Entre momentos caricatos e motivos de indignação, a comissão de inquérito à TAP abriu uma nova frente de pressão sobre o Governo e sobre a empresa. Os episódios agora conhecidos mostram um grupo altamente permeável aos humores políticos, à gestão que o Executivo faz da sua popularidade e até às lutas partidárias no seio do PS.
Para Mafalda Anjos, “as comissões de inquérito são como as operações para desentupir canos: é essencial fazê-las, mas assusta ver a porcaria que sai de lá de dentro”. “A Comissão Parlamentar de Inquérito tem destapado várias tampas e o que sai de lá de dentro não é bonito de se ver: gestão quase amadora da coisa pública, pressão política, favores, contorcionismo, mentiras, abusos de poder, coisas graves postas por escrito com a maior desfaçatez… E tudo isto é apenas a ponta do icebergue: se isto acontece na TAP, a maior das intervencionadas, imagine-se o que acontece nas outras quase 150 empresas”, explica a diretora da VISÃO.
O jornalista Nuno Aguiar considera que, com estas duas audições, ficou claro que a política se sobrepôs à empresa. “A gestão política de uma crise que o Governo não soube controlar provocou a saída de uma gestora que, com os erros que cometeu, colocou a TAP a lucrar 2 anos antes do que estava previsto”, afirma, acrescentando que não há inocentes neste caso. “Christine não conseguiu explicar o motivo para a saída urgente de Alexandra Reis e, embora tenha passado uma imagem de competência, pareceu ingénua em algumas decisões que tomou ou gostaria de ter tomado. O mesmo se aplica a Alexandra Reis, que pareceu séria, mas que não consegue explicar como, depois da indemnização da TAP, aceitou ir para a NAV e, depois, para o Ministério das Finanças, onde iria tutelar a TAP.”
No entanto, com a imagem mais manchada ficam os intervenientes políticos, principalmente o antigo ministro das Infraestruturas. “Autorizar um despedimento com aquela indemnização por WhatsApp? Fazer um despacho a pedir esclarecimentos à TAP quando tinha acompanhado tudo?”, questiona Nuno Aguiar. “Depois dos lucros da TAP talvez se antecipasse que pudesse recuperar politicamente, agora tenho muitas dúvidas.”
Já Hugo Mendes, representa “uma versão em esteróides de Pedro Nuno Santos”, ajudando a redigir a explicação para o despacho do seu Ministério e “com a resposta que dá a Christine por causa do voo de Marcelo”.
“Entre as revelações caricatas, os episódios de amadorismo ou incompetência e alguns casos mais graves, há motivos para concluir que está em causa o regular funcionamento das instituições – um dos requisitos para a dissolução da Assembleia da República”, nota Filipe Luís, editor-executivo da VISÃO. “Num primeiro momento, dois ministros pedem explicações à TAP mas, ao mesmo tempo, um secretário de Estado de um deles combina com a administração da AP que explicações devem ser dadas. Isto é enganar não apenas os portugueses, mas também os colegas do Governo – um deles com a co-tutela da companhia – o Presidente da República, o Parlamento. Isto põe em causa o regular funcionamento das instituições.”
Mas há mais. “Noutro momento, um deputado, membro da CPI reune-se, de véspera, em encontro não agendado oficialmente, com a principal inquirida nessa mesma CPI. Ora, a CPI tem poderes judiciais. Seria como se um jurado de tribunal se reunisse com uma testemunha para combinar o respetivo depoimento. Isto põe em causa o regular funcionamento das instituições”, acrescenta Filipe Luís.
“A reunião secreta é bastante grave. E é grave que vários deputados tenham vindo dizer que é prática corrente. Entre os deveres dos deputados está ‘intervir nos trabalhos parlamentares com urbanidade e lealdade institucional, abstendo-se de comportamentos que não prestigiem a instituição parlamentar’. Não vejo que exista lealdade parlamentar em tentar influenciar um testemunho numa comissão de inquérito em curso”, comenta Mafalda Anjos.
Tanto Nuno Aguiar como Mafalda Anjos concordam que, não fosse Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes já se terem demitido, este caso – com episódios como o despacho cuja resposta o ministro já conhecia – poderia ter consequências muito mais drásticas para Governo, incluindo a sua queda.
No final, talvez comece a haver mais dúvidas sobre se a TAP pode ser pública. Não propriamente por algo estrutural, mas por estar sempre permeável aos humores políticos. Christine Oumières-Widener disse que se sentia um bode expiatório e Mafalda Anjos concorda. “Ficou claro algo que tenho dito desde o início: este é essencialmente um problema político. A TAP é ingerível com este grau de intervenção e pressão política. Christine e Alexandra não serão santas num altar e terão cometidos erros, naturalmente, mas nada que justifique a justa causa de despedimento da CEO da TAP. Foi a cabeça a rolar para o Governo tentar apaziguar os ânimos, ‘virar a página’ e disfarçar a sua própria incompetência política. E agora vai sair-nos caro: qualquer justa causa é insustentável – não só não houve culpa punível, nem se cumpriram os formalismo deste tipo de demissão”.
Tendo origem política, é também aí que já se sentiram e ainda se sentirão muitas das consequências. “Um a um, os vários supostos sucessores de António Costa foram atingidos pelos estilhaços do caso TAP”, sublinha Filipe Luís. “E Pedro Nuno Santos era a “principal esperança” do Bloco de Esquerda para a liderança do PS, porque é a única forma de poder haver, um dia, uma nova geringonça. O Bloco, que pediu esta comissão, deve sentir um enorme incómodo…”
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