Muito poucos discordarão de que um dos fatores que mais impulsionou a civilização ocidental foi a adoção do método científico na interpretação da fenomenologia no mundo que nos rodeia. Dito de uma forma simples, o método pressupõe a aceitação a priori de princípios gerais sobre os quais se elaboram modelos, isto é, reproduções simplificadas da realidade nas quais se retém o essencial e se ignora tudo o que se considera ser acidental. Por isso, conforme fez notar o estatístico inglês George Box, “todos os modelos estão errados, mas alguns são úteis”.

Na abordagem dos incêndios de vegetação, bem como no seu combate, quer em Portugal quer noutros ecossistemas mediterrânicos severamente afetados pelo fogo, como em Espanha, França, Chile, Califórnia e Austrália, têm-se revelado especialmente úteis dois modelos em que o problema é encarado de uma forma integrada: trata-se de um modelo integrado de regime e de um modelo integrado de gestão.

O modelo integrado de regime de incêndios de vegetação tem por base o triângulo clássico do fogo, de acordo com o qual é condição necessária para uma combustão que se tenha oxigénio que alimente a chama, material que possa arder e uma ignição que despolete a reação química. Transposto para um incêndio de vegetação, os três fatores correspondem, respetivamente, à atmosfera que garante a oxigenação, à vegetação em que se inicia e se propaga o fogo, e à atividade humana que está na origem da esmagadora maioria das ignições. Na mesma linha, à escala climática da trintena de anos, a análise da distribuição espaciotemporal dos incêndios processa-se à luz do clima, que regula a meteorologia, da paisagem, que determina o comportamento da vegetação, e da dinâmica das populações, que modula as ignições.

O modelo integrado de gestão de incêndios de vegetação assenta, por sua vez, em três princípios orientadores: o princípio da luta contínua, o princípio do comando único e o princípio da vontade de vencer. O princípio da luta contínua considera como prioritárias as campanhas de informação e sensibilização da população, bem como as ações de prevenção do fogo, as quais incluem o fogo controlado, a construção e manutenção de aceiros, a limpeza das matas e o desbaste de terrenos em volta das habitações; segue-se a monitorização do estado da vegetação, quer em termos de quantidade de biomassa quer de stresse térmico e hídrico em resposta a condições atmosféricas adversas duradouras (como as secas) ou intensas (como as ondas de calor) e a previsão de situações de perigo meteorológico elevado de incêndio com base em modelos da circulação atmosférica; por último, tem-se o combate que envolve uma teia complexa de meios e procedimentos relacionados com o alerta e o ataque inicial, a proteção de vidas e bens e o rescaldo. No que respeita à fase de combate, é muito importante sublinhar que é sempre encarada como uma falha dos dois primeiros níveis de atuação. Já de acordo com o princípio do comando único, todo o plano de gestão deve reger-se por uma só direção e desenrolar-se através de um sistema de hierarquias perfeitamente definidas. Finalmente, o princípio da vontade de vencer implica a instilação na sociedade civil de um sentimento geral de confiança que garanta o sucesso do plano a implementar.

De acordo com o princípio da luta contínua, os trágicos acontecimentos da semana passada devem começar por ser analisados em termos das duas primeiras fases, isto é, da informação/sensibilização e da prevenção. A diminuição que tem vindo a ser observada no número de ignições, em particular após a tragédia de 2017, constitui um indicador do resultado positivo das campanhas de sensibilização e informação promovidas junto das populações, em particular a Portugal Chama e a Aldeia Segura; já no que respeita às ações de fogo controlado e de limpeza, tem-se registado um atraso dos objetivos a alcançar, tendo as televisões difundido imagens de vastas áreas não geridas a serem consumidas pelas chamas e registado queixas de vítimas apontando vizinhos que não limparam os terrenos, em incumprimento da legislação. As imagens difundidas de eucaliptos a arder contribuíram também para reavivar as velhas suspeitas de que seria essa espécie não autóctone a grande responsável pelos grandes incêndios. Uma tal suposição não é, no entanto, suportada, nem pelas estatísticas oficiais, que mostram que, entre 2001 e 2023, os matos representam quase metade da área ardida, enquanto os eucaliptais apenas contabilizam menos de um quinto, nem pelos estudos científicos que demonstram que a propagação dos grandes incêndios se efetua preferentemente por áreas não geridas ou subgeridas, sendo o percurso do fogo essencialmente indiferente à espécie.

