Já estou em Marrocos. Finalmente, depois de uma etapa muito dura de mais de 150 quilómetros, que me levou de El Cuervo pela serra acima e abaixo, onde se aninhavam as povoações de Arcos de La Frontera, Paterna de Rivera ou Medina Sidonia, até que por fim chego à imensa montanha onde se fixava Vejer de la Frontera. Felizmente não tive a subir pois a estrada para Tarifa e Algeciras era bem mais cá para baixo.
Foram 150 quilómetros com vento sempre contra e os vários parques eólicos por onde passava davam razão ao meu amigo ciclista Juan, que em Sevilha me tinha avisado para esse pormenor. Fiz-me forte e não sei como conseguiu vencer a lenta agonia dos quilómetros que passam devagar. Então as subidas, algumas feitas a passo caracol, tinham de ter uma história para contar e uma viagem de bicicleta não é uma viagem se não houver uma queda. E foi o que aconteceu, quando o saco da frente se soltou do suporte e caiu no chão, não dando tempo para outra reacção, senão por as mãos ao solo. Não houve tempo, pois, para tirar os encaixes dos pedais e foi queda na certa. Um joelho esmurrado e algumas escoriações na perna, mas nada de mais. Valeu-me ter sido numa subida. A descer podia ter tido outras consequências, pois havia alturas em que a força da gravidade me permitia atingir velocidades de mais de cinquenta quilómetros hora.
É bom explicar que as coordenadas do Guia Michelin paras viagens de bicicleta estavam longe de serem as correctas, pois remetia-me muitas vezes por autovias que era impossível seguir, pela clara proibição de circular de bicicleta, e por isso, e pelas minha contas, estaria a fazer mais quilómetros do que estava inicialmente planeado. O único atalho que moralmente poderia seguir era eliminar a ligação de barco entre Algeciras e Ceuta e então tomar o ferry de Tarifa a Tanger. Confesso que quando estava a chegar a Tarifa e vejo o mar por entre o arvoredo, senti um calafrio de emoção. Deu-me uma força suplementar e pedalei ainda com mais força, sabendo que estava perto de passar para um outro continente, que já se via ao longe, com as montanhas do Reef.
Mas esta etapa da viagem, quando parecia ser a mais pacífica, eis que algo estaria para acontecer que merece a pena ser contado com mais detalhe. Em Tânger, do deslumbramento à desilusão foi um passo. Mas prevalece o deslumbramento de um país em que a generalidade das pessoas são de uma simpatia a toda a prova. Mas isso merece um capítulo à parte. Mas agora tenho de ir que tenho à minha espera o meu amigo Albertico, que me convidou para um chá de menta. Hasta luego.