“Sozinhos todos. Ninguém se entende. A humanidade inteira está reduzida à solidão de cada um dos seus indivíduos”.

Desconfortavelmente pertinentes e atuais, as palavras proferidas por Almada Negreiros há quase 100 anos, durante a conferência Direção Única (realizada no Teatro Nacional de Almeida Garrett em Julho de 1932), revelam o espírito, mais do que modernista, moderno, que animava o seu corpo.

Como todos os que são modernos, Almada tentava perceber o tempo em que vivia através da lente do Futuro. Lia nas entrelinhas dos acontecimentos, tentando salvar, antes que fosse demasiado tarde, o que ainda havia para salvar dessa humanidade reduzida à solidão.

E, como todos os que são modernos, tinha mais sonhos do que o tempo da vida humana permite concretizar. Um desses sonhos era um díptico de duas peças teatrais, Deseja-se Mulher e S.O.S., ao qual teria chamado Tragédia da Unidade, que reflete precisamente sobre a solidão a que está votada uma sociedade onde indivíduo e coletividade foram dissociados um do outro, onde cada um acredita bastar-se a si mesmo, simultânea e paradoxalmente convencido de não ser “bastante” para essa sociedade, e o conceito de “todos” deixou de ser a soma das partes para passar a ser uma justaposição de eus.

Em 2024, num mundo onde as angústias de Almada Negreiros são tragicamente atuais, o Colectivo Sul decidiu dar vida a SOS – Aquela Noite, um espetáculo que, partindo do projeto não concretizado de Almada, Tragédia da Unidade, inclui ainda outros textos do autor, dentro e fora da escrita dramática, como a peça em um ato Aquela Noite, excertos da conferência Direção Única, comentários de Pierrot e Arlequim ou O Meu Teatro.

Os sábios não sabem dizer o que sabem e os palhaços sabem…mas não são sábios

Almada negreiros

Ao longo dos 90 minutos da peça, que sobre ao palco do Teatro do Bairro de 20 a 24 de novembro, Carolina Ferraz, Dinis Gomes, Duarte Guimarães, Rita Durão, Rita Loureiro e Sofia Marques fazem-nos entrar na cabeça de um dos maiores modernistas portugueses, servindo-se das palavras do próprio Almada para nos recordarem que “os sábios não sabem dizer o que sabem e os palhaços sabem…mas não são sábios” e que, afinal de contas, “somos todos iguais. Todos. Estamos todos à espera da mesma coisa. Viver”.

Somos levados a refletir sobre o modo como tudo, da natureza à alma humana, é uma dualidade e que uma das partes morre sem a outra, e vice-versa. O mundo é feito de luz e de sombra, de forças motrizes e forças cuidadoras, de procuras e de encontros, de indivíduos e de coletivos, de “nós todos e cada um de nós”.

O trabalho exímio de “corte e costura” faz-nos esquecer que estamos a ouvir excertos de conferências, discursos, ensaios e peças de teatro, dando origem a uma espécie de narrativa inédita, que parece ter sido escrita precisamente assim como se apresenta, o que revela também a inabalável coerência temática das diversas obras de Almada Negreiros e da visão que este tinha sobre o mundo.

À medida que íamos lendo os textos que ele escreveu em áreas tão diferentes, sentíamos que parecia haver um modelo filosófico de pensamento que ele próprio estava a tentar criar

colectivo sul

“À medida que íamos lendo os textos que ele escreveu em áreas tão diferentes, sentíamos que parecia haver um modelo filosófico de pensamento que ele próprio estava a tentar criar”, comentam os atores.

Que modelo é esse? Caberá ao espetador decidir. Afinal de contas os “ templos têm asportas abertas para o público e no interior cada qual encontrará a imagem da sua devoção”.

Ainda assim, é possível que a ressoar dentro de muitos fique a fórmula 1+1=1, imortalizada em Deseja-se Mulher. Após deixar a sala de teatro, asseguremo-nos, porém, de, com o passar do tempo, não cair na tentação de lhe tirar o sinal de mais e substitui-lo com a letra “e”, construindo um futuro de “mundozinhos individuais, pequeníssimos, microscópicos”, onde estamos ao lado dos outros, mas não com eles, e vivemos  “sozinhos todos”.

