As famosas joaninhas Coleomegilla maculata chegam na primavera e são facilmente identificáveis pela carapaça vermelha com pintas pretas. São da família dos besouros, designada de Coccinellidae, e existem várias espécies que podem ter colorações diferentes. Em comum têm o facto de serem grandes predadores de insetos, com uma enorme capacidade de controlo de pragas, daí a sua importância para o equilíbrio do ecossistema.
Quando se sentem em perigo as joaninhas libertam veneno através das articulações das patas, o que leva o predador a cuspi-las por sentir o odor e o sabor do sangue. A maioria dos predadores sabe interpretar a coloração da joaninha, que funciona como um mecanismo de defesa. Este fenómeno designa-se de aposematismo.
Pelo contrário, as minúsculas vespas Dinocampus Coccinellae não se intimidam pela coloração da joaninha e ainda se aproveitam desse pormenor. A vespa fêmea aproxima-se da joaninha e insere rapidamente o ferrão no abdómen desta, injetando um ovo acompanhado de uma mistura de substâncias químicas. Quando o ovo eclode, a larva alimenta-se dos fluidos corporais da hospedeira, que até aqui continuou a caçar para se alimentar, e o vírus vai-se replicando nos ovários da larva em crescimento. Ao fim de 20 dias, a larva já cresceu tanto que está pronta para deixar o hospedeiro e transformar-se em adulto.
A larva rasteja até ao exterior através de uma abertura no exosqueleto da joaninha e simultaneamente o vírus, que se estava a desenvolver, infeta a cabeça do hospedeiro, causando-lhe paralisia. Esta é a altura em que a larva tira maior partido da situação e forma um casulo de seda entre as pernas do hospedeiro.
Já com o parasita no exterior do corpo, a mente da joaninha permanece cativa, como se fosse um fantoche, e é obrigada a manter-se naquela posição, de forma a servir de guarda-costas para proteger o casulo de outros predadores. Se algum dos predadores se aproximar a joaninha abana as patas, assustando o agressor. Ao fim de uma semana, a vespa rasga uma abertura no casulo com as mandíbulas, rasteja para o exterior e voa para longe. Quanto à joaninha, a eliminação do vírus está relacionada com a recuperação do comportamento natural do Coccinellidae: cerca de 25% das joaninhas consegue sobreviver ao processo, um caso muito raro de manipulação reversível, em que a vítima volta à sua vida normal.
O vírus da paralisia de D. coccinellae já foi estudado e marca o primeiro vírus conhecido ou outro microorganismo “envolvido numa manipulação comportamental que beneficia outra espécie”, disse o co-autor do estudo Nolwenn Dheilly, biólogo da Universidade Stony Brook em Nova Iorque, à National Geographic.
O estudo, publicado na revista Proceedings of Royal Society, indicou que a vespa e o vírus partilham o mesmo interesse evolutivo: controlar a joaninha para produzir mais vespas e mais vespas gerarem mais vírus. É assim que os genes trabalham em conjunto para fazerem da joaninha um guarda-costas zombie. Os cientistas demonstraram em laboratório que os casulos de vespas guardados por uma joaninha são muito menos vulneráveis à predação do que os casulos deixados por si próprios ou guardados por uma joaninha morta.
Outros casos de guarda-costas zombies na natureza
A joaninha não é o único animal “zombificado”. A aranha tecedeira (Leucauge argyra) muda a arquitetura da teia em prol das necessidades de um outro tipo de vespa. O processo de inserção dos ovos é igual ao da joaninha, exceto quando a larva eclode, que perfura alguns orifícios no abdómen da aranha e lhe suga o sangue. Algumas semanas depois, quando a larva atinge o tamanho adulto, a aranha por iniciativa própria desfaz a própria teia e tece uma nova, com uma forma totalmente diferente. Em vez do padrão de fios múltiplos elaborado para capturar insectos voadores, a nova teia é composta por escassos cabos grossos que convergem num ponto central. Depois de sugar o hospedeiro até à morte, a larva tece o casulo num fio pendurado na intersecção dos cabos; ao ficar suspenso no ar, o casulo é praticamente inalcançável por predadores.
