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Grandes são os filhos da puta
Isto de andar à porrada nunca teve nada que saber. Escolhe sempre o gajo maior. E nunca arrisques avançar para um canuco. Só assim se conquistam os nomes na praça da escola preparatória. Se enfrentares uma besta, mesmo que percas, não perdes nunca. O grandalhão aposta tudo na imagem, não esconde nada. Mas sabe que nunca estará à altura das expectativas criadas à sua volta. Mesmo que te desfaça os cornos ao primeiro round, perderá sempre. Já tu, não te preocupes, porque, mesmo perdendo, manténs a fama riscada a navalha nas árvores do pátio. Se és baixo não tens outra alternativa. Desde que Keagan me ensinou isto, parte considerável de tudo quanto sei, o meu nome nunca mais saiu das conversas ao fim da tarde, nas traseiras do pavilhão principal da escola. Muitos calmeirões desviavam os olhos dos meus, fugiam de mim. Mas muitos outros não. Nunca fui tão popular como nesses tempos. E nunca eu levei tanta porrada. Ao princípio ainda doía. Depois habituei-me. Tu habituas-te. Mas é só quando começas a gostar de levar no focinho, tanto quanto gostas de dar, que te tornas verdadeiramente bom. Invencível mesmo na derrota. Só nunca caias no erro de escolher o pequeno. O baixote é sempre cabrãozote! O canuco é perigoso. As expectativas à sua volta são sempre baixas. Mas o baixote esconde perigos, raiva recalcada, ira compacta à beira da explosão. E depois, mesmo que ganhes, perdes sempre. - Escolhe sempre o que tapar o sol! - dizia o Keagan. E eu assim fazia. Escolhia sempre, entre a fileira de adversários, o maior de todos. O que me tapava o sol, e não raras vezes me fazia ver a lua. Era quase uma porrada romântica.Mas se te habituas a isto, à dor, ao suor e ranhos alheios, ao sangue pingado na camisa sem botões, nunca te habituas à espera. Eu nunca me habituei, por mais que tentasse, por mais que me esforçasse. A porrada era sempre no fim das aulas. E até lá, eu sofria em silêncio. Mastigava as palavras do professor. Via as caras dos outros a estudarem-me. Havia quem torcesse por mim. Outros torciam imaginariamente o meu pescoço. Mas a maioria apenas torcia para que algo acontecesse. E a porrada era sempre um acontecimento. Nos minutos que precediam a saída, parecia sentir já o paladar salgado do esforço, da pancada cega. Os candidatos sucediam-se. E tudo servia para o desafio. Tudo servia como mote para o duelo. Era a mãe que era puta. A irmã que era puta. Era eu que era puta. Éramos todos putas. Um dia foi demais. O Keagan tinha-me arranjado um slogan, propaganda de machos, e eu acreditava nele, apregoava-o pelos corredores. - A minha direita é pesada e sai ligeira! É um azar à esquerda dos grandes filhos da puta!Naquele dia, o filho da puta que respondeu ao chamamento era ainda maior do que grande. Esperou por mim o dia todo lá fora. Faltou às aulas e tudo, tal era a sua convicção. Eu vomitei de medo na casa de banho. Ninguém viu. Quando saí para a rua, o mundo era meu. A escola observava. E era minha, também. Ele correu para mim, mal me viu, todo músculo e nervo, mas tropeçou numa pedra e caiu com estrondo a meus pés, abrindo a cabeça como uma melancia fora de estação. Agarrei-lhe na nuca suja de sangue e deixei-a cair no chão, levemente, mãos abertas, como se vivesse uma versão estranha do milagre das rosas aos pés da santa rainha Isabel. - São grandes os filhos da puta, senhor! Esse final de tarde foi a última vez que tive sorte na vida. Nunca mais os grandes filhos da puta me pareceram tão pequenos, quando vistos de cima.