› S.O.S. – Aquela Noite > Teatro do Bairro – 20 a 24 de novembro > Teatro Experimental de Cascais – 29 de novembro a 1 de dezembro > Teatro Municipal Joaquim Benite – 20 e 21 de dezembro

Será preciso aguardar pelas 17 horas desta sexta-feira, dia 15, para se ficar a conhecer o melhor queijo do mundo 2024 (o Super Gold 2024) que será eleito em Viseu. Esta é a primeira vez que os prémios World Cheese Awards (WCA) se realizam em Portugal. A Noruega recebeu a edição 2023 deste concurso organizado há mais de 30 anos pela associação britânica The Guild of Fine Food.

A estreia no nosso país assinala também um número recorde de participantes: 4 800 queijos a concurso oriundos dos cinco continentes. Destes, 182 são portugueses, com todas as regiões representadas, à exceção da ilha da Madeira. Ao todo, serão 20 toneladas de queijo, vindas dos Estados Unidos da América à Austrália, passando pela Coreia do Sul, Japão, Quénia, Chile, Uruguai, Israel e, entre outros, a Ucrânia. 

Os melhores queijos serão votados por 244 juris oriundos de 76 países. Foto: DR

“Portugal recebe, e bem, eventos de outras áreas, como o futebol, a Web Summit, festivais de música, mas até hoje não tínhamos trazido um grande acontecimento de um setor em que Portugal dá cartas. A gastronomia portuguesa é muito apreciada lá fora”, congratula-se Bruno Filipe Costa, ligado à área da distribuição alimentar e impulsionador da vinda do WCA para Portugal.  

“A primeira decisão que tomámos quando ganhámos o concurso foi não escolher Lisboa, o Porto ou o Algarve. Essas zonas já recebem muita coisa durante o ano. Queríamos levar este concuro – o maior do setor – para um local que não tivesse essa sorte de receber tanta oferta. Viseu e a região Centro tinham três coisas que queríamos: excelente produção de queijo, capacidade organizativa e as pessoas”, sublinha. 

O Pavilhão Multiusos de Viseu será o palco central dos WCA, onde estarão dispostas 104 mesas, com os tais 4 800 queijos, que serão provados ao longo do dia de sexta-feira por 244 juris de 76 países. Portugal tem a maior representação: 35 pessoas, entre chefes de cozinha, jornalistas gastronómicos e provadores de queijo. “A delegação portuguesa tem queijos extraordinários. Depende de como está o queijo no dia, mas tenho muita esperança de que Portugal arrecade medalhas”, confessa o organizador.

Provas de queijos exclusivos

Depois de serem conhecidos os melhores queijos (eleição a que qualquer um poderá assistir), os dois dias seguintes (sábado e domingo, 16 e 17) serão dedicados ao público numa iniciativa também inédita neste concurso, que se costuma destinar apenas a profissionais do setor.

A partir do Pavilhão Multiusos acede-se à Tenda Viseu, com mais de dois mil metros quadrados, de acesso gratuito, onde se podem fazer provas e participar em workshops, nomeadamente de queijos Serra da Estrela, do Japão, de Itália e também da Ucrânia, e em harmonizações de queijo com vinhos.  

Ao World Cheese Awards concorrem 4800 queijos de 80 países

Também estão previstas provas mais exclusivas, em quatro tours guiados por um dos elementos do juri à Seleção dos Melhores Queijos do Mundo (nas manhãs e tardes de sábado e domingo, com reserva prévia, €10). Desta seleção, não fazem parte queijos de fora da União Europeia devido a regras comunitárias.

“As pessoas vão poder provar queijos que provavelmente nunca estiveram em Portugal”, realça Bruno Filipe Costa. E deixa alguns destaques: “Um queijo azul do norte de Espanha, algo especial de uma produção muito pequena de um senhor que o faz de forma artesanal há três gerações; um do sul de Itália, que é curado numa gruta durante três anos; os queijos gregos e, estou muito curioso para provar, as novidades que vêm de França.” É caso para dizer: Say cheese!

