comércio apenas com autocarros elétricos. Apesar de não ser proibida a circulação na Avenida da Liberdade, esta zona ficará apenas com uma faixa para cada um dos lados a partir da Rua das Pretas até aos Restauradores, sendo a zona central da Avenida destinada a passeio público. O plano para restringir a circulação dentro da capital começou em 2002, quando foi criada a primeira zona de aceso condicionado no Bairro Alto, seguindo-se posteriormente Alfama, Bica e Castelo.
O tráfego automóvel é a principal fonte de poluição atmosférica das grandes cidades. A União Europeia estima que morrem prematuramente cerca de 400 mil pessoas por ano, devido à poluição do ar. Em outubro do ano passado, no encontro de Copenhaga, autarcas de 94 cidades de todo o mundo, entre as quais Lisboa, assumiram o compromisso de tomar medidas para reduzir as emissões poluentes até 2030.
Devolver a rua às pessoas
As medidas são diferentes, mas todas têm um objetivo em comum: retirar os automóveis do centro
Londres
Taxa de congestionamento
Para reduzir a circulação automóvel, foram aplicadas as taxas de congestionamento e, depois, as taxas de emissões reduzidas. Agora, no centro, foi criada a zona de emissões ultrarreduzidas, só acessível a carros elétricos. Os moradores terão um período de carência de três anos para mudar de carro
Oslo
Tarifas para poluidores
Em 1990, foram criadas portagens para os carros que entravam na cidade. O preço era dinâmico e penalizava os mais poluidores. Agora, está a acabar a circulação no centro e os lugares de estacionamento foram transformados em zonas de lazer
Paris
A delimitação Periphérique
As restrições começaram em 2015 bloqueando o acesso aos pesados dentro da circular Periphérique. Esta circunvalação tornou-se agora o ponto de referência e, em 2030, ninguém poderá entrar no centro com carros movidos a gasolina ou a gasóleo
Hamburgo
A Rede Verde
Está a ser criado um projeto denominado Rede Verde que permitirá ligar, através de ciclovias ou passeios, todos os espaços verdes da cidade entre si, bem como às zonas de estacionamento
Milão
Retribuir em transporte
É uma das ideias mais inovadoras para retirar os carros da cidade: os condutores que não trouxerem o seu veículo serão “gratificados” com um voucher equivalente ao valor do transporte público
Esta é uma tendência que já está a acontecer um pouco por toda a Europa. Este ano entrou em vigor o Madrid 360, um plano que visa melhorar o ar da capital espanhola, que proíbe a circulação de carros a gasóleo anteriores a 2006 e a gasolina fabricados antes de 2000. E mesmo os menos poluentes já não poderão estacionar na zona delimitada do centro da cidade, com exceção para os residentes. O plano estende-se até 2025 e irá ser cada vez mais apertado, como objetivo final de retirar todos os carros da cidade.
Oslo foi uma das cidades pioneiras neste combate à poluição do ar. Mas a intenção vai muito além do ambiente. A vice-presidente da câmara defende que “o objetivo é devolver a rua aos peões. Para nós, a rua é onde as pessoas se encontram, onde se sentam nas esplanadas, onde as crianças brincam e onde a arte pode ser exibida”.
Copenhaga, onde os autarcas assumiram aquele compromisso, tem um plano ainda mais ambicioso: quer ser a primeira cidade neutra em emissões de CO2. O plano passa não só pelos automóveis mas também pela produção energética, que deverá ser toda de fontes renováveis. E, à boa maneira dinamarquesa, é para estar em pleno funcionamento já em 2025.