Elon Musk, da Tesla, e Jeff Bezos, da Amazon, têm competido pelo posto de mais rico do mundo durante todo o ano, depois de a riqueza do primeiro ter disparado 160 mil milhões de dólares em 2020, colocando-o por breves momentos no primeiro lugar.
Musk não é o único a ver um aumento significativo na riqueza durante um ano de pandemia, recessão e morte. Ao todo, os bilionários do mundo viram sua riqueza aumentar para mais de 1,9 biliões de dólares em 2020, de acordo com a Forbes.
Estes são números astronómicos e é difícil entendê-los sem algum contexto. Como antropólogos que estudam a energia e a cultura do consumo, quisemos examinar como toda essa riqueza se traduzia em consumo e a pegada de carbono resultante.
Na pele de um bilionário
Descobrimos que os bilionários têm pegadas de carbono que podem ser milhares de vezes maiores do que a média.
Os ricos possuem iates, aviões e várias mansões, e tudo isto contribui com gases de efeito estufa para a atmosfera. Por exemplo, um superiate com uma tripulação permanente, heliporto, submarinos e piscinas emite cerca de 7 020 toneladas de CO2 por ano, de acordo com nossos cálculos, tornando-o de longe o pior ativo de se possuir do ponto de vista ambiental. Transportes e imóveis representam a maior parte da pegada de carbono da maioria das pessoas, pelo que nos concentrámos então em calcular essas categorias para cada bilionário.
Para escolher uma amostra de bilionários, começámos com a Lista Forbes 2020 de 2 095 bilionários. Uma amostra aleatória ou representativa de pegadas de carbono de bilionários é impossível porque a maioria das pessoas ricas evita publicidade, e portanto tivemos ee nos concentrar naqueles cujo consumo é de conhecimento público. Isso excluiu a maioria dos super-ricos da Ásia e do Médio Oriente.
Analisámos 82 bancos de dados de registos públicos para documentar casas, veículos, aeronaves e iates de bilionários. Depois de uma busca exaustiva, começámos com 20 bilionários conhecidos cujos bens pudemos apurar, enquanto tentávamos incluir alguma diversidade de género e geografia. Enviámos o artigo para peer-review, mas planeamos continuar a adicionar itens à nossa lista.
De seguida, usámos uma ampla gama de fontes, como a Administração de Informações de Energia dos EUA e a Pegada de Carbono, para estimar as emissões anuais de CO2 de cada casa, aeronave, veículo e iate. Em alguns casos, tivemos de estimar o tamanho das casas a partir de imagens ou fotos de satélite e do uso de aeronaves e iates particulares, pesquisando na imprensa popular e recorrendo a outros estudos. Os nossos resultados são baseados na análise do uso típico de cada ativo, considerando o seu tamanho e tudo o mais que pudemos saber.
Não tentámos calcular as emissões de “carbono incorporado” de cada ativo – isto é, quanto CO2 é queimado ao longo da cadeia de abastecimento no fabrico do produto – ou as emissões produzidas pelas suas famílias ou empregados domésticos. Também não incluímos as emissões de empresas das quais eles possuem parte ou a totalidade, porque isso teria adicionado outro grau significativo de complexidade. Por exemplo, não calculámos as emissões de Tesla ou Amazon ao calcular as pegadas de Musk ou Bezos.
Por outras palavras, são estimativas provavelmente conservadoras de quanto eles emitem.
A nossa pegada de carbono
Para se ter uma noção de perspetiva, vamos começar com a pegada de carbono da pessoa média.
Os residentes dos EUA, incluindo bilionários, emitiram cerca de 15 toneladas de CO2 por pessoa em 2018. A pegada média global é menor, apenas cerca de 5 toneladas por pessoa.
Em contraste, as 20 pessoas da nossa amostra contribuíram com uma média de cerca de 8 190 toneladas de CO2 em 2018. Mas algumas produziram muito mais gases do efeito estufa do que outras.
O bilionário do jet set
Roman Abramovich, que fez a maior parte da sua fortuna de 19 mil milhões a negociar petróleo e gás, é o maior poluidor de nossa lista. Fora da Rússia, ele é provavelmente mais conhecido por ser o proprietário do Chelsea Football Club, de Londres.
Abramovich cruza o Mediterrâneo no seu superiate Eclipse, que com 162,5 metros de proa a popa é o segundo maior do mundo, rivalizando com alguns navios de cruzeiro. E atravessa o planeta num Boeing 767 de design personalizado, que possui uma sala de jantar para 30 lugares. As viagens mais curtas são feitas no seu jato Gulfstream G650, num dos seus dois helicópteros ou no submarino do iate.
