A Revolução Liberal de 24 de Agosto de 1820, no Porto, deu origem a uma mudança estrutural na sociedade portuguesa, que pôs em causa os alicerces absolutistas do Antigo Regime. Imbuídos da missão de reformar o Estado e inaugurar em Portugal uma monarquia constitucional, um ilustre grupo de liberais iniciavam naquele dia o que viria a ser um marco fundamental para a história da democracia em Portugal. Como gritou Fernandes Tomás, foi a ‘Aurora da Liberdade’.
A Revolução da Liberdade fez-se em prol da mudança política e da regeneração social, e materializar-se-ia na Constituição de 1822, um dos textos mais importantes e inovadores do constitucionalismo português, que celebra hoje o seu bicentenário.
A sua estrutura comporta seis títulos, 240 artigos e um preâmbulo, onde se estabelecem as bases políticas de uma Nação portuguesa, que, outrora como hoje, demora a cumprir-se. A 23 de Setembro de 1822, pela primeira vez e para todos os cidadãos, consagraram-se direitos e reconheceram-se garantias, que se enfatizam no seu artigo 1º com os princípios da “liberdade, segurança e propriedade de todos os Portugueses”.
É na Constituição de 1822 que constam, de forma inédita, as palavras que sacralizam um amplo conjunto de direitos, tais como a liberdade de “não ser obrigado a fazer o que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que ela não proíbe” e a propriedade, “um direito sagrado e inviolável”, a “livre comunicação de pensamentos” como um dos mais “preciosos direitos do homem”, onde “a lei é igual para todos”.
Este documento corporiza a primeira experiência parlamentar em Portugal, dotada de um espírito amplamente liberal, consagrando a separação de poderes, a soberania nacional, a contenção legislativa e fiscal, a responsabilidade pessoal dos detentores de cargos públicos, as eleições livres, um exército regulado e a descentralização administrativa, princípios edificadores