O ultimato de Donald Trump, com a ameaça de tarifas de 30% às exportações dos países da União Europeia, já a partir do primeiro dia de agosto, pode ser, no final, apenas mais um truque negocial do Presidente dos EUA. Mas não deve ser encarado com leviandade ou indiferença pelos líderes europeus, porque já se percebeu que, na cabeça de Trump, não existem aliados nem amigos ‒ e até mesmo os inimigos ou adversários vão variando conforme os interesses que ele quer proteger. Quando ameaça com mais e mais tarifas ‒ que só por ilusão podem ser consideradas “recíprocas”, como gosta de lhes chamar ‒, Donald Trump não procura ser razoável ou minimamente justo. Apenas lhe interessa obter o maior ganho possível, de preferência deixando o adversário prostrado e à mercê de novos e duros golpes, como se habituou a ver nos combates de Mike Tyson, nos ringues instalados nos seus casinos de Atlantic City, quando era um dos principais promotores do circuito profissional de boxe. Nessa época, Trump assistia, na primeira fila, à forma como o pugilista destruía oponentes, uns a seguir aos outros, graças à potência e velocidade dos seus socos. E, mais importante ainda, percebeu como a pose intimidatória e a postura assassina podem destruir o ânimo e a coragem do adversário, mesmo antes de soar o gongo para o início do combate.

Ao longo dos últimos meses, têm sido usadas várias formas para enfrentar Trump, sempre que ele avança com mais uma onda de tarifas, esgrimindo números que, a serem concretizados, podem ter o poder de destruir economias nacionais, com ondas de choque globais. Alguns tentaram a conciliação, outros acreditaram que poderiam negociar taxas mais “justas”. Até agora, quase todos apenas conseguiram uma mão-cheia de nada. E continuam à mercê de novas e sucessivas ameaças de Trump, mesmo quando aceitaram algumas das suas exigências. Veja-se o caso da Coreia do Sul, que concordou em deslocar uma parte considerável da produção da Hyundai para os EUA, mas que, no fim, acabou por ter de enfrentar uma tarifa de 25%, igual à do Japão e de outros países que não tinham feito quaisquer concessões.

O problema, além do mais, é que já se percebeu que Trump vai continuar a jogar com a sua posição de força, enquanto ninguém o enfrentar de igual para igual. E se hoje as tarifas são lançadas contra a União Europeia sob o pretexto de os EUA quererem equilibrar a balança comercial entre os dois lados do Atlântico, o mais certo é que, no futuro, a mesma chantagem seja usada para outros fins. Quem agora capitular perante Trump ficará à mercê de novas tarifas, como retaliação por deixar de comprar armamento aos EUA ou decidir enfrentar e regular as grandes tecnológicas norte-americanas.

É por isso que a União Europeia, mesmo que possa sofrer no curto prazo com a quebra de exportações em alguns setores, precisa de manter a firmeza e a coragem. Enquanto Donald Trump pensa no ganho imediato, a Europa tem de olhar para o longo prazo, começar a procurar alternativas para a sua produção e reforçar a sua autonomia estratégica.

As crises, como sabemos, podem ser transformadas em oportunidades. Em especial quando, neste caso, permitem uma clarificação acerca das verdadeiras intenções de uma América apenas interessada em ser grande outra vez, sem qualquer respeito pelos interesses dos supostos amigos e aliados.

Embora continue a ser um bloco económico de primeira linha, a União Europeia foi perdendo, nos últimos anos, alguma da sua importância geoestratégica, por causa das divisões emergentes e de processos de decisão demasiado burocráticos e opacos. Agora, se tiver a coragem de enfrentar Donald Trump olhos nos olhos, terá uma oportunidade para recuperar uma parte da importância perdida. E, resolutamente, apostar na inovação, diversificar mercados e estabelecer pontes e parcerias com os outros prejudicados pela política do “América primeiro”, como já está a acontecer, por exemplo, com o Japão e a Indonésia.

Tendo sempre presente que a distinção não pode ser só económica. A resistência e a coragem perante Donald Trump só fará sentido se servir também para a Europa reafirmar os seus valores democráticos, de justiça social, de respeito pelos direitos humanos.

O magnífico palácio de Karlsruhe foi o centro do poder da família von Baden, senhores do grande ducado com o mesmo nome, que hoje faz parte da Alemanha. 

Foi aqui que nasceu e passou a infância  Josephine de Baden, a mãe de Stephanie, e foi neste lugar que morreu o seu  irmão, o tio de D. Estefânia, herdeiro de Baden. O título passou então, por falta de um descendente varão, para os meios-irmãos do avô Karl, filhos de uma odiada madrasta. 