Pavilhão Multiusos de Viseu e Tenda Viseu > R. Padre Costa, Viseu > 15-17 nov, sex-dom 10h-22h > grátis, Degustação Selecção dos Melhores Queijos do Mundo €10

OS NÚMEROS DO WORLD CHEESE AWARDS

4800 queijos a concurso  

80 países dos 5 continentes  

20 toneladas de queijo 

182 candidatos portugueses (um recorde), de todas as regiões produtoras, à exceção da ilha da Madeira

244 juris de 76 países (Portugal tem a maior delegação, 35 juris) 

Em Portugal, nunca foi fácil ser ministro da Saúde. Nem fácil, nem saudável. Trata-se de uma área extraordinariamente exigente, sob o escrutínio permanente de todos: dos profissionais e dos utentes. Erros como o do INEM podem, a prazo, custar a cabeça desta ministra. O primeiro-ministro manteve-a no cargo, e fez bem, mas a confusão que custou vidas deve ser alvo de responsabilização.

A ministra da Saúde assumiu diretamente a tutela dos serviços de emergência médica pré-hospitalar, uma medida que faz sentido, mas a partir de agora não pode haver mais erros ou deslizes nesta área de extrema sensibilidade pública. O INEM existe para salvar vidas, e ninguém deve negar ou retardar os recursos humanos e materiais de que necessita há muito tempo.

O serviço funciona, ainda hoje, à base de muitas horas extraordinárias, o que não é um sinal de tranquilidade. Nem para os profissionais, que têm de tomar decisões rápidas e seguras, nem para quem recorre a essa emergência médica. Podem faltar profissionais e equipamentos em muitos outros serviços gigantescos do Ministério da Saúde e em toda a sua complexa máquina burocrática, mas nunca num atendimento de emergência, onde cada resposta pode significar a vida ou a morte.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Nem todos os anos são anos de Pêra-Manca, e isso foi algo que desde sempre o tornou especial. A referência mais exclusiva da Fundação Eugénio de Almeida (FEA), que sai sempre de uvas de Monte Pinheiros e que estagia nas caves do Convento da Cartuxa – tudo propriedade da FEA – voltou ao mercado, agora com edição de 2018. Foi apresentada num jantar servido na Adega da Cartuxa, entre os cascos, velas e música à capela, confecionada por Leopoldo Calhau (da Taberna do Calhau, em Lisboa) e pela sua equipa.

Uma espécie de Alentejo reinventado para acompanhar as novidades da Cartuxa, e onde foram servidos outros três vinhos: um Espumante Bruto Branco 2015, um Colheita Tardia Branco 2018 e um Pêra-Manca Branco de 2022 – que ainda não está no mercado.

O tinto de 2018 acompanhou dois dos pratos e ainda a sobremesa. Produzido a partir das castas Aragonês (55%) e Trincadeira (45%), num ano particularmente seco e em que a produtividade baixou consideravelmente, este Pêra-Manca Tinto estagiou depois em balseiros de carvalho francês antes de ser engarrafado e de passar às caves, onde permaneceu até agora. Foram produzidas 21 mil garrafas – bastante abaixo das cerca de 40 mil que habitualmente saem com esta referência – e metade da produção deve ficar em Portugal. Seis mil garrafas já rumaram ao Brasil, onde o mercado aguarda sempre ansiosamente por este vinho.

Mas será que o Pêra-Manca Tinto continua a ser um vinho assim tão especial, que valha o investimento de mais de três centenas de euros por garrafa? É certo que continua a ser uma referência que prima pela exclusividade: na Adega da Cartuxa, cada visitante – daqueles que marcam visita e fazem provas de vinhos – pode comprar apenas uma garrafa, e ali cada uma custa €350. Este valor pode subir consideravelmente se adquirido numa garrafeira. É óbvio que a baixa oferta faz aumentar o preço, mas a verdade é que este já não é um vinho que se destaque tanto dentro do panorama nacional.

O valor da marca é inegável – junto com o Barca Velha, continuam a ser dos mais reconhecidos entre os vinhos nacionais –, mas a verdade é que tendo em conta a significativa evolução da qualidade das produções portuguesas, o Pêra-Manca acaba por perder o seu caráter especial. É um bom vinho, claro, muito bem feito, com uma acidez muito interessante a disfarçar bem os 15,5% de volume de álcool e claramente em contracorrente com a tendência de produção de vinhos com menos teor alcoólico.Mas atualmente existem, no mercado, tão boas ou melhores referências a fazer concorrência a este vinho, que é um bom vinho alentejano, mas que não vai além disso.

