Apesar de longo, o discurso de Ursula von der Leyen sobre o estado da União teve o condão de arrumar, por temas e fases, algumas das principais ideias que marcam o debate europeu. A primeira delas é assinalada pelas três grandes crises sistémicas confluentes: pandemia, inflação e guerra. Esta trilogia, que noutras circunstâncias teria derrubado governos, destruído a coesão da União e minado a margem de manobra das instituições comunitárias, acabou por revelar um efeito menos devastador. Apesar de tudo, os governos vão mantendo firmeza, com mudanças naturais resultantes de ciclos eleitorais; os mecanismos de resposta conjunta têm sido bem utilizados e colmataram as diferentes abordagens à volta da mesa; e as instituições têm feito valer as suas valências e articulações, para responder, muitas vezes em tempo recorde, ao avolumar dos problemas.
Em boa verdade, a Comissão, com a ajuda do Conselho, do Parlamento e dos governos nacionais, conseguiu gerar recursos conjuntos para menorizar o impacto no emprego do fecho das economias na pandemia e para comprar vacinas suficientes para europeus e países terceiros. Conseguiu gerar reservas conjuntas de gás para contornar a dependência da Rússia, conquistando maior autonomia política, e criar a unidade indispensável à aprovação de onze rondas de sanções contra o Kremlin. E conseguiu gerar a dinâmica política suficiente para não deixar cair as transições energéticas, ambiental, digital e económica, associando-as ao grande debate da autonomia estratégica industrial, securitária e tecnológica que temos de percorrer. E, como se não bastasse, reavivou o principal mote da Europa do pós-guerra, logo a seguir à consolidação da paz entre as principais potências, que é o alargamento a países que livre e legitimamente assumam o compromisso de cumprir com os critérios democráticos exigidos.