Seria só por si uma história triste, mas o que aconteceu a seguir vai torná-la uma história trágica que, literalmente, deu um filme. Contamos-lhe tudo neste episódio dos Lugares desta História. 

Esta série em vídeo e podcast, feita em parceria com a VISÃO, é também um incentivo a que faça as malas e vá conhecer estes lugares com os seus próprios olhos.

Netanyahu anunciou nomeação do truculento Trump para o Prémio Nobel da Paz, seguindo as pisadas do Paquistão, que o anunciou inicialmente, há dias, quando os EUA estavam prestes a bombardear o Irão.

Trump finge que os EUA ganham muito com a sua gestão, mas o défice público do país aumentou 6%, segundo dados do Tesouro e quem paga o desvario das tarifas é o consumidor americano.

Putin diz que quer a paz mas só faz a guerra e é um imperialista assanhado que já perdeu a vergonha há muito tempo, bombardeando constantemente as populações civis da Ucrânia.

A China finge que é neutra na Ucrânia mas favorece a Rússia por baixo da mesa, à conta do petróleo russo baratinho e de olho em Taiwan.

A ministra da Saúde faz-de-conta que é a responsável política mais direta pelo estado do SNS, mas não mexe uma palha e cada vez estamos pior com um serviço de urgências miserável, como comprovam mais vinte e cinco mil utentes sem médico de família. Sabe-se agora que ignorou alertas do Tribunal de Contas, INEM e Força Aérea para abrir concurso dos hélis a tempo e horas.

O diretor do SNS finge que exerce as suas funções, mas sacode a responsabilidade e chuta para canto, limitando-se a receber um salário chorudo ao fim do mês.

O director do INEM faz-de-conta que essa estrutura paga pelos contribuintes faz emergência médica, mas dispõe de um único helicóptero que consegue operar durante a noite e que não tem condições para aterrar em nenhum heliporto hospitalar. Entretanto, a ministra da Saúde ignorou os alertas do INEM, Tribunal de Contas e Força Aérea para abrir concurso dos hélis a tempo e horas. E o que faz o diretor? Assobia para o lado.

O ministro das Infraestruturas finge que, quando era oposição, não disse que tinha sido necessário morrer uma pessoa para a então ministra da Saúde se demitir. Agora também morreram pessoas e ele, moita-carrasco.

O primeiro-ministro faz-de-conta que não disse há oito meses que estava apostado em promover o reagrupamento familiar dos imigrantes, e agora vai às compras para a extrema-direita.

O Procurador-Geral da República sugeriu nas entrelinhas a inversão do ónus da prova no caso Marquês, como se as leis do País pudessem ser alteradas quando os arguidos são mediáticos ou tóxicos.

O presidente da Assembleia da República faz-de-conta que preside à casa da democracia, mas não preserva a persistente selvajaria verbal de uma certa bancada, que até utiliza nomes de crianças para desenvolver discurso de ódio. Em nome da liberdade, Aguiar Branco contribui ativamente para a destruição dessa mesma liberdade e da democracia.

Cidadãos portugueses de Samora Correia fingem que são civilizados e tolerantes, mas colocam duas cabeças de porco num local isolado e destinado à construção duma mesquita, a que se opõem.

O líder parlamentar do PSD, quando questionado sobre a fuga de mais dois presos de Alcoentre, felicitou as forças policiais pela rápida captura, mas nada disse sobre a crise estrutural que dá origem a essas mesmas fugas, que são recorrentes.

Apesar da baixa natalidade e do conhecido envelhecimento da população portuguesa, há quem continue a pensar que o País não precisa de imigrantes. No entanto, as estatísticas preveem uma quebra de 23% dos trabalhadores portugueses até 2060, com as óbvias consequências para a economia nacional.

A Europa Ocidental registou o mês de junho mais quente de sempre. Portugal e Espanha chegaram aos 46°C, e agravam-se cada vez mais os fenómenos atmosféricos esquisitos e súbitos em todo o globo, porém, o poder político continua cego e surdo à realidade das alterações climáticas, a caminhar alegremente para o abismo. Entretanto, e segundo o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais, a área ardida no País quase que triplicou face a 2024 e os fogos aumentaram 68%, entre 1 de Janeiro e 11 de julho.

Em suma, vivemos num mundo de faz-de-conta, uma espécie de Alice no País das Maravilhas, mas de pernas-para-o-ar. Ou, como dizia Shakespeare: “Assim que nascemos, choramos por nos vermos neste imenso palco de loucos.”

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O País pode estar a viver uma época de ouro em termos de turismo, segundo a Organização Mundial de Turismo, com implicações diretas na economia.