E apesar de a FEA falar em “democratização” do vinho quando é questionada sobre se não pensa colocar um valor ainda mais elevado no preço de cada garrafa, certo é que outras referências oferecem a mesma qualidade e interesse por preços bastante mais acessíveis – alguns, dez vezes mais baratos.

É claro que beber Pêra-Manca é também um sinal de estatuto. Mas num País onde cada vez mais se produz vinho de elevada qualidade, talvez não seja má ideia começar a tentar afirmar outras marcas no panorama nacional e internacional. E, apesar de a apresentação ter sido deste tinto de 2018, facto é que ficámos mais encantados com o Colheita Tardia desse mesmo ano… – e, por €59, acreditamos que seja uma ótima aposta.

Pêra-Manca Tinto 2018

>Região

Alentejo

>Onde encontrar

Na Fundação Eugénio de Almeida ou em garrafeiras nacionais, por €350 a garrafa

>O vinho

Muitos aromas a compota, alcaçuz e frutos vermelhos (sobretudo amoras e mirtilos), e alguma madeira. Com os taninos ainda bastante presentes, é um vinho com boa acidez e denota bom potencial de guarda – acredito que daqui a 15 anos seja um vinho ainda mais interessante. Na boca há sabores florais, e tem um final longo e apimentado, durante o qual perde frescura.

>Notação

AA

Entramos pela loja da Travessa da Espera, que está assim meio escondida nas esquinas sinuosas do Bairro Alto, em Lisboa, e fazemos como as crianças: encolhemo-nos, quase, no meio do espaço, tentando não mexer em nada, porque a delicadeza das peças deve ser respeitada.

Jorge Leitão, que representa a sexta geração da família ao leme da empresa bicentenária, chega em passo lesto, vindo da rua, de sorriso aberto e gravata amarela, a contrastar com o céu cinzento e pesado que nesse dia se faz sentir na capital. Enquanto nos conduz ao andar de cima, ao escritório onde passa parte do seu dia, dá-nos tempo para observar as tábuas inteiras de que são feitos os degraus, os azulejos que colorem o chão e os sons que vêm da rua. “Isto é um escritório muito simples, mas podemos falar aqui.” Na sala, uma mesa redonda de jantar partilha o espaço com uma secretária, um sofá onde a rainha D. Maria se terá sentado mais do que uma vez – “trouxemos esse sofá da loja do Chiado! Sente-se, sente-se” – e vários desenhos nas paredes.

São esboços de joias que já estão em produção, outras que estão apenas a ser pensadas, mas dão vida àquela sala de paredes brancas e simples, que tem uma porta de ligação com os restantes espaços administrativos da empresa. Os esboços passam sempre depois para formato digital, antes de tomarem forma às mãos dos experientes artesãos que alegram as oficinas da empresa.

Na Leitão&Irmão, a manualidade continua a ser uma certeza e uma constante

Nascida em 1822, no Porto, a Leitão & Irmão, pertencente aos irmãos José e Narciso, ganha o título de Ourives da Casa Imperial do Brasil em 1872, quando D. Pedro II é imperador daquele país. A empresa muda-se depois para Lisboa, onde o desenvolvimento da sua atividade beneficia da proximidade da corte. O objetivo? Restaurar as tradições da ourivesaria portuguesa. Em 1877, a oficina da casa Leitão & Irmão tem como objetivo albergar “os muitos bons artífices e joalheiros” que andavam pelas ruas da capital. Dez anos depois recebe o título de Joalheiro da Coroa, por determinação de D. Luís – que mantém até à implantação da República, em 1910. É muito possível que a criação do diadema de brilhantes, do colar de brilhantes, do colar de brilhantes e safiras, de um par de binóculos em tartaruga, ouro e brilhantes e de um pregador de brilhantes, oferecidos pela família real portuguesa à princesa D. Amélia de Orleães por ocasião do seu casamento com D. Carlos, futuro rei de Portugal, tenham ajudado à tomada de decisão. Seja como for, a partir de então, é da Casa Leitão & Irmão que saem todos os presentes para amigos, familiares e personalidades da Casa Real.