No que respeita à previsão, verifica-se que, desde 2017, as informações de stresse da vegetação e de perigo meteorológico de incêndio são cada vez mais eficientemente integradas pelos analistas de previsão do fogo, tendo-se observado, em particular, melhorias significativas na eficácia do combate inicial aquando de situações de perigo elevado concentradas em áreas limitadas do território, as quais resultam de um posicionamento atempado das forças de combate nas vizinhanças das regiões de maior perigo. Já no início da semana passada, o posicionamento estratégico das forças de combate foi particularmente difícil, uma vez que a situação meteorológica foi responsável pela concorrência de valores elevados de temperatura do ar, valores baixos de humidade atmosférica e valores altos de velocidade do vento que, apesar de não representarem valores excecionais quando tomados individualmente, determinaram em conjunto valores recorde de perigosidade meteorológica que abarcaram extensas regiões a norte do rio Tejo.

À excecionalidade das condições meteorológicas e às limitações na gestão de combustível juntou-se ainda o número elevado de ignições registadas, as quais foram atribuídas pelo Governo e por outras instituições a mão criminosa ao serviço de interesses particulares obscuros. Se a origem das ignições deve ser investigada e os autores de ignições criminosas severamente punidos, há que ter sobretudo em conta que essas ignições representam uma fração pequena da totalidade, em particular das relacionadas com o uso negligente do fogo em atividades agrícolas e silvopastoris. Há muito se sabe que as ignições com origem humana estão presentes ao longo de todo o ano, especialmente em zonas densamente povoadas como aquelas em que se registaram os grandes incêndios, sendo os efeitos das ignições potenciados aquando de condições extremas de perigosidade meteorológica como as verificadas. E há ainda que ter em conta os reacendimentos, bem como as ignições que resultaram de projeções dos incêndios ativos.

De acordo com o princípio do comando único, todo o plano de gestão [no combate] deve reger-se por uma só direção e desenrolar-se através de um sistema de hierarquias perfeitamente definidas

No que respeita à eficácia do combate e à justeza das decisões tomadas haverá que esperar pelos relatórios das comissões especializadas. Ainda assim, em termos de desvirtuação do princípio do comando único, não pode deixar de se fazer menção às críticas negativas, sobretudo por parte da Liga dos Bombeiros Portugueses, às decisões tomadas pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, nomeadamente por se tratar de declarações proferidas publicamente durante os dias mais críticos do combate.

O flagelo recorrente dos grandes incêndios rurais implica por sua vez um envolvimento integrado da sociedade, aos níveis político, económico, informativo, educacional e cultural. Só assim se poderá esperar uma resposta concertada aos desafios postos pelas alterações climáticas, que irão aumentar a frequência, extensão e intensidade dos eventos de perigo meteorológico extremo de incêndio, e aos sacrifícios económicos exigidos pelo ordenamento do território com vista a diminuir drasticamente os megaeventos de incêndio. É precisamente neste âmbito que o princípio da vontade de vencer assume importância primordial: na guerra contra os grandes incêndios, porque de uma guerra se trata, a vitória só será possível caso o que está em causa seja considerado um desígnio nacional. Tal pressupõe um entendimento coletivo da natureza do problema, das formas de o resolver e, sobretudo, das tremendas implicações da sua não resolução aos níveis socioeconómico, ambiental, de saúde e de qualidade de vida. Infelizmente, as recentes declarações, que visam reduzir a problemática dos grandes incêndios à proliferação de atos criminosos e as manifestações, ações de protesto e comentários nos media que quase exclusivamente se focam na exploração do eucalipto, não auguram nada de bom.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

