Nos últimos tempos, em especial após a última eleição presidencial nos EUA, voltou a estar em voga a discussão pública relativa aos custos e, em especial, aos benefícios de eliminar ou simplificar a regulamentação das transações económicas por parte do estado. Assim, e atendendo aos inegáveis custos financeiros que a regulamentação acarreta para cidadãos e empresas (agentes económicos), muitos têm defendido uma simplificação ou eliminação das regras que os agentes económicos têm de cumprir nos diversos setores da economia.
Sobre esta temática, têm-se pronunciado muitos autores, ao longo da história, defendendo diferentes teorias que (resumidamente) variam entre a defesa: de uma regulamentação estatal mínima, em que essencialmente a economia se autorregula; e de uma intervenção estatal total, em que a atividade económica é exclusivamente pública, sendo eliminadas a propriedade e as trocas financeiras e comerciais privadas, juntamente com a correspondente necessidade de o estado as regulamentar. Esta disparidade espelha bem a falta de consenso que a temática representa.
Adicionalmente, e não obstante da importância de serem discutidos os custos financeiros da regulamentação, questiono se não se devem simultaneamente considerar outros fatores, tal como aqueles que estão na génese da regulamentação estatal? Atendendo ao teor da presente crónica, e não obstante de existirem outros fatores relevantes, irei focar-me na importância da regulamentação, numa perspetiva ética.
Como ponto de partida, julgo importante ponderarmos se os agentes económicos agiriam de forma ética numa economia desregulamentada, i.e., essencialmente sem regras… Ou, alternativamente, se existirá uma “mão invisível” (introduzida pelo autor Adam Smith) que garanta que a interação entre comportamentos individuais egoístas, e potencialmente não éticos, resulte em transações financeiras eticamente aceitáveis para todas as partes e para a sociedade em geral?
Na minha opinião, creio que não, pelo que acredito que um dos principais objetivos da regulamentação deve ser a de estabelecer os princípios gerais de uma conduta ética em sociedade, de modo a que não sejam naturalizados comportamentos de cidadãos tendencialmente menos éticos. Em jeito de exemplo, podemos imaginar uma economia desregulamentada em que fosse permitido enganar os clientes com a venda de produtos nocivos para os seus utilizadores… Logo, não deverá a (des)regulamentação ser pensada de modo a pautar a conduta ética natural para os agentes económicos que atuam numa sociedade, penalizando comportamentos adversos?
Acredito também que a regulamentação tem como uma das suas primordiais funções garantir a inexistência de aproveitamentos económico-financeiros não éticos de informação privilegiada. Assim, e sendo natural que cidadãos e empresas disponham de informação que não é do conhecimento público, por razões de ordem cultural, financeira, educativa, entre outras, será natural, pela natureza humana, que a utilizem para se beneficiarem, prejudicando outros… Nesta situação, podemos ponderar se, por exemplo, estaríamos confortáveis a comprar produtos cuja eficácia tivesse já sido provada como nula sem o nosso conhecimento… Logo, não deverá a (des)regulamentação ser pensada de modo a que diferenças nos níveis de informação disponível não se traduzam em aproveitamentos não éticos?
Acredito ainda que a regulamentação deverá garantir a eliminação de vantagens competitivas injustas (e frequentemente não éticas). Exemplos deste fator a ponderar incluem: a concorrência entre empresas que respeitam os direitos humanos, suportando os respetivos custos, e outras que simplesmente os ignoram; ou a concorrência entre empresas subsidiadas pelo estado e outras que não são subsidiadas. Logo, não deverá a (des)regulamentação ser pensada de modo a que sejam eliminadas vantagens competitivas injustas e não éticas, em especial numa economia sem fronteiras?
Deste modo, a decisão de aumentar ou reduzir a regulamentação em vigor deve incluir a ponderação de todas as implicações que tal decisão acarreta, tal como as financeiras, económicas, ou éticas, através da realização de completas análises de custo-benefício. Assim, não se devem tomar decisões unicamente com base em fatores económico-financeiros, procurando garantir que, com a (des)regulamentação, nunca será agravado o risco de ocorrerem injustiças nas interações entre agentes económicos, sendo este mitigado ou, no limite, mantido…
Aproveito a presente reflexão para terminar com uma questão… Atendendo à tendência internacional generalizada para a criação e reforço de legislação antifraude (em países como o Reino Unido, Espanha ou Brasil) como via para reforçar a proibição e penalização de comportamentos fraudulentos, para quando a implementação de legislação antifraude, suborno e corrupção em Portugal?
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