E, depois disso, muitos governantes recorreram à mesma casa para desenhar e produzir presentes de Estado. No entanto, salienta Jorge a meio da conversa, importa esclarecer que “nunca vivemos do poder, mas sim do consumidor”.  Essa é a razão por que, garante, foi possível sobreviver durante tanto tempo. A Leitão & Irmão teve “o privilégio” de produzir e vender para governantes dos vários regimes que vigoraram em Portugal, mas a relação que manteve com o poder sempre foi estritamente profissional, garante. “Só assim é que faz sentido”.

Em 1895, quando Júlio Morais se destaca entre todos os ourives da empresa, a Leitão & Irmão chega a um acordo com o artífice: ele trabalha para a casa, por um determinado período de tempo, e pode até ganhar uma posição na empresa. As oficinas passam para a mão do ourives em 1910, continuando a trabalhar em exclusivo para a marca. A vantagem? Quando, em 1974, a Leitão & Irmão é liquidada – “por vários motivos, e o 25 de Abril foi apenas um deles, é preciso que se diga”, salienta Jorge –, as oficinas continuam em atividade, uma vez que faziam parte de uma sociedade comercial chamada Morais Simões.

Empresa enxuta

O engenho para os negócios vem, aliás, de muito de trás. Conta-nos Jorge que, até cerca de 1910, a empresa cessava a sua atividade a cada cinco anos, para reabrir de novo, com a mesma constituição, mas livre de eventuais dívidas, logo de seguida. Uma forma de ir limpando o balanço e garantindo contas certas à medida que os anos passavam.

Mas regressemos a tempos de liberdade, para seguir viagem: agora já em democracia, Jorge Leitão compra a Morais Simões e volta a fazer a Leitão & Irmão. Desde então, tem estado ao leme da empresa que se foi tornando conhecida não apenas por algumas das criações feitas para a Casa Real, mas também por peças icónicas como a coroa de Nossa Senhora de Fátima que ainda hoje encima a cabeça da imagem, no Santuário.

E repare, todos os anos temos publicidade com aquela imagem a ser vista por milhares de pessoas em todo o mundo

jorge leitão

Criada em 1946 a partir do ouro e de joias das mulheres portuguesas oferecidos à Virgem, as oficinas da Leitão & Irmão doaram o seu trabalho e hoje é a peça mais visível desta casa. “E repare, todos os anos temos publicidade com aquela imagem a ser vista por milhares de pessoas em todo o mundo”, diz com um sorriso brincalhão. Conta-nos ainda a história de como a bala que atingiu o Papa João Paulo II, em 1981, foi integrada na coroa depois de o Sumo Pontífice ter pedido que ela fosse entregue à Virgem – que acreditava tê-lo protegido da morte. “O que é curioso é que as hastes da coroa, que não era fechada, faziam um espaço com o preciso diâmetro da bala”, recorda. “Quer dizer, isto também tem que ver com as dimensões humanas, mas continua a ser curioso”, nota o gestor. A peça conta com 2 999 pedras preciosas, a que se juntou, então a bala retirada do corpo do Papa João Paulo II. Três mil peças compõem a coroa, numa espécie de paralelismo com o número três, tão importante para os católicos: Jesus Cristo morreu aos 33 anos, e a religião católica baseia-se na existência da Santíssima Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo. “Mas isto são apenas curiosidades”, continua o responsável, com os olhos a brilhar.

Uma casa a rejuvenescer

Atualmente, trabalham nas oficinas da Leitão & Irmão cerca de 20 artífices, divididos entre ouro e prata. E Jorge, de 66 anos, conta-nos, orgulhoso, que ainda há quem vá bater-lhes à porta a oferecer os seus préstimos.

Foi o caso de Maria Inês, que aos 22 anos é uma das mais novas joalheiras da casa. “Veio cá, perguntou se não teríamos trabalho para ela e todos os dias vem de Mafra e começa a trabalhar às 8h30. Acho esplêndido”, conta. Maria Inês estava de férias no dia da nossa visita, mas foi possível ver “a hipopótama com um um hipopótamo bebé” que tem em mãos. “Uma peça magnífica”, dirá Jorge enquanto nos mostra os moldes da mesma, depois de termos ido espreitar a secretária da ausente Maria Inês.