Fonte: World Travel & Tourism Council

Jerome Powell está na mira de Trump, e o secretário do Tesouro já anunciou que está em curso o processo de escolha de um novo presidente para a Reserva Federal Americana. Foi durante o primeiro mandato que Trump escolheu Powell, considerando-o o melhor do mundo. Agora classifica-o publicamente como um «idiota».

A razão é simples: a FED mantém as taxas de juros nos 4%, enquanto o presidente defende que deveriam situar-se, nesta altura, em 1%. Powell argumenta que há pressão inflacionista, que irá agravar-se devido às tarifas impostas, enquanto Trump pretende um FED orientado por interesses políticos e não apenas financeiros e económicos.

Powell já perdeu esta batalha, e é visível o seu esgotamento físico. Juros a 4% obviamente não incentivam o investimento nem o consumo; contudo, a realidade das tarifas fará disparar a inflação, que não dá sinais de abrandamento, diminuindo o valor real do dinheiro. A questão é que a estratégia de aumentar o preço do dinheiro para equilibrar consumo e investimento também gera um efeito duplamente negativo na economia.

Não existem receitas seguras e recomendáveis, mas a abordagem atual da FED está claramente obsoleta. Não se pode lidar hoje com os problemas económicos da mesma forma que se fazia há meio século. O BCE tem seguido o caminho correto, e é isso que Trump deseja ao procurar escolher um novo presidente para a Reserva Federal Americana.

A maioria de nós conhece o seu grupo sanguíneo – A, B, AB ou O – e se são Rh positivo ou negativo. Mas estas categorias assim representadas (letras e sinal positivo ou negativo) correspondem a apenas dois de dezenas de sistemas de grupos sanguíneos que determinam a compatibilidade para as transfusões. Eram 47, agora passaram a 48, com a descoberta, em Guadalupe, de um tipo classificado como Gwada negativo.

A única portadora conhecida é uma mulher que se submeteu a análises como parte da rotina de preparação para uma cirurgia: o seu plasma sanguíneo reagiu contra todas as amostras de potenciais dadores testadas, incluindo as dos seus próprios irmãos. Para perceber o porquê, os especialistas tiveram de recorrer à análise genética de ponta e foi assim que descobriram uma mutação num gene chamado PIGZ.

Esta alteração cria um novo antigénio – uma caraterística chave que define um grupo sanguíneo – resultando numa classificação totalmente nova: Gwada positivo (com o antigénio) ou negativo (sem o antigénio).

As implicações desta descoberta podem transcender o campo das transfusões de sangue. A paciente sofre de uma deficiência intelectual ligeira e perdeu dois bebés à nascença, e os médicos suspeitam que pode haver uma relação com a sua mutação genética rara.

Mas enquanto não aprofundam o conhecimento sobre este novo tipo sanguíneo, um problema já é evidente: é impossível, para já, prever o que poderia acontecer que a paciente de Guadalupe recebesse uma transfusão de sangue não compatível com o Gwada.

Todas as identidades têm os seus lugares esquecidos de memória, especialmente quando estes são altamente incómodos e vão contra os mais básicos princípios de humanidade. Assim é o caso da relação de Portugal com a sua memória judaica, especialmente com os momentos de massacre, de morte sistemática e em quantidade que, embora os potenciais anacronismos, nos faz pensar em genocídios, entre outras barbaridades.

A par do chamado “massacre de 1506”, que teve lugar em Lisboa, na Páscoa de 1506, em que poderão ter morrido cerca de 4000 lisboetas, supostamente cripto-judeus, o roubo de cerca de 2000 crianças judias em 1493, tiradas à força aos seus pais, e enviadas em condições desumanas para São Tomé, onde morreram quase todas, é um dos eventos negros da nossa história que nunca ganhou lugar nos manuais escolares – pudera! Como é que a gloriosa gesta dos Descobrimentos poderia ser manchada?

Mas sim, teve lugar tamanha barbaridade. Este episódio encontra-se documentado em fontes da época, como Garcia de Resende, Isaac Abravanel e Ibn Verga. Este tremendo ato de desumanização de toda uma população é o centro do documentário “2000 Crianças Judias Raptadas”, produzido pela Comunidade Judaica do Porto e pela Fundação Hispano-Judia, trazendo a um patamar de consciência coletiva um episódio dramático e pouco conhecido da história de Portugal.

Já com quase 50.000 visualizações, o filme está disponível gratuitamente no YouTube, legendado em vários idiomas, e recorda a deportação de cerca de duas mil crianças judias, em 1493, ordenada pelo rei D. João II. As crianças, com cerca de oito anos, foram enviadas à força para a então desabitada e inóspita ilha de São Tomé, no Golfo da Guiné, a mais de 7.500 quilómetros de distância, depois de os seus pais — judeus sefarditas recém-expulsos de Espanha — não conseguirem pagar o tributo exigido para permanecer em Portugal. Grande parte delas terão morrido durante a viagem, e muitas outras foram comidas pelos crocodilos. A ilha ficou conhecida no mundo judaico como I Ha Timshaim, ou “Ilha dos Lagartos”.

