Novos estudantes partem para o Ensino Superior com expetativas, sonhos e projetos por cumprir, tantos prestes a explorar uma nova cidade. Um novo ano letivo acaba de começar e, uma vez mais, tantos são aqueles que não podem suportar o preço da habitação nas cidades onde foram colocados, com o acréscimo da propina (que não desce e que continua sem teto em segundo e terceiro ciclo), dos transportes, dos materiais, dos livros e sebentas. A situação agrava-se com a crise inflacionária que vivemos: pagamos mais por tudo mas não recebemos mais. A inação do Governo, resignado perante o empobrecimento, não serve as e os estudantes. Não podemos ignorar os dados: 10% de um total de 50 mil estudantes colocados não concretizaram a sua matrícula.
Entre 2019 e 2022, o Governo prometeu 12 mil camas em residências universitárias que nunca chegaram. A oferta de 15 mil camas públicas existentes em 2018 mantém-se até hoje. O Governo encontra-se ainda preocupantemente longe do objetivo que o próprio havia traçado: 30 mil camas em residências universitárias até 2026. Neste cenário, verificamos que apenas 10% dos estudantes deslocados têm lugar em residências públicas, perfazendo uma das percentagens mais baixas da União Europeia. Os outros 90% são lançados à selva da especulação imobiliária.
Quartos a rondar os 400s euros, despensas colocadas em sites de arrendamento para enganar estudantes, espaços deteriorados e insalubres e senhorios que se recusam a assinar contratos legais. É esta a realidade criada pela soma da resignação face ao aumento de 20% ou 30% do preço da habitação nas grandes cidades e da permissividade face à especulação imobiliária e aos grandes fundos que vendem as cidades aos pedaços, transformando-as em disneylândias habitadas por turistas e nómadas digitais. Por essa razão, o Bloco de Esquerda propôs a requisição de alojamentos locais pertencentes a grandes proprietários como medida de urgência para colmatar a falta de habitação para estudantes. Uma vez mais, o Governo assobiou para o lado e escolheu deixar incólumes os privilégios dos grandes senhorios.
Neste contexto, chegou o Orçamento de Estado para 2023 da maioria absoluta do Partido Socialista. Se já o sabíamos, este OE veio confirmar o que já vinha a ser a política do PS face à crise que vivemos: empobrecimento, perda de poder de compra, aumento da diferença entre mais ricos e mais pobres. Somos um dos países em que, de acordo com a OCDE, os salários mais perderão com a inflação: prevê-se uma redução do poder de compra ao nível dos sinistros tempos da troika. Face a este cenário, não há compromisso com a recuperação de rendimentos do trabalho, com a taxação dos lucros excessivos ou com o controlo de preços. A proposta do Bloco de Esquerda não podia ser mais diferente: aumentar salários, controlar preços e taxar lucros abusivos. Se em 2015 conseguimos chegar à conclusão de que o famigerado slogan neoliberal“there is no alternative’‘ não passava de uma falácia daqueles que enchem os bolsos à custa de quem trabalha, porque insiste o PS num discurso semelhante em 2022?
Há uma alternativa, sim. Somos uma geração cujas memórias de recessão económica são quase tantas como as de prosperidade. O futuro e o progresso foram-nos roubados por aqueles que querem que acreditemos que temos de viver no imediatismo absoluto, ao ritmo das bolsas de valores, das prestações do empréstimo, dos horários desregulados e da chamada do chefe que não respeita o descanso. As e os estudantes não querem nada menos que um quarto para dormir, uma faculdade para estudar e uma cidade para viver.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.