É outra vez a novela do Orçamento do Estado (OE). Não é que seja a coisa mais importante do mundo. Passe ou não, haja eleições antecipadas ou não, nada de muito substancial se alterará. Afinal, o ministro Sarmento enganou-se na leitura dos números e o Estado vive num desafogo a que poucas vezes assistimos em democracia; a nossa economia está imparável, tão imparável que consegue aguentar todos os aumentos possíveis e imaginários para as corporações mais vocais bem como todas as descidas de receitas.

Claro que o Estado não encerrará a sua atividade em 2025 e há um mundo lá fora que está particularmente conturbado e que pode não nos comprar tantos produtos nem mandar tantos turistas como nos últimos anos. Claro que a receita estatal varia muito, mas a despesa é muitíssimo rígida e subindo não há grande forma de a descer.

No mesmo sentido, tudo ficará aproximadamente na mesma havendo eleições. Como na maioria dos países europeus, a atomização partidária não garante governos sólidos e as eleições sucedem-se a uma velocidade vertiginosa. Acresce que na nossa terra perdeu-se a vontade de negociar e nem plataformas minimamente estáveis de entendimento permitem a passagem de dossiers estruturantes no Parlamento.

Pronto, com jeito, o nosso fulgor económico aguentará os problemas das economias com que nos relacionamos, crises políticas, eleições e quejandos. Se não aguentar, chamaremos o banqueiro do tempo da Troika para voltar a informar-nos de que “ai a gente aguenta, aguenta”.

Seja como for, e aqui chegados, já se percebeu o essencial: o PS está desesperado para que o OE passe e o Governo está a fazer tudo para que tenhamos eleições antecipadas. Sabendo que Montenegro não se aborrecerá muito se tiver de ficar no poder com o OE incólume.

Pedro Nuno Santos sabe, como todos sabemos, que mesmo que ganhe umas possíveis eleições antecipadas será sempre por muito pouco e não conseguirá formar governo e a sua equipa tem demasiados antigos colegas da jota para ser a indicada para apresentar soluções capazes. O homem precisa de tempo para consolidar a sua imagem, para formar uma equipa e apresentar ideias próprias.

Por outro lado, legislativas próximas das autárquicas ou o que quer que possa contaminar externamente essas eleições é tudo o que o PS quer evitar. Basta que Pedro Nuno pergunte aos autarcas socialistas o que pensam sobre eleições antecipadas.

Para o PSD, o cenário nas próximas locais é mesmo muito negro. Os presidentes de muitas das principais câmaras que governa (Braga, Aveiro, Cascais, etc.) atingem o limite do número de mandatos e os sucessores não constituem boas alternativas. Mas pior do que isso é que bastando uma maioria simples para ganhar um município, o Chega põe seriamente em causa a possibilidade de o PSD vencer em muitas câmaras.

A previsível vitória do PS nas autárquicas seria não só um momento de consolidação para Pedro Nuno Santos, mas também um em que poderia pôr a governação em causa de forma sustentada. Ter essas eleições mais próximas das legislativas ou passar a imagem de que se contribuiu para uma crise política (o governo controla sempre a narrativa) é tudo o que Pedro Nuno quer evitar.

Luís Montenegro continua a preparar tudo para eleições e agora já é evidente que o faz desde o discurso de vitória. Como aqui já escrevi, o primeiro-ministro sabe que o Chega está mais frágil, que os aumentos às corporações e os presentes aos reformados o ajudam muito, que controla a narrativa política e que poderá muito provavelmente culpar com sucesso o PS de ter levado o País para eleições que os cidadãos não querem. A vontade de eleições está tão presente que até os incêndios serviram para umas tiradas populistas (“interesses que sobrevoam” e justicialismos) destinadas a retirar votos ao Chega.