Através de vários espaços museológicos e também de produções cinematográficas, a Comunidade Judaica do Porto tem levado à população escolar portuguesa o conhecimento que tantos nos falta sobre a história judaica portuguesa, peça fundamental para se lutar contra o antissemitismo.

Nos dias que correm, quando grassam radicalismos que fomentam o antissemitismo, filmes como este deveria ser de visionamento obrigatório na disciplina de História. Nenhum português deveria passar ao lado, quer deste terrível roubo de milhares de crianças a suas famílias, quer, ainda mais, do massacre de 1506, também alvo de um documentário produzido pela mesma comunidade.

Não se trata de olhar para o passado com os olhos de um tribunal. O passado não se altera nem se corrige. Contudo, o presente alimenta-se do passado, na medida em que a ignorância alimenta a violência, o preconceito e a perseguição.

Tanto desse distante passado nos interessa hoje para melhor compreender o mundo à nossa volta e a forma como somos instrumentalizados por ondas de reação que nos alheiam de uma mais completa visão da realidade. Sim, porque o mundo é complexo, e as memórias estão repletas de feridas, e a cura implica o conhecimento.

Inevitavelmente, é impossível ver este filme sem criar paralelos com a atualidade, com os eventos também dramáticos de 7 de outubro de 2023. Essa ligação é feita, não no filme, mas na interpretação que imediatamente qualquer pessoa acaba por fazer.

Longe das opções políticas e das linhas que cosem os gestos dos governos, o mais importante neste filme é a tomada de consciência a que ele obriga. Intenso, sem véus nem entrelinhas, trata a brutalidade olhos nos olhos. E essa, não tem cor política ou ideológica. A morte violenta e gratuita, quando bate a uma porta, fere da mesma forma.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Este ano, 2025, assinala o 80º aniversário da Organização das Nações Unidas. Nesse sentido, o secretário-geral da ONU, António Guterres, insistiu uma das ideias mais repetidas sobre a organização, “Podemos traçar uma linha direta entre a criação da ONU e a prevenção de uma terceira guerra mundial.” Esta frase positiva e confortante coloca a ONU como o travão à escalada do conflito global armado. No entanto, esta narrativa, embora parcialmente verídica, esconde várias realidades perigosamente incómodas e ignoradas. O que significa “evitar uma terceira guerra mundial” num mundo onde milhões morreram e continuam a morrer em guerras prolongadas, genocídios, fomes, e ocupações ilegais? De que forma tem a ONU cumprido o seu mandato inserido no seu preâmbulo, “salvar as gerações futuras do flagelo da guerra”, quando as guerras, mortes e sofrimento repetem-se sob a sua inação, impotência e cumplicidade.

A multiplicação das guerras

É verdade que desde 1945, o mundo não voltou a viver uma guerra total entre as grandes potências; no entanto, é também verdade que desde 1945 se têm sucedido centenas de conflitos armados, muitos deles provocados e com a participação direta ou indireta de membros permanentes do Conselho de Segurança. São exemplo as guerras na Coreia, Vietname, Congo, Argélia, Nicarágua, Angola, Bósnia, Ruanda, Darfur, Afeganistão, Iraque, Síria, Iémen, Ucrânia, Palestina, entre muitas outras. Em vários destes conflitos, a ONU esteve presente, mas foi notória a sua tremenda falta de eficácia e de efeito.

Um desses casos é o Ruanda, em 1994 – apesar de vários relatórios, de alertas de comandantes no terreno e provas da existência de genocídio, a Missão das Nações Unidas (UNAMIR) foi limitada em mandato e recursos. Enquanto mais de 800 mil tutsis eram massacrados em cem dias, a comunidade internacional preferiu o silêncio. A ONU, criada para assegurar que algo semelhante não acontecesse “nunca mais”, falhou. Em 1999, o então secretário-geral Kofi Annan admitiu os falhanços da ação da ONU e clarificou que a organização tinha aprendido com este genocídio e que a partir deste falhanço a “a comunidade internacional poderia e iria agir para prevenir ou travar qualquer outra catástrofe semelhante no futuro.” Mas será que a ONU verdadeiramente aprendeu? Não.

No ano passado, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), a pedido da África do Sul, reconheceu que existe o risco de genocídio em curso contra a população palestiniana em Gaza. Com mais de 56 mil mortos desde outubro de 2023, a destruição sistemática de infraestruturas civis, a utilização da fome como arma de guerra e a deslocação forçada de 1.7 milhões de pessoas, verificam-se os critérios definidos pela Convenção de Prevenção e Punição do Crime de Genocídio de 1948. No entanto, o Conselho de Segurança da ONU, seu órgão supremo, continua bloqueado e paralisado, no caso, devido ao veto dos EUA.