Animais selvagens que ganham relevo em prata são algo comum para a Leitão & Irmão, e são peças que têm uma saída regular, para os mais diversos públicos. “Há muitos portugueses que os compram também”, garante. Estamos a falar de referências que custam entre €20 000 e €30 000 e que são totalmente feitas à mão, o que lhes confere um carácter ainda mais exclusivo.

Nalgumas das bancadas esculpe-se um Cão de Água Português, o 17º a ser representado na coleção de cães de prata que há uns anos a joalharia decidiu começar a criar. Representações do melhor amigo do Homem que têm sempre bom acolhimento por parte do público.

Aqui, na oficina da prata, reina um silêncio que é apenas intercortado pelo som de uma lima a trabalhar ou de uma ferramenta a ser pousada na bancada de trabalho. Numa das bancadas repousa um cavalo-marinho ainda em construção – “está aqui há uns anos para ser acabado…” – e noutra um frappé de prata onde cabem, pelo menos, seis garrafas de espumante (sim, fizemos as contas!).

Os artesãos – quase todos homens – estão de olhar concentrado no trabalho e alguns de auscultadores nos ouvidos.  Um garfo do icónico faqueiro de prata da casa está também a ser trabalhado, e uma oliveira milenar nasce, em prata, numa bancada mais atrás. “Esta é uma oliveira de que me falaram, que está nas Pedras d’el Rey, no Algarve, e que tem 2 000 anos”, conta-nos Jorge. “E ainda dá azeitonas! Portanto, quem nos diz que não foi plantada pelo próprio Jesus Cristo? Nada diz que foi, mas também nada diz que não foi. Portanto, é a fantasia que envolve”, atira com uma gargalhada, fazendo questão de frisar, mais uma vez, que apesar das representações religiosas ou institucionais que muitas vezes a sua empresa produz, ele é um eterno independente. “Eu não sou de clube nenhum, nem da Maçonaria”, garante com um sorriso.

Estamos, agora, num outro edifício da Leitão & Irmão, na mesma rua, mas tão escondido pelos efeitos do tempo que ninguém pode dizer que ali, em pleno Bairro Alto, nasce alguma da alta joalharia nacional. O edifício, com cerca de 150 anos, ainda mantém a traça original. “É preciso fazer algumas atualizações, mas quando houver possibilidade”, vai apontado Jorge, que aproveita para nos mostrar as máquinas que, com décadas de uso, continuam em funcionamento. E aquelas que, apesar de ainda estarem em condições, foram abandonadas no decorrer da evolução dos processos.

Todas as peças que saem destas oficinas – subiremos até à do ouro daqui a minutos – são assinadas Leitão & Irmão, marcadas com o punção de fabricante e certificadas pela Contrastaria Nacional INCM. E muitas delas são feitas em exclusivo para quem as encomenda, o que significa que podem ter um tempo de entrega relativamente longo. No mesmo sentido, algumas obras são numeradas e assinadas pelo artista que a desenvolveu. Para Jorge, é óbvio que só se pode continuar no mercado se se pensar “sempre à frente, porque o passado já acabou”. E garante que as joias ainda têm procura. “As pessoas continuam a apaixonar-se e a querer uma peça linda para demonstrar paixão; continuam a enganar-se umas às outras e a dar joias; continuam a querer ter em casa coisas bonitas”, resume.

Conta que atualmente as mulheres são uma parte relevante do seu público – “agora compram peças para si, porque podem e porque querem, um bocadinho como aconteceu depois dos ‘Loucos anos 1920’” – mas, assume, no geral o consumo não se alterou significativamente.

Como que a dar sinal disso, a oficina do ouro continua cheia de cruzes e motivos religiosos, fios de ouro, anéis de compromisso e joias com pedras preciosas. Clássicos que parecem não passar de moda e que continuam a ter saída. Aqui, a presença é maioritariamente feminina e ouve-se música e os sons da rua que entram pelas janelas abertas. Aurora, Catarina e Fátima falam de forma animada com Jorge quando o responsável entra – tratando toda a gente pelo nome, e brincando com cada um. Pedem-lhe que pegue na “rinoceronta” (fotografia na pág. 88) com cuidado, que “ainda não está terminada”, e são solícitas a trocar candeeiros para melhorar a luz e a arranjar espaço para que a fotografia fique bonita. “Gostamos muito desta rinoceronta. É a Ganda de Modafar, que se acredita ter sido o primeiro rinoceronte indiano a pisar solo europeu e que agora ganha forma em metal precioso (com direito a malha para se cobrir).

