O último fim-de-semana foi marcado por manifestações de norte a sul do país, especialmente em Lisboa, pelo direito à habitação. Portugal tem uma grave crise de preços de casas e de rendas. As pessoas jovens não conseguem comprar ou arrendar casa onde querem e ficam em casa dos pais até muito tarde. Quero começar por saudar a capacidade da sociedade se organizar e exigir mais dos governantes e com reivindicações legítimas – ter uma casa para morar, conseguir pagar uma renda trabalhando. A grande maioria das pessoas estava lá com essa postura, reivindicar.
No entanto, quando a mensagem ultrapassava a mera reivindicação e passava para a exigência de medidas, as soluções pedidas que se viram na manifestação eram em larga medida contra-producentes, nomeadamente o congelamento de rendas (que tem séculos de história a comprovar que destrói as cidades), ataques ao direito de propriedade de todos os tipos (expropriações, acabar com os despejos tout court). É também notória a instrumentalização dos movimentos cívicos pelos partidos de esquerda (nomeadamente Bloco e PCP), que infundem as reivindicações com mensagens que nada têm que ver com habitação, e ainda por movimentos extremistas que instigam ódio e destruição e só descredibilizam as reivindicações justas e legítimas da maioria. É notória também a hipocrisia em criticar outras forças que não o PS que está no governo há 8 anos e nada fez para resolver o problema.
O governo de António Costa aprovou recentemente o pacote “Mais Habitação”, que, tal como levar um cartaz que diga “Morte aos Ricos” para uma manif pacífica, sofre a consequência de legislar ignorando os factos e a realidade: é contra-producente. Atenta contra o setor privado congelando rendas e ameaçando com o arrendamento forçado, acaba com benefícios fiscais à reabilitação de casas, e impõe uma taxa extraordinária sobre o alojamento local – atividade que apenas afeta uma parte ínfima do território -, criando desconfiança a quem poderia construir e investir para vender e arrendar. Relembro que o setor privado representa mais de 96% do edificado em Portugal.
O investimento na construção caiu cerca de 6,5% no início de 2023 e é uma das maiores quebras desde 2014. O mais risível é que um Estado que não é capaz de construir o que promete, que não sabe que imóveis tem, num país com apenas 3% de parque habitacional público, acredita que pode substituir-se ao setor privado e arrendar coercivamente para subarrendar, reabilitar casas de privados ou solucionar imbróglios jurídicos.
O mercado de arrendamento já é inexistente e ficará ainda mais rígido. As casas vão demorar anos até ficarem relativamente mais baratas, se é que o farão de todo. No entanto, a boa notícia é que há outro caminho, um caminho que acredita nas liberdades, em incentivos certos, na livre iniciativa e na colaboração entre público, privado e social.
É possível revolucionar o mercado de arrendamento, descongelando rendas (mantendo controlos para rendas com diferencial muito grande para o preço de mercado de forma a evitar despejos, nomeadamente de idosos sem alternativa), facilitando modelos built-to-rent, e permitindo arrendamento temporário (30-90 dias) de habitação própria com encargos fiscais muito reduzidos, prática comum na Holanda. É possível a construção de habitação social com parcerias público-privadas para a edificação e/ou gestão. É possível digitalizar e simplificar procedimentos, torná-los mais transparentes e rastreáveis através dum sistema único digital de licenciamento. É possível baixar o IMI a residências próprias e aumentar a casas devolutas. É possível baixar o IVA da construção. É possível revisitar os PDMs e densificar as nossas cidades. É possível revogar o IMT. É possível investir na educação e retenção de pessoal da construção. É possível baixar o IVA da construção e acabar com o imposto de selo. É possível levantar todo o património inútil do estado e reconverter em residências universitárias e habitação a custos controlados. É possível criar vias verdes para aumentar as cérceas em projetos de reabilitação urbana. É possível reduzir o imposto sobre as rendas. Sem nunca esquecer o investimento nos setores que estão intimamente relacionados com a habitação: a justiça e os transportes, que têm de ser mais céleres e abrangentes.
É possível.
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