O Conselho de Segurança

O problema central da inação da ONU deve-se à ação do Conselho de Segurança, que é o seu único órgão com poder vinculativo e que é dominado por cinco países com direito de veto, tendo sido criado com base na ordem mundial em 1945 e não nas ideias de representatividade ou equidade jurídica. Com efeito, os EUA, o Reino Unido, a França, a China e a Rússia (membros permanentes do Conselho de Segurança) detêm o poder de bloqueio absoluto sobre qualquer resolução, incluindo nos casos mais graves de genocídios, crimes contra a humanidade e guerra. O veto tem sido usado para proteger aliados e ações estratégicas, encobrir crimes de guerra, travar investigações e bloquear sanções. O poder de veto usado principalmente pela URSS/Rússia e os EUA torna o direito internacional condicional e não obrigatório e o direito dos povos negociável. Quando a Rússia pode vetar resoluções sobre as suas ações na Ucrânia, ou os EUA podem vetar resoluções que ponham em causa o seu aliado Israel, o direito internacional enfraquece e o princípio da equidade jurídica é ignorado. A ideia de imparcialidade que está na origem da ONU fica comprometida. Como é possível existir um sistema que exige o cumprimento do direito internacional pela maioria, mas deixa impune os mais poderosos?

Silencio e inação

O “sucesso” da ONU na prevenção da terceira guerra mundial é uma distração. Esta celebração ignora a persistência da injustiça. Ignora que o que importa para as vítimas de Mariupol, Khan Younis, Darfur ou do Myanmar é saber se os seus filhos terão acesso a água, comida, escola, hospitais, se sobreviverão à guerra e à sua destruição sistémica ignorada ou até mesmo patrocinada pelos Estados com poder do Conselho de Segurança.

Acresce que a ONU tem continuamente falhado com as operações de paz, entre elas Srebrenica e a missão da UNPROFOR/UNPF, e Ruanda e a missão da UNAMIR. Em 2000, o Relatório Brahimi, que analisou os fracassos das missões de paz da ONU, alertava para a necessidade de reformas urgentes, no entanto, 25 anos depois, pouco mudou. A missão da MONUSCO no Republica Democrática do Congo falhou, inclusive com membros da missão a serem acusados de violação sexual. Também no Haiti, a MINUSTAH – outra missão, não resultou no melhoramento da situação no país, antes pelo contrário, a missão foi acusada de violações de direitos humanos e até de introduzir cólera no Haiti em 2010.

Vale a pena manter a ONU? Sim.

Apesar de todos os fracassos, a ONU continua a ser o único fórum de encontro multilateral onde se debatem as questões essenciais do direito internacional privado. É na Assembleia Geral que os países do Sul Global conseguem ser ouvidos, é no Conselho de Direitos Humanos que se documentam as violações, é nas agências como a OMS, UNESCO, ACNUR e FAO que são desenvolvidos programas de vacinação, proteção de refugiados, educação e segurança alimentar. A ONU falha, não por não ser necessária, não por não ser suficiente. A sua ausência seria catastrófica. Sem ONU, não haveria nenhuma concordância sobre o direito internacional, sem esse acordo seria impossível a responsibilização dos Estados, seria impossível a justiça para os povos.

Soluções para a ONU

A celebração dos 80 anos da ONU não pode servir apenas para reafirmar as intenções fundadoras, tem de ser o momento para a renovação do sistema. É imperioso enfrentar a rigidez de um sistema construído em 1945, que hoje está desfasado, bloqueado e ultrapassado. Reformar a ONU, e sobretudo o Conselho de Segurança, é urgente, e, ao contrário do que muitas vezes afirmado, é juridicamente possível.

A Carta das Nações Unidas prevê a sua reforma. Nos seus artigos 108º e 109º são estabelecidos dois caminhos para alterar o seu conteúdo. O primeiro, mais direto, exige uma maioria de dois terços na Assembleia Geral, seguida de ratificação por dois terços dos Estados-membros, incluindo todos os membros permanentes do Conselho de Segurança. O segundo, via Conferência Geral de Revisão da Carta, exige também dois terços da Assembleia e nove dos quinze membros do Conselho de Segurança para a convocação, sendo que a final requer, também, a ratificação de todos os membros permanentes. É claro que a reforma não está legalmente bloqueada, apenas politicamente, caso os seus membros permanentes recusem abdicar do seu poder.