Toda a gente desenha nesta casa! Menos eu, que não sei fazer nada

Jorge leitão

Mais desenhos – “toda a gente desenha nesta casa! Menos eu, que não sei fazer nada” (Risos) – cobrem as paredes do espaço, onde convivem armários com dezenas de gavetas, ferramentas, árvores de Natal ainda decoradas, medalhas em acabamento, peças acabadas…

A faturar cerca de €3 milhões ao ano, as oficinas da Leitão & Irmão podem ser um espaço escondido no Bairro Alto, mas a verdade é que são muito mais do que isso: guardam em si, também, um saber e uma arte de manufatura que tem vindo a perder-se e vários pedaços da história de Portugal.  Exemplo disso é a representação da Girafa de Fogo, que pode ver na imagem acima, que ocupa uma das bancadas. Desenhada por Salvador Dalí, foi a figura principal do Carnaval do Estoril em 1959. Hoje, é uma das impressionantes criações desta casa que, com poucas dezenas de pessoas , vai continuando a manter viva uma tradição que ajuda a colocar a arte nacional entre aquilo que de melhor se faz no mundo.

E Jorge, com a sua figura descontraída e simpática e a sua capacidade de falar quatro línguas (inglês, francês, alemão e português), continua a levá-la além-fronteiras, mesmo que venda, orgulhosamente, apenas dentro de portas.

Assim como quem não quer, os auriculares sem fios (earbuds) tornaram-se num gadget indispensável na vida de muitos utilizadores. Servem para manter as mãos livres enquanto fazemos uma chamada a caminho da escola ou da universidade. Ajudam-nos a concentrar quando estamos à rasca com o trabalho. Tornam-se amigos íntimos quando estamos a ouvir o nosso podcast preferido. E dão-nos música em muitos e diferentes momentos do dia-a-dia. Além de serem multifacetados, são superconvenientes de usar – se ainda não tem uns auriculares sem fios, sugerimos-lhe, chegou a altura de reconsiderar essa posição. E para isso trazemos-lhe um teste de grupo altamente competitivo, juntando os mais recentes modelos da Google, Sony, Bose, Nothing e Xiaomi. Dos 60 aos 250 euros, temos opções não só para todas as carteiras, como para diferentes perfis de utilizador. Mas na Exame Informática nº 351 não há só auriculares sem fios e, como pode ver em baixo, há mais temas que merecem a sua atenção.

Pode comprar a Exame Informática nº 351 nas bancas, em formato digital ou aceder à versão exclusiva caso já seja assinante.

Sumário da Exame Informática nº 351

Capa

Teste de grupo a auriculares sem fios: Xiaomi Buds 5, Nothing Ear Open, Sony LinkBuds Open, Bose QuietComfort Earbuds e Google Pixel Buds Pro 2

Entrevista

Jesper Schleimann tem todo o interesse em que a Inteligência Artificial seja bem sucedida – ou não fosse ele o líder desta área na SAP (EMEA). Mas nesta entrevista que nos dá, deixa muitos avisos importantes para quem pensa que a IA é uma tecnologia de mão beijada.

Testes

– Xiaomi 14T Pro: Receita melhorada

Xiaomi SmartBand 9

– Luxo nos ouvidos: Bang & Olufsen Beoplay H100

Huawei MateBook Pro X (2024): Um portátil incrivelmente leve

– Baseus Bowie H1i

Huawei MatePad Pro 12.2

Xiaomi Mix Flip: A melhor concha

– Projetores Hisense PX3 Pro e C2 Ultra

QNAP TS 216-G

TCL 50 Pro Nxtpaper

Asus Notebook ProArt P16: Portátil criativo

– Nothing Phone 2a: Carinha laroca

– Samsung Galaxy Ring

TCL 65C855 QD-Mini Led

– Asus Zenbook S14

– Lifestyle: Amazon Echo Pop

I&D

Saúde e Inteligência Artificial: Preparados para a revolução?

