2022 foi um ano em tudo atípico, que deixa marcas indeléveis na História e na nossa memória coletiva. “Quando pensávamos que 2020 e 2021 já nos tinham trazido inesperados suficientes, eis que este ano conseguiu surpreender ainda mais. Tivemos uma maioria absoluta em Portugal, guerra na Europa, inflação galopante, subidas de taxas vertiginosas, crashs em mercados. E num cenário de multicrise como este, em Portugal tivemos cofres cheios, défice em valores historicamente baixos e uma redução brutal da dívida”, resume Mafalda Anjos, diretora da VISÃO, no especial Olho Vivo de balanço do ano.
“A guerra condicionou tudo e deu origem a uma multicrise: geopolítica, económica, energética”, conclui, sublinhando que este foi o ano do fim da ilusão da paz perpétua – e de muitas outras ilusões.
A Figura do Ano, por vezes uma eleição renhida, é agora quase esmagadoramente consensual: Volodymyr Zelensky. “Zelensky é a figura do ano porque demonstrou que é possível resistir e derrotar o autoritarismo”, considerou Rui Tavares Guedes, diretor executivo da Visão, que procurou olhar para os sinais positivos de um ano marcado pela incerteza de uma guerra, que no início de 2022, ninguém pensava ser possível na Europa. Num ano em que, segundo os indicadores internacionais, a democracia regrediu em muitos países, a verdade é que o autoritarismo sofreu um forte abalo, como se observou nas revoltas no Irão, na China e até na derrota dos candidatos de Trump nas eleições intercalares dos EUA. “O exemplo de resistência de Zelensky foi decisivo para esse recuo do autoritarismo, como até se viu na forma como, devido à situação na Ucrânia, os partidos de extrema-direita na Europa foram obrigados a ‘adocicar’ o seu discurso e imagem.”
“A circunstâncias adversas podem revelar o melhor das pessoas. Zelensky revelou-se e tornou-se uma figura inspiradora, não apenas para o seu povo mas, sobretudo, para a comunidade Ocidental. Foram os governos que foram atrás das opiniões públicas no apoio à Ucrânia, e isso tem muito a ver com a postura e o exemplo do presidente ucraniano. O que também tem a ver com a resistência democrática noutras paragens”, destaca Filipe Luís, editor-executivo da VISÃO.
Mafalda Anjos sublinha que as palavras do ano resumem o que foi o ar do tempo nestes 12 meses: “A palavra ‘zeitenwende’ foi a eleita na Alemanha e parece-me certeira. É um tempo de mudanças estruturais e de transição, só não sabemos bem para quê. ‘Permacrise’ foi outra das eleitas, e espelha bem um período prolongado de instabilidade e de insegurança. E outras expressões como ‘modo Goblin’ ou ‘gaslighting’, que significa manipulação psicológica, mostram como a saúde mental esteve frágil neste ano.”
Olhando para Portugal, o troféu de Figura Nacional do ano vai para António Costa, que conseguiu, em contracorrente com o que se passa na Europa, para surpresa de todos – e até própria -, uma expressiva maioria absoluta.
Para Filipe Luís, “as maiorias absolutas trazem sempre tiques autoritários”. “Faz parte. Depois, depende do estilo das lideranças assumir mais ou menos ou disfarçar melhor ou pior esses tiques. Um dos problemas, foi que o País viveu num limbo político, sem um novo Governo e sem Parlamento, de outubro de 2021 até ao final de março de 2022, com a guerra pelo meio. O novo governo já entrou velho…” E acrescenta: “A maioria tem legitimidade eleitoral para mandar. Pode ser mais ou menos arrogante, e o próprio António Costa já declarou que o PS não deve envergonhar-se de a usar. Um maoiria até deve mostrar quem manda. A questão é a de saber para que é que ela serve. O que vai António Costa fazer com ela. Que marca quer deixar. E isso ainda não se percebeu.”
Mafalda Anjos sublinha que este foi também o ano mais difícil do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa. “Foi longe demais no comentário permanente e provou, pela primeira vez, o sabor amargo da crítica generalizada.”
No final deste Olho Vivo, houve tempo para uma distribuição de presentes para algumas figuras públicas.
As escolhas de Filipe Luís para…
Marcelo Rebelo de Sousa: uma placa TVDE para pôr no carro. Para estar devidamente credenciado quando transportar outros políticos para cenários de catástrofes.
António Costa: uma caixa de madalenas, porque há vida para lá dos queques
Cotrim de Figueiredo: uma alface, para ter na cozinha e verificar o prazo de duração de um governo liberal.
As escolhas de Rui Tavares Guedes para…
Luís Montenegro: “Os Sete Pilares da Sabedoria”, de T. E. Lawrence, para preparar uma travessia de quatro no deserto
Para António Costa – “Leadership”, de Henry Kissinger, para se inspirar com grandes líderes
Para Marcelo Rebelo de Sousa – “O Elogio da Lentidão”, de Lamberto Maffei, porque as decisões e as palavras ponderadas precisam de uma reflexão com tempo
As escolhas de Mafalda Anjos para…
Luis Montenegro: “Breve história da Democracia”, de John Keane, para perceber como são perigosas as pontes de contacto com o populismo
Marcelo Rebelo de Sousa: “Metamorfose Necessária”, de José Tolentino Mendonça, porque vai ser preciso contrariar a sua própria natureza
António Costa – Retiro espiritual de yoga no Buçaco, para regressar mais calmo, descansado, focado e atento aos detalhes.
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