Existem ainda precedentes históricos. Com efeito, os artigos 23 e 27 da Carta foram modificados em 1965, aumentando o número de membros do Conselho de Segurança de 11 para 15 e ajustando os critérios de votação. O artigo 61 foi também alterado (em 1965 e em 1973) para reformar o Conselho Económico e Social. Tal demonstra que a Carta pode ser alterada, mesmo em áreas consideradas sensíveis.

Existem até algumas propostas sobre esta matéria. Em setembro de 2024, os EUA apoiaram incluir no Conselho de Segurança dois novos membros permanentes africanos e um representante dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS). A nível jurídico, tal alteração exige novamente mudanças nos artigos 23 (sobre a composição do Conselho) e 27 (sobre os procedimentos de votação), mas é possível desde que haja vontade política. No entanto, a discussão adensa-se e torna-se bem complexa na matéria referente ao veto destes novos membros, terão ou não esse direito? O artigo 27.º, n.º 3 da Carta define que são necessários os “votos concordantes dos membros permanentes”. Pelo que, que os novos membros permanentes teriam também direito a veto. No entanto, todos os membros permanentes manteriam, naturalmente, o direito de veto e o bloqueio sistémico. Por isso é necessário ir mais longe.

A proposta mais ambiciosa, mas absolutamente necessária, seria modificar os próprios artigos 108 e 109 para remover o poder de veto dos membros permanentes num processo de reforma da Carta. Passar para um sistema de ratificação por supermaioria simples, diminuindo assim o poder das grandes potências, o que permitiria uma revisão periódica e equitativa do funcionamento da ONU. Tal medida seria revolucionária, mas tem cabimento juridico. De novo se esbarra, contudo, na necessidade de aprovação pelos membros permanentes cujo poder ora se pretende limitar.

De menor resistência diplomática, seria a criação de uma Conferência Geral periódica de revisão da Carta, realizada a cada 5 ou 10 anos, onde os Estados-membros pudessem discutir formalmente reformas para a organização. Esta conferência, prevista no artigo 109, nunca foi utilizada. Criá-la agora, em 2025, seria um passo inequívoco com vista à modernização, uma forma de institucionalizar a reforma em vez de continuar a adiá-la indefinidamente.

A ONU continua a ser necessária. Mas só será relevante se os seus membros forem corajosos o suficiente para a transformar. Porque a paz verdadeira exige mais do que o esforço de evitar uma guerra mundial. Exige enfrentar, sem medo, todas as guerras e conflitos que o mundo continua a fingir que não vê.

Coragem

Este aniversário da ONU não pode ser só um ritual de autocelebração, mas antes um momento de balanço e introspeção. A narrativa que a ONU evitou a terceira guerra mundial não pode continuar a servir de escudo para encobrir a paralisia perante inúmeras guerras prolongadas e as mortes que provocam. A ausência de conflito entre as grandes potências não apaga a existência de violência armada, fome, e do sofrimento sistemático ignorado e instrumentalizado.

A ONU falhou e continuará a falhar sempre que o direito internacional é submetido ao veto político de cinco estados. A continuada existência do Conselho de Segurança nos moldes de há 80 anos impede as ações necessárias para proteger os cidadãos que a ONU diz querer defender. Apesar das ideias fundacionais da ONU, a realidade da sua inação atual compromete a legitimidade do sistema. É necessária coragem para reformar a Carta, coragem para enfrentar o sistema de privilégio estrutural da ONU, coragem para institucionalizar o processo de revisão. Coragem para construir um sistema verdadeiramente representativo do século XXI.

A continuidade da ONU depende da sua coragem de se transformar. Está na hora de reformas concretas e estruturais. Não basta invocar o passado para justificar a inação presente.

Salvar as atuais e futuras gerações do flagelo da guerra, da destruição e da morte não é apenas o preâmbulo da Carta, é uma promessa sempre por cumprir e uma responsabilidade que não pode mais ser adiada.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Os latinos diziam dura lex sed lex (a lei é dura, mas é a lei). No caso da nova Lei da Nacionalidade, pode não ser bem assim. Em vez de forçar uma votação que já estava garantida, o Governo terá sido sensível aos argumentos do PS e aceitou que a proposta baixasse à comissão parlamentar para ser discutida na especialidade, antes de uma votação final. Foi uma forma de evitar, precisamente, que a acusação de José Luís Carneiro, feita mais pro forma do que outra coisa, tivesse (total) razão de ser: a de que, à primeira oportunidade, o Governo se tinha colocado nos braços do Chega. Mas as suspeitas de inconstitucionalidade também contribuíram para o recuo…

Fontes socialistas garantiram à VISÃO que José Luís Carneiro prefere “influenciar e, se possível, alterar esta lei” (muito mais restritiva) do que votar contra sem que isso “sirva para nada”, a não ser para a expressão de uma afirmação de princípio. O tom para o estilo de oposição está dado: o novo líder do PS não deixa de dizer o que tem a dizer – uma forte crítica ao Governo por fazer da Lei da Nacionalidade uma prioridade (seguindo a agenda do Chega) e propor um texto que vai muito ao encontro dos argumentos de André Ventura, mas, ao mesmo tempo, no Parlamento, tornar o PS relevante, numa oposição pela positiva, em que procura influenciar as principais decisões.

