Se destilarmos os inúmeros problemas do nosso Portugal, chegaremos a maior parte das vezes a apenas um punhado de causas-raiz para os nossos males. Começando pelo atraso na alfabetização e educação, passando pela nossa cultura estatista e de dependência, duas delas serão certamente o mau sistema eleitoral desenhado na lei eleitoral e o centralismo político, demográfico e económico que nos caracteriza, dois elementos que se alimentam mutuamente.
A relação causa-efeito é clara: o interior e as ilhas, em consequência da população relativamente pequena dos seus distritos (um nível de organização não-natural e que apenas serve para eleições), estão praticamente condenados à escolha entre os mesmos dois grandes partidos desde que há democracia. Dadas as vicissitudes do método d’Hondt, todos os votos que não sirvam para eleger servem para isso mesmo, para nada. Tal leva a que as forças políticas na sua generalidade desinvistam politicamente desses círculos, já que o esforço marginal é demasiado grande – para uns partidos porque a eleição está praticamente garantida, para outros porque não têm lá qualquer hipótese real de eleger. Um outro efeito pernicioso é o do voto útil, que leva muitos eleitores a votar contra a sua convicção, já que esta nunca poderá surtir efeito prático, vendo-se obrigados a escolher um mal menor.
Deste desinvestimento político resulta um desinvestimento em políticas por via da concentração, seja de projetos de obras públicas, de instituições do estado, de poderes ou de elites políticas, mediáticas e económicas nos maiores círculos. É uma verdade crua, mas os representantes políticos, como seres humanos que são, respondem a incentivos, e não existem incentivos onde não há votos para os justificar.
Urge, então, uma reforma séria do sistema eleitoral. Não é aceitável que numa democracia que se quer plena se deitem fora quase 700.000 votos dos portugueses. Não é aceitável que a composição do parlamento não corresponda à voz dos eleitores. Um voto de um cidadão não pode ter menos poder efectivo por pertencer a uma divisão artificial pequena. Todos os cidadãos têm de ser capazes de influenciar a composição do parlamento de igual forma.
Felizmente, a roda não necessita de ser reinventada. A Região Autónoma dos Açores, policêntrica por natureza, já foi capaz de compreender que tem de compensar a falta de proporcionalidade introduzida pelos círculos eleitorais fechados. A Lei Orgânica n.º 5/2006, de 31 de Agosto, estabeleceu a existência de um círculo eleitoral de compensação ao qual concorrem todos os votos que não foram consumidos na eleição de deputados pelos círculos normais. Se dúvidas houvessem da pertinência deste mecanismo, este círculo foi o
único garante de representação para certas forças políticas no parlamento regional em 3 das 4 eleições desde então.
Ora, pede-se coragem política para fazer o mesmo para a Assembleia da República. Das muitíssimas alterações que seriam pertinentes introduzir nas leis eleitorais, tais como os círculos uninominais, ou uma abordagem parlamentarista a nível autárquico (acabando com a aberração dos vereadores sem pelouro e executivos multicolor, empoderando as Assembleias Municipais), um círculo nacional de compensação é o mínimo que se pode exigir a uma República moderna, plural e representativa. Não é possível que se encha a
boca de descentralização e democracia, e ao mesmo tempo se empurre com a barriga a reforma ao sistema que mais perpetua a macrocefalia do Estado.
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