O PSD sabe que não atingirá uma maioria absoluta, mas um crescimento em número de deputados face ao PS e a diminuição do grupo parlamentar do Chega dar-lhe-iam bem mais força política e uma legitimidade acrescida.

Não foi em vão que Montenegro anunciou que o Governo não quer governar em duodécimos.

Só há um absurdo nesta história toda, a aprovação de um OE estar dependente da aprovação de uma proposta desprovida de qualquer hipótese de eficácia, injusta, geradora de mais desigualdade e que provocará um rombo nas contas do Estado: o IRS jovem. Podem contestar-se os argumentos acima aduzidos para decifrar a vontade de eleições de Montenegro, mas não acredito nem por um segundo que o primeiro-ministro ache esta enormidade boa e útil. Se a medida for linha vermelha para o PSD, não restarão dúvidas a ninguém, nem sequer aos militantes do partido, de que foi Montenegro a querer eleições antecipadas.

Não, não me esqueci do Chega, do teatrinho de segunda-feira e muito menos de quem penso que seria um grande perdedor numas possíveis eleições antecipadas. Ventura é imprevisível, mas não é inconsciente, pode ser que dê a Montenegro um presente que o primeiro-ministro não deseja.

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Nas muitas tonalidades que nos são dadas dentro do conceito de liberdade, não haja grandes dúvidas de que é melhor viver em Portugal do que na Coreia do Norte. Ou do que na Arábia Saudita para quem é mulher. Mas a ilusão de que somos cidadãos dentro do mercado – e não apenas contribuintes e consumidores – estilhaça-se quando ouvimos histórias como a do “cartel da banca”.

Já toda a gente o sabia, no fundo, mas vamos levando a vida sem pensar muito nisso, perante o sentimento de impotência que a situação nos coloca. Qual é a alternativa? Não comprar a casa de que precisamos? Mas depois vem o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão abalar esta convivência conformada com o mercado nada livre, e deixa-se instalar a revolta.

Onze bancos foram condenados pela prática de cartel durante mais de uma década, entre 2002 a 2013, trocando informações sobre spreads futuros, por exemplo, retirando às famílias e às empresas o poder de escolha sobre o crédito que iam fazer, numa “prática concertada” e largamente “disseminada” no mercado bancário português, palavras da juíza Mariana Gomes Machado, que acrescentou na leitura da sentença: “A habitação é um ativo relevante para as famílias portuguesas”. É.

E depois vem a lista das coimas. A mais gravosa, no valor de 82 milhões de euros, vai para a Caixa Geral de Depósitos, o banco do Estado. O banco que devia ser a referência, o pêndulo que evitaria maiores ganâncias à custa das famílias endividadas, e que no primeiro semestre deste ano obteve um lucro de 889 milhões de euros.

A multa será uma gota no oceano da voracidade do dinheiro, mas devia ser algo de vergonhoso. Não é. A juíza também sublinhou a “ausência de sentido crítico” dos bancos em relação ao que fizeram, o que preto no branco quer dizer que não se arrependem em nada. Mas porque esperaríamos que o “mercado livre” – entidade da qual sabemos que é apenas permeável aos nervos, quando os mercados se “enervam” – fosse dotado de sentimentos de empatia e solidariedade?

Numa entrevista à VISÃO, o empresário André Jordan, já falecido, dizia: “‘Para um pequeno empreendimento, ninguém te dava um tostão. Mas se falarmos em milhões, aí aparece o dinheiro.” Tudo remará pelo sucesso do grande empreendimento e das contas aos juros que esses milhões emprestados vão trazer, e a sua queda está fora de questão – ainda que seja uma loucura, torna-se “too big to fail”, mete-se mais dinheiro se for preciso, numa espiral que um dia será paga, também, por quem pediu um empréstimo de 120 mil euros para comprar uma casa.