Por sua vez, o Governo recuou depois de parecer evidente que os problemas de inconstitucionalidade (ver caixa) fossem, à luz do que têm dito eméritos constitucionalistas, a começar por Jorge Miranda (considerado um dos pais da Constituição) simplesmente intransponíveis. Luís Montenegro, diz-nos um elemento próximo do gabinete do primeiro-ministro, quer ter um consenso o “mais alargado possível”, numa questão que, em última análise, “é de soberania”.

Encontro eclipsado

Na última quinta-feira, o País acordava, chocado, com a notícia da morte trágica do jogador da Seleção Nacional e do Liverpool, Diogo Jota, e do seu irmão, também jogador (no Penafiel) André Silva, num acidente de automóvel, em Espanha. A notícia relegou para segundo plano, durante todo o dia, o próprio início do julgamento de José Sócrates – quase sempre, em segundo lugar, no alinhamento dos jornais televisivos – e retirou completamente o palco a André Ventura, que esperava capitalizar o encontro com Luís Montenegro, na residência oficial de São Bento. Apesar do inesperado eclipse mediático, o líder do Chega saiu com a suposta garantia de um acordo: “O que posso dizer agora, até esta hora, é que temos um princípio de entendimento em matéria de regulação da imigração, em matéria de restrição da obtenção de nacionalidade, que acho que vai ser para o País muito, muito, positivo”, afirmou. Estas declarações seriam contrariadas pelo PSD, mas a suspeita instalava-se: teria Montenegro caído nos braços do Chega – como acusaria o líder do PS?

Extrema-direita Grupo “nacionalista” manifestando-se no Porto. Os imigrantes são o principal alvo do ódio desta gente

No fim de semana, a polémica teria desenvolvimentos, com declarações muito duras, durante a intervenção de Luís Montenegro, no congresso do PP, em Espanha, com o líder do PSD a acusar o PS de irresponsabilidade, durante os seus governos, o que permitira a entrada descontrolada de imigrantes: “Em Portugal, os socialistas estancaram o País e o seu desenvolvimento” e praticaram “uma política migratória irresponsável, sem regulação e sem controlo”, afirmou o primeiro-ministro, mais cá para dentro do que para os espanhóis, endossando farpas ao atual presidente do Conselho Europeu, António Costa. Na resposta, José Luís Carneiro, durante a apresentação da candidatura de Ana Mendes Godinho à Câmara Municipal de Sintra, apontou o dedo ao alegado conluio do Governo com o Chega, em matéria de imigração. “Ao primeiro movimento, o Governo caiu nos braços do Chega”, disse o líder do PS, acrescentando que o Governo da AD “interpretou mal os resultados eleitorais” porque “quatro em cada cinco eleitores votaram contra o populismo e contra o extremismo”. E recordou as palavras de Luís Montenegro sobre os populistas “destrutivos da democracia”.

Ambas as bravatas soaram a falso depois de os partidos terem acordado em fazer baixar à discussão na especialidade, pelo menos, a nova Lei da Nacionalidade.

E você, passaria nos testes?

Mas vale a pena determo-nos nos pormenores que fazem desta lei um instrumento para que a concessão da nacionalidade passe a ser uma das mais restritivas da Europa. Aliás, o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, reconheceu que, além da lei em concreto, “há um claro reforço da exigência e de limitações para obtenção de permissões para residir em Portugal”. Para já, os quatro diplomas dizem respeito à nacionalidade, à imigração, à criação de uma unidade de estrangeiros e fronteiras e a autorizações de residência. Nenhum dos temas é pacífico. Os filhos de imigrantes só adquirem a nacionalidade se os pais residirem, no mínimo, há três anos em Portugal (e não há um ano, como antes) e se a pedirem expressamente (e não automaticamente, como acontecia no regime anterior). O período de residência exigido, para se pedir a nacionalidade, aumenta para sete anos, no caso dos lusófonos, e para dez anos, nos outros casos. Além do conhecimento da língua e da cultura portuguesa, exige-se o conhecimento suficiente dos deveres e direitos dos cidadãos portugueses e da organização política do País, comprovado através de testes (nos quais, provavelmente, a maioria dos portugueses de origem não passaria…) No caso do reagrupamento familiar, que permite aos imigrantes poderem chamar cônjuge e filhos, “exige-se dois anos de residência legal para que este direito possa ser exercido” e restringe-se o pedido de reagrupamento de pessoas que estejam em território nacional “a menores” (os maiores terão de o pedir fora do território nacional e ser sujeitos a deferimento). Mais, “obriga-se a que o alojamento seja adequado e que os meios de subsistência sejam adequados, sem incluir prestações sociais”. A ex-deputada Alexandra Leitão, que é candidata do PS à Câmara Municipal de Lisboa, já declarou, em linha com o pensamento do seu partido, que o reagrupamento familiar é mesmo um fator de integração (com a frequência da escola pelos menores) e que a própria vinda das mulheres de homens que estão sozinhos é um fator de garantia de segurança.