Bling Energy: Energia solar acessível

Lenovo ataca carros autónomos

Booster Therapeutics: Solução para o Parkinson e Alzheimer

VOLT

– Renault 5

– Segway ZT3 Pro: O SUV das trotinetes

Soluções

– Spin: Transferências bancárias mais práticas

– Como usar os serviços de streaming sem internet

Sign Out

Until Dawn

– ReFantazio: Fantasia e reflexão

Silent Hill 2: Terror psicológico

O anúncio chegou esta terça-feira, 12 de novembro: o alemão Niels Wittich, desde 2022 diretor de corridas da modalidade – papel que chegou a partilhar com o português Eduardo Freitas – , vai “abraçar novos desafios”, confirmou a FIA – Federação Internacional de Automobilismo.

A substituí-lo, já a partir do GP de Las Vegas (21-23 de novembro) estará Rui Marques, até então diretor de corridas da F2 e F3, as modalidades que funcionam como uma espécie de bastidores da F1. O português já acumula anos de experiência no automobilismo, e a FIA refere-se ao profissional como trazendo “uma vasta experiência, tendo servido como fiscal de pista, comissário nacional e internacional, diretor-adjunto de corrida e diretor de corrida em diversos campeonatos”.

Recorde-se que Wittich chegou ao cargo depois de Michael Masi ter sido afastado, na sequência do Grande Prémio de Abu Dhabi de 2021, onde Max Verstappen se sagrou, pela primeira vez, campeão mundial de F1. Ainda hoje, o resultado da corrida gera polémica, uma vez que foi uma decisão de Masi que ditou a vitória de Verstappen e que, segundo a Mercedes, “roubou” o oitavo campeonado a Lewis Hamilton, piloto que está de partida para a Ferrari.

O diretor de corrida tem como missão supervisionar a prova e resolver os incidentes que ocorrem durante a mesma, podendo aplicar penalizações, se assim decidido em conjunto com os comissários.

Numa temporada que tem sido marcada por muitas surpresas – nomeadamente a significativa diferença de desempenho dos monolugares de cada equipa a cada Grande Prémio – a direção de corrida de Wittich tem estado muito pressionada, depois de algumas decisões polémicas durante os GP em solo americano – tanto nos EUA como no México.

Esta temporada tem ainda sido marcada por uma série de alterações nas equipas, com pilotos a entrar e a sair – como foi o caso de Sargeant, na Williams, ou de Ricciardo, na Visa Cash App RB – e outros a anunciar mudanças para 2025 com um campeonato inteiro ainda pela frente. Aqui, destaque para a troca de Hamilton, que sai da Mercedes para a Ferrari, o que deixou Carlos Sainz sem equipa até assinar pela Williams, onde deverá ocupar o lugar de Franco Colapinto (apesar de o piloto ter estado a revelar um desempenho muito competitivo ao lado de Alex Albon).

Mais recentemente, a F1 esteve nas páginas dos jornais porque o presidente da FIA decidiu multar vários pilotos pelo uso de “linguagem ofensiva”. A associação de pilotos de grandes prémios criticou abertamente a decisão de Ben Sulayem, afirmando que é preciso tratar os desportistas “como adultos” que são.

Ben Sulayem tem vindo a criticar alguns dos pilotos pela utilização de vernáculo durante as corridas, em comunicações que, a bem da verdade, são geralmente dirigidas apenas às suas equipas. No entanto, correm rumores, nos bastidores da modalidades, de que a FIA está demasiado preocupada com as audiências em mercados como os EUA – onde muitas crianças começam a assistir às corridas de Fórmula 1 graças ao sucesso da série ‘Drive to Survive’ – e que pode estar a ser pressionada pela Liberty Media na tomada destas posições.

Numa altura em que a tensão está ao rubro, com o campeonato quase decidido – mas ainda matematicamente possível de não ser ganho pelo piloto neerlandês Max Verstappen – a mudança de diretor de corrida vem apenas apimentar mais um pouco uma temporada que se tem revelado mais animada do que se previa.

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