Voltamos à lista: BCP, Santander, BPI, Montepio, BBVA, BES, Bic, Crédito Agrícola e UCI. Um total de 225 milhões de euros em coimas. Havia mais instituições bancárias no processo, mas a infração do Abanca prescreveu e o Barclays ficou apenas com uma admoestação, uma vez que recebeu clemência por ter denunciado todo o esquema à Autoridade da Concorrência.

Estas decisões dos tribunais e as investigações da Autoridade da Concorrência são também geradoras de dúvidas: os reguladores que o mercado criou para si funcionam ou criam-nos a ilusão de que funcionam, muito de vez em quando, não chegando os seus braços a tantos outros cartéis? Pior: trazer um processo de cartelização à luz do dia pode, de facto, mudar alguma coisa? Liberdade ainda vai havendo, para pensar nisto tudo.

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A diplomacia e a pressão internacional ainda têm força para evitar mais um desastre anunciado? Uma grande coligação de esforços diplomáticos conseguirá impedir uma invasão terrestre do Líbano por parte das forças militares israelitas? As perguntas vão ecoar um pouco por todo o mundo, nas próximas horas e dias, sem que alguém tenha sequer a ilusão de ter uma resposta definitiva para elas. 
Durante a madrugada, os EUA, a França e uma série de outros aliados ocidentais lançaram um apelo para que seja decretado um cessar-fogo de 21 dias na fronteira entre Israel e o Líbano, mas a perceção crescente é a de que a janela de oportunidade para evitar uma escalada de guerra é cada vez menor. Os bombardeamentos israelitas dos últimos três dias causaram a morte de 600 pessoas, muitas delas mulheres e crianças, e obrigaram ao deslocamento de 10% da população do Líbano. Por sua vez, o Hezzbolah deu ontem o maior aviso sobre a sua capacidade de resposta, ao conseguir atingir Telavive com um míssil que, no entanto, foi destruído pelas defesas aéreas de Israel, ante de causar qualquer dano. 
Os dados estão lançados e, infelizmente, não são animadores. Israel já reforçou a sua presença militar na fronteira com o Líbano, fazendo deslocar duas brigadas de reservistas – muitos deles vindos diretamente de Gaza. E, numa comunicação às tropas, o máximo general israelita, Herzi Halevi, disse que os bombardeamentos dos últimos dias destinaram-se a destruir a infraestrutura do Hezzbolah – já com a capacidade de comunicação amputada entre os seus membros, desde os ataques aos pagers e walkie-talkies -, para preparar uma invasão terrestre, de larga escala, destinada a aniquilar por completo a milícia xiita, que controla de facto o Líbano, com o apoio do Irão. 

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Tudo se conjuga, no Médio Oriente, para o combate final entre Israel e o Irão. O Hamas e o Hezbollah são meros instrumentos por procuração de Teerão para desgastar o poder militar israelita, mas pressente-se que nada ficará como era até Outubro do ano passado.

Telavive destruiu a capacidade operacional do Hamas, está fortemente empenhada em acabar com o «Estado» dentro do Líbano que é o Hezbollah, com mais meios militares fornecidos pelo Irão, e para isso terá de usar forças terrestres para controlar e eliminar as posições do grupo terrorista.

Teerão sabe que não demorará muito a ter de enfrentar as Forças de Defesa de Israel. Esse combate está aprazado e levará a alterações geoestratégicas impensáveis há um ano. Quem desencadeou este inferno, inaceitável para todos, cometeu uma das maiores e mais irrefletidas decisões políticas e militares deste século – a outra foi a invasão da Ucrânia – , e isso deverá ser atribuído ao mandante e não apenas aos executores.

O Líbano poderá recuar décadas em mortes e sofrimento, para não falar de destruição, e a sua frágil paz interna, dificílima de alcançar, arrisca-se a desaparecer neste conflito entre Israel e o Hezbollah.