Abramovich mantém casas em muitos países, incluindo uma mansão em Kensington Park Gardens em Londres, um castelo em Cap D’Antibes na França e uma propriedade de 28 hectares em St. Barts que pertenceu a David Rockefeller. Em 2018, deixou o Reino Unido e estabeleceu-se em Israel, onde se tornou um cidadão com dupla nacionalidade e comprou uma casa em 2020 por 64,5 milhões de dólares.
Estimamos que tenha sido responsável por pelo menos 33 859 toneladas métricas de emissões de CO2 em 2018 – mais de dois terços vieram do seu iate, que está sempre pronto para utilização em qualquer momento durante todo o ano.
Grandes mansões e jatos particulares
Bill Gates, atualmente a quarta pessoa mais rica do mundo com 124 mil milhões, é um poluidor “modesto” – para os padrões dos bilionários. Não possui um iate gigante, mas compensa com jatos particulares.
Co-fundador da Microsoft, reformou-se em 2020 para gerir a Fundação Bill e Melinda Gates, a maior instituição de caridade do mundo, com uma doação de 50 mil milhões de dólares.
Na década de 1990, Gates construiu Xanadu – batizado em homenagem à vasta propriedade fictícia de Citizen Kane, de Orson Welles – a um custo de 127 milhões de dólares, em Medina, Washington. A casa gigante cobre 6 131 metros quadrados, com garagem para 23 carros, cinema para 20 pessoas e 24 casas de banho. Possui também pelo menos cinco outras moradias no sul da Califórnia, nas Ilhas San Juan no estado de Washington, North Salem e na cidade de Nova Yorque, bem como uma quinta de cavalos, quatro jatos particulares, um hidroavião e uma “coleção” de helicópteros.
Estimámos sua pegada anual em 7 493 toneladas de carbono, principalmente devido aos seus muitos voos.
O CEO de tecnologia que se preocupa com o meio ambiente
Elon Musk, nascido na África do Sul, CEO da Tesla Motors e SpaceX, tem uma pegada de carbono surpreendentemente baixa, apesar de ser a segunda pessoa mais rica do mundo, com 177 mil milhões de dólares – e parece ter a intenção de ser um exemplo para outros bilionários.
Não tem um super iate e diz que nem tira férias.
Calculámos uma pegada de carbono relativamente modesta para Musk em 2018, apesar das suas oito casas e um jato particular. Este ano, a sua pegada será ainda menor, porque em 2020 o empresário vendeu todas as suas casas e prometeu desfazer-se do resto dos seus bens materiais.
Embora a sua pegada de carbono pessoal ainda seja centenas de vezes maior do que a de uma pessoa média, demonstra que os super-ricos ainda têm escolhas a fazer e podem, de facto, reduzir o seu impacto ambiental se assim escolherem.
A sua pegada estimada dos ativos que examinámos era de 2 084 toneladas em 2018.
O valor de nomear e envergonhar
O objetivo de nossa análise contínua é fazer com que as pessoas pensem sobre o fardo ambiental da riqueza.
Embora muitas investigações tenham mostrado que países e pessoas ricas produzem muito mais do que a sua parte de emissões de gases de efeito estufa, esses estudos podem parecer abstratos e académicos, tornando mais difícil mudar esse comportamento.
Acreditamos que “envergonhar” – por falta de palavra melhor – pessoas super-ricas pelos seus hábitos de consumo intensivo de energia pode ter um impacto importante, revelando-se como modelos de consumo excessivo que as pessoas não devem imitar.
Jornais, cidades e residentes locais tiveram um impacto durante as secas da Califórnia de 2014 e 2015 por “envergonhar” celebridades e outras pessoas que desperdiçavam água, evidenciado pelos seus relvados continuamente verdes. E os suecos criaram um novo termo – “flygskam” ou vergonha de voar – para aumentar a consciencialização sobre o impacto climático das viagens aéreas.
Especialistas em clima dizem que, para termos esperança de limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, os países devem cortar as suas emissões para metade até 2030 e eliminá-las até 2050.
Pedir aos americanos comuns que adotem estilos de vida menos intensivos em carbono para atingir esse objetivo pode ser irritante e ineficaz, já que levaria cerca de 550 das suas vidas para igualar a pegada de carbono do bilionário médio da nossa lista. [1650 vidas, no caso de um cidadão médio.]
Autores: Richard Wilk é Professor Catedrático e Professor Reitor de Antropologia; Diretor do Open Anthropology Institute, Universidade de Indiana. Beatriz Barros é doutoranda e investigadora associada da Universidade de Indiana. Este artigo foi originalmente publicado no The Conversation.