“Quero estar certo de que as decisões que venha a tomar tenham toda a sustentação técnica e não tomarei nenhuma decisão sem que isso aconteça”. Foi com estas palavras que o atual Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, atirou para a frente mais uma das muitas decisões que tem de tomar.
De que decisão estava a falar?
No auge do caos do encerramento de urgências hospitalares, nomeadamente no apoio a grávidas, a antiga ministra Marta Temido recorreu a um muito conhecido (e gasto) botão de pânico: nomear uma comissão de peritos. Criou a “Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia-Obstetrícia e Bloco de Partos”. O nome é grande, proporcional ao gigantismo do problema. Um problema que o PS viu nascer, crescer e tornar-se num monstro capaz de abrir e alimentar telejornais, incapaz de responder aos anseios e às preocupações das famílias.
A 16 de setembro deu-se nota pública de que já existia um relatório da tal comissão e a 3 de outubro começaram a ser analisadas as respetivas recomendações. “Nós recebemos um relatório preliminar que exige uma visita cuidadosa a cada instituição, um diálogo com os profissionais, um diálogo com as instituições, desde logo com a Ordem dos Médicos. Estamos num trabalho preliminar e daqui a alguns meses anunciaremos as nossas decisões”, explicou o ministro, referindo-se a um relatório que aparentemente recomenda o encerramento de algumas maternidades.
Os portugueses não sabem ao certo o que menciona o tal relatório. Apenas que vai levar tempo a analisar.
Nestas duas frases anteriores estão dois crónicos problemas da política nacional: a cobardia e o adiamento. O problema da cobardia vê-se no medo de partilhar com os portugueses os resultados integrais das comissões de peritos. Todos vimos isso com os relatórios aos “incêndios de Pedrógão Grande”). Quem os conhece na íntegra? Até aos deputados foi negada a consulta integral.
Quando a sociedade não conhece os relatórios que servem de base a decisões políticas, o debate fica enviesado, incompleto, confuso. Quando uns (habitualmente o poder) detêm toda a informação e outros (oposições e opinião pública) estão às escuras, quem poderá garantir que a decisão foi bem tomada?
O problema do adiamento é igualmente grave. Se não houvesse urgência, não teria havido estudo. Sejamos honestos: os governos nunca têm dúvidas de nada. Os governos têm dados, meios, informação, conhecimento gerado e especialistas que lhes permitem tomar decisões fundamentadas. Aquilo que os governos não têm é amortecedores para aliviar as pancadas da opinião pública. Daí o refúgio nas comissões. Ganham tempo e pretextos. Mas, para os governos ganharem tempo, é o país que o perde. E quando se cria uma comissão para analisar o trabalho de outra comissão, o que está a ser adiado é o problema e perpetua-se a falta de transparência.
Está nos livros dos maus políticos: se a decisão é impopular, tranca-se numa gaveta. E este tema é nitidamente impopular. Na gestão da coisa pública sabemos que fechar serviços é das medidas que levam a mais contestações. Mesmo que o corte signifique mais eficiência e menos gastos.
No caso concreto, tão difícil será encerrar blocos de partos como decidir manter tudo aberto, com os riscos inerentes de mais uma morte provocar nova demissão na Saúde.
Mas, e confessando fazer parte dos 99% de portugueses que desconhecem o relatório da Comissão de Acompanhamento da Resposta em Urgência de Ginecologia-Obstetrícia e Bloco de Partos, o que está em causa nesta decisão que o Governo precisa de tomar? Encerrar ou não encerrar maternidades. Encerrar ou não encerrar serviços de saúde.
Há cerca de duas décadas que os portugueses foram confrontados com uma estranha realidade: ter serviços médicos (concretamente de partos) perto de casa pode não ser bom. Esta realidade bateu-nos de frente quando hospitais e maternidades começaram a ser fechados. Hoje, sabemos que o ideal para as equipas médicas é fazer um certo número de cirurgias por ano. Um médico que faz dois partos por dia dará mais segurança do que um que apenas faz dois por mês.
Porém, partir daqui para a conclusão “temos de fechar maternidades” não é tão imediata.
Primeiro temos de saber se maternidades cujo encerramento estará recomendado não fazem partos em número suficiente. Posteriormente, caso não o façam, temos de apurar se isso acontece por questões demográficas ou se por falta de médicos. Se for por falta de médicos, fechar a maternidade é uma falácia.
Em segundo lugar, importa saber se o encerramento de maternidades agravará as desigualdades regionais. O acesso à saúde, não pode ser desigual no território, sob pena te agravarmos o despovoamento de uma parte substancial do país.
Atribui-se a Churchill a frase: “numa guerra, a primeira baixa é a verdade”. Nesta guerra política, sem sabermos a verdade dos números, seremos todos perdedores.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.