Entre os funcionários públicos que trabalham no chamado “Edifício do IVA”, na Avenida João XXI, em Lisboa, é motivo de conversa a morte de três colegas não fumadores e relativamente novos com cancro do pulmão.
“Suspeita-se de que a doença tenha sido causada pelo amianto que, dizem, está nos tetos falsos”, conta Amândio Alves, da direção de Lisboa do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos. Entretanto, o edifício já foi alvo de obras profundas, para retirar a substância, mas ainda faltam três pisos.
O amianto é um produto que pode provocar cancro, através da libertação de partículas, muito utilizado na construção em Portugal até ser proibido pela União Europeia, em 2005. Mas proibir não foi suficiente. Devido à popularidade do material nas décadas anteriores, o Governo de Sócrates fez passar legislação para inventariar os 4 mil edifícios públicos com amianto.
A lei n.º 2/2011, de 9 de fevereiro, que estabelece “procedimentos (…) com vista à remoção de produtos que contêm fibras de amianto “, é muito clara: as autoridades tinham um ano para proceder ao levantamento de todos os prédios e equipamentos públicos com aquela substância; e mais 90 dias para remover o produto (coisa que não ficaria barata ao Estado).
Passados quase dois anos, ainda não se sabe sequer onde está o amianto. Já não seria mau se se tivesse dado o primeiro passo. “Na altura, achámos o prazo ambicioso.
Só que o trabalho nem sequer começou”, critica Carmen Lima, do Centro de Informação de Resíduos da associação ambientalista Quercus.
‘SITUAÇÕES GRAVES’
Para João Vilarinho Santos, administrador da SAGIES (empresa de segurança e sanidade no trabalho), o levantamento de edifícios com amianto é uma questão de saúde pública e não se devia limitar a equipamentos do Estado. “Temos de alargar a análise a todos os edifícios públicos, como centros comerciais”, sublinha, assegurando que conhece “situações graves de libertação de partículas “, sobretudo casos relacionados com a degradação da lã de amianto, comum em canalizações e condutas de ar condicionado.
Os responsáveis governamentais não parecem preocupados. No início do mês, Assunção Cristas, ministra da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, garantia que o levantamento seria feito, mas acrescentou, em declarações citadas pelo Diário de Notícias, que esse trabalho não era “prioridade número um”.
Essa é uma posição que a Quercus vai denunciar ao Comité de Altos Responsáveis da Inspeção do Trabalho, um organismo da Comissão Europeia. “O pior de tudo é que nos mantemos no desconhecimento.
Não sabemos o que nos espera quando frequentamos ou trabalhamos num edifício público”, diz a ambientalista Carmen Lima. E o Governo não pode sequer dizer que esta era uma medida da administração anterior. Afinal, o Parlamento aprovou o diploma por unanimidade.
P&R – O amianto
O que é?
É um grupo de minerais fibrosos muito usado, durante séculos, como material de construção, devido à sua resistência ao calor, capacidade de isolamento e flexibilidade. Em 2005, a sua extração e utilização foram proibidas na União Europeia.
Que consequências tem para a saúde humana?
Através da interação com o amianto (ou pela degradação provocada pelo tempo), soltam-se minúsculas partículas fibrosas que ficam suspensas no ar e são facilmente inaladas. Quanto mais prolongada a exposição, maior quantidade de fibras se acumula nos pulmões. A longo prazo (sempre mais de dez anos), pode provocar graves lesões pulmonares, mesoteliomas e cancro do pulmão.
Onde se encontra?
Em Portugal, a utilização de amianto foi particularmente popular nos anos 70 e 80 do século passado, pelo que edifícios construídos nessa altura têm, quase de certeza, essa substância. A forma menos preocupante é o fibrocimento (amianto misturado com cimento), de onde as fibras não se libertam com facilidade.