Apareceu mais uma tenda na esquina da Almirante Reis com a Rua Nova do Desterro, no antigo Hospital do Desterro, no centro de Lisboa. É mais uma, porque nos últimos meses multiplicam-se as pessoas forçadas a viver assim na rua. Mas esta tem uma carga simbólica. Está ali por pouco tempo, só o suficiente para denunciar um contrato em que o Estado vendeu um terreno por um preço, à luz das médias especulativas, pouco mais do que simbólico a um privado a quem a Câmara de Lisboa deu licença para construir mais um hotel e habitação de luxo.

“Este terreno foi vendido por 10,5 milhões de euros em dezembro de 2021 pela Estamo a um privado. Entretanto, houve alteração ao PDM que permite aqui a construção de um hotel e de habitação de luxo”, conta à VISÃO Nuno Ramos de Almeida, um dos organizadores do protesto que antecipa as manifestações convocadas pela plataforma Casa Para Viver, este sábado, por todo o País.

Terreno de luxo a preço de saldo

Ramos de Almeida faz as contas ao negócio. “Com uma área edificável de 18.705 metros quadrados, isso significa que a Estamo, que é do Estado, vendeu o metro quadrado a 561,32 euros”.

Os números do INE, divulgados em julho, apontam para um preço médio de 4.190 euros o metro quadrado em Lisboa. Quase dez vezes mais do que a Manside Investments pagou à Estamo, oito anos depois de ter assinado um acordo com a Câmara de Lisboa para a reabilitação do antigo Hospital do Desterro.

Na altura, no Idealista, a promotora anunciava que naquele espaço ia nascer um hotel de quatro ou cinco estrelas e uma “componente de alojamento mais descontraído”, ambas geridas pela Zero Hotels. O projeto ainda contempla uma área de restauração.

“O preço médio do metro quadrado é esse, mas aqui estamos a falar do centro de Lisboa, na colina de Santana. Mesmo que gastem o dobro em obras do que pagaram por metro quadrado, isso significa que um apartamento de 100 metros quadrados teria um preço de custo de 56 mil euros, um apartamento que podem vender por milhões”, denuncia Nuno Ramos de Almeida, para quem a história deste negócio é uma ilustração de como o Estado tem contribuído para a especulação imobiliária em Lisboa.

Segundo o site Idealista, em agosto de 2024 o metro quadrado na freguesia de Arroios estava nos 5.296 euros. Em setembro de 2022, pouco antes da Manside Investments assinar a escritura com a Estamo, o preço estava nos 4588 euros por metro quadrado. O que significa que um apartamento com 100 metros quadrados custaria nessa altura 458.800 euros e agora 529.600 euros.

“O Estado está a vender a um preço miserável o seu património e enquanto isso a Almirante Reis está cheia de tendas. Cada vez mais quem trabalha está obrigado a morar em tendas”, critica Ramos de Almeida.

Sem-abrigo em Lisboa aumentaram 25% no último

Segundo a Comunidade Vida e Paz, só em Lisboa há mais de 530 pessoas a viverem nas ruas, um número que subiu 25% no último ano. Um crescimento que é visível, segundo esta entidade, sobretudo em zonas como o Oriente, o Rossio, a Avenida Almirante Reis e a Avenida de Ceuta.

É em dados como este que o Casa Para Viver sustenta o protesto que vai acontecer este sábado, dia 28 de setembro, em várias cidades do País, entre elas Lisboa.

“Há cada vez mais lisboetas que são expulsos da cidade para ser construída uma cidade cenário para turistas. Somos um país pequeno no velho continente, mas Lisboa é a terceira cidade da Europa que vai abrir mais hotéis até 2026. São 36 novos hotéis e 4424 quartos”, lê-se num comunicado desta plataforma, que junta vários coletivos que denunciam o facto de este fenómeno ser cada vez mais nacional.

“Esta situação existe em outras cidades e regiões de Portugal, como Algarve, Lisboa e Porto com índices de Alojamento local muito superiores a cidades turísticas como Barcelona e Amesterdão”, afirmam os ativistas.