Por sua vez, o protozoário que causa a malária, denominado Plasmodium, passa as primeiras fases do ciclo de vida dentro de um mosquito, usando-o para se desenvolver antes de alcançar a próxima etapa do ciclo, dentro do ser humano. Como o mosquito precisa de beber sangue para sobreviver, o Plasmodium torna o hospedeiro “tímido”, levando-o a procurar menos vítimas para sugar e desistindo mais depressa quando não encontra uma fonte de sangue, o que reduz a probabilidade de o mosquito morrer e impedir que o protozoário se desenvolva. Quando está pronto a infetar um hospedeiro humano, o Plasmodium manipula o comportamento do mosquito no sentido inverso. O mosquito procura cada vez mais humanos e pica-os repetidamente, mesmo que esteja saciado. Quando o mosquito morre, o Plasmodium não é afetado porque já seguiu para outro ciclo de vida.
Um outro caso são as moscas que infetam zangões, levando-os a enfiarem-se debaixo do solo no outono, pouco antes de elas moscas entrarem na fase de crisálida. Assim, a mosca fica protegida do frio do inverno e de predadores.
Já as borboletas e traças são infetadas pelos baculovírus, que invadem as células, levando-as a criar novos baculovírus. Por fora, a lagarta parece normal. Mas o alimento ingerido não renova os tecidos da lagarta – antes forma novos baculovírus. Quando o vírus está pronto a abandonar o hospedeiro, as lagartas alimentam-se incessantemente e começam a trepar as árvores. Em vez de se fixarem em locais seguros, longe dos predadores, as lagartas infetadas sobem cada vez mais alto. A infeção produz enzimas que levam a lagarta a dissolver-se, o que faz com que aglomerados de vírus escorrem pelas folhas, prontos para serem ingeridos por novas lagartas hospedeiras.
Finalmente, os girinos da rã-touro-americana são vítimas de um verme parasítico que se reproduz dentro de caracóis. Quando as larvas nascem procuram uma rã e escavam um orifício na pele do anfíbio, provocando quistos em redor dos membros. A infeção pode fazer com que a rã desenvolva mais ou menos do que duas patas, o que dificulta a mobilidade do hospedeiro e facilita a sua predação. O objetivo do parasita é chegar ao interior de uma ave, para que se reproduza sexuadamente. Os ovos serão introduzidos na água quando a ave defecar e irão infetar outros caracóis para dar início a um novo ciclo.
Possível explicação científica
O biólogo Richard Dawkins defende no livro O Gene Egoísta que os genes evoluem com vista a multiplicarem-se com mais sucesso, e o nosso organismo funciona como um veículo para chegarem seguros à geração seguinte. Os genes são também responsáveis pelos nossos comportamentos; logo, se conseguem manipular o mundo físico, o autor ponderou se não seria possível manipular outra criatura viva.
Os parasitas foram o melhor exemplo para defender a teoria. A capacidade de um parasita para controlar o comportamento de um hospedeiro está codificada nos seus genes. Se um destes genes sofrer alterações, o comportamento do hospedeiro também mudará. No caso das joaninhas, se a vespa adquirir uma mutação que a obrigue a comportar-se como sua guarda-costas, por exemplo, os seus descendentes possuidores dessa mutação prosperarão, porque menos deles serão mortos por predadores. Ainda assim mais estudos são necessários para compreender este fenómeno e determinar qual o papel exato do vírus e da vespa no controlo das joaninhas.
Na Universidade de Ben-Gurion, Israel, um grupo de investigadores estudou uma situação semelhante, em que uma espécie de vespa ataca baratas e as controla. A equipa do biólogo Frederic Libersat descobriu que a vespa adormece os neurónios com uma mistura de neurotransmissores de efeito semelhante ao das drogas psicoativas. A investigação tem-se revelado compatível com a teoria do fenótipo alargado de Dawkins.