Têm sido dias de voo altamente atribulado para o Executivo de António Costa. A Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP trouxe à luz do dia novas revelações, muitas contradições, e um diagnóstico: “há um preocupante ‘modus faciendi’ de leveza, irresponsabilidade e motivação política na gestão da coisa pública”, começa Mafalda Anjos. “A degradação da imagem do Governo é inequívoca, como é inequívoca a preocupação do PR, com um enorme imbróglio entre mãos: convocar ou não eleições antecipadas, neste cenário em que a alternativa parece não existir? Uma coisa é certa: há um cheiro a pântano no ar”, diz a diretora da VISÃO.
Filipe Luís concorda, mas marca as diferenças face a 2001, quando António Guterres saiu de cena invocando o pântano, depois de uma derrota nas eleições autárquicas. “O pântano de Guterres era diferente. O Governo estava bloqueado pelos seus erros, mas também pelo facto de haver um empate no n.º de deputados entre o PS e a oposição. Guterres estava paralisado nas areias movediças do pântano. Agora, não: Costa dispõe de uma maioria absoluta. Pode afundar-se, mas também pode navegar o pântano e sair dele. Só depende dele e do PS”, explica o editor-executivo da VISÃO.
“Estamos há um ano a falar de dissolução da Assembleia da República e da queda do Governo. Uma conversa, em parte, instigada pelo Presidente da República. Inclusivamente dizendo que estava a dar mais um ano ao Governo. Se, depois, o Presidente não atua, contribui para gerar frustração nos portugueses”, aponta o jornalista Nuno Aguiar. “Este Governo de maioria absoluta tem um ano. Cometeu vários erros e está a ser penalizado – e bem – por eles na opinião pública. Não se pode estar a falar de demissão a cada erro do Governo. Quem usa essa estratégia deve lembrar-se que terá de governar nesse ambiente. Queremos ser Itália?”
António Costa, com os seus muitos anos de luta política, “é um sobrevivente com killer instint”, diz Mafalda Anjos, “com tanto tem de diplomata e conciliador, como de animal feroz, mas mais discreto do que o outro [José Sócrates]”. “Percebeu que tinha de cortar cabeças para que a sua não rolasse. Cortou a da administração da TAP com duvidosa justa causa, cortou a de Hugo Mendes, que foi indigente em tantos erros que cometeu, cortou a de Pedro Nuno Santos, cuja salvação no caso do aeroporto lhe está a sair muito cara. Será interessante ver o que ele terá ele agora para dizer quando for a sua vez.”
Mas a diretora da VISÃO sublinha que no processo de tentativa de limpeza de imagem e contenção de danos, o Partido Socialista e António Costa estão a seguir caminhos complexos e até contraditórios. “Nos últimos desenvolvimentos do caso TAP, houve vozes dissonantes no PS. Carlos César elogiou Pedro Nuno Santos, quando António Costa tudo tem feito para o “queimar”. O mesmo Carlos César defendeu que o facto de a CEO da TAP ter estado na reunião preparatória com o PS e o Governo, antes de ser ouvida no Parlamento, é normal, mas Augusto Santos Silva disse que tinha sido um erro. Tudo isto indicia uma grande tensão interna no PS”, afirma Filipe Luís.
“A audição do chairman da TAP acabou por ser um bom resumo do que se foi passando na empresa, dizendo que a tutela política até começou bem, mas depois perdeu o Norte e que o voluntarismo de Pedro Nuno Santos contrastava com o imobilismo das Finanças”, recorda Nuno Aguiar. “Mostra bem como a empresa vivia dependente das marés políticas e da pressão que o governo ia sofrendo. Pior: mostra como a empresa era gerida com uma lógica partidária. É complicado não pensar no que se passará noutras empresas públicas menos escrutinadas.”
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