Os quatro diplomas dizem respeito à nacionalidade,à imigração,à nova unidadede estrangeirose fronteirase a autorizações de residência. Nenhum dos temas é pacífico…

As maiores dúvidas

Um dos aspetos mais polémicos da lei tem a ver com a sua retroatividade a 14 de junho, data da aprovação do programa do Governo, na Assembleia da República, alegadamente para evitar um crescimento exponencial dos pedidos de concessão da nacionalidade, antes da entrada em vigor da nova lei. Só que a não retroatividade das leis é um princípio do Direito… O outro aspeto duvidoso diz respeito à possibilidade de retirada da nacionalidade, por sentença judicial, a quem seja condenado por crimes graves (com pena de prisão igual ou superior a cinco anos), nos dez anos subsequentes à concessão da nacionalidade. Ou seja, criando uma espécie de “portugueses de segunda” – já que aos portugueses de origem a nacionalidade nunca pode ser retirada.

Este último item sustenta, em parte, a suspeita da esquerda de que o Governo está a submeter a sua proposta às condições do Chega, mas o Tribunal Constitucional teria sempre uma palavra a dizer e é bem provável, que a palavra fosse negativa (ver caixa).

Observadores de todos os quadrantes separam os problemas específicos ligados à imigração da atribuição de nacionalidade, por serem matérias diferentes e nem sempre relacionadas. O próprio Governo, nos considerandos que fez, na apresentação da lei, considerou que a ideia de facilidade na obtenção de nacionalidade portuguesa pode estar a contribuir para atrair mais imigrantes – não acrescentando, porém, que, uma vez obtido o passaporte, muitos deles abandonam o País.

As dúvidas de Jorge Miranda

O constitucionalista e o advogado Rui Tavares Lanceiro, especialista em Direito Administrativo e Constitucional, apontam inconstitucionalidades

Retroatividade
A proposta do Governo viola frontalmente a proibição de aplicação retroativa de leis que restringem direitos, liberdades e garantias.

Prazos
O Governo pretende fazer contar o prazo de permanência em Portugal a partir da autorização de residência (que pode levar anos) em vez de a partir do pedido da mesma. Os dois especilistas consideram que isto viola os princípios de segurança jurídica, da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Cria uma situação de incerteza sobre o momento do início do prazo que deixa de estar nas mãos do cidadão para passar a estar nas mãos da Administração.

Retirada de cidadania
Viola os princípios da igualdade, proporcionalidade e universalidade, por introduzir uma diferenciação entre portugueses de origem, que não podem perdê-la nunca, e portugueses por naturalização.

Donald Trump, acompanhado pelo secretário-geral da NATO, Mark Rutte, fez um ultimato a Putin: ou termina a guerra e chega a um acordo com a Ucrânia no prazo de 50 dias, ou conhecerá o poder de fogo americano e da NATO, que será entregue a Kiev.

Trump, pela primeira vez, está do lado certo da história. Acabaram-se os mimos a Putin e as promessas não cumpridas. Num dia concorda com um cessar-fogo para negociações, e nessa mesma noite envia centenas de drones e mísseis balísticos. Moscovo já recebeu o recado e irá iniciar a terceira ronda de negociações com os ucranianos.

É precisamente este lado certo que, caso se concretize – quem ainda acredita em Putin? – poderá garantir a Trump o grande prémio: o Nobel da Paz. Mas antes disso, os melhores sistemas de defesa e ataque estarão nas mãos dos ucranianos, que passaram por momentos de inquietação quando Trump chegou à Casa Branca.

O lado certo desta história é a Rússia reconhecer e retirar-se dos territórios ocupados, permitindo que o futuro da Ucrânia seja decidido pelos próprios, e pelos seus parceiros, como aderir à União Europeia e integrar a NATO como membro efetivo. Levará tempo, mas com Trump a irritar Putin talvez seja mais rápido do que se esperava. Está tudo curioso para saber: quem será o primeiro a renegar aquilo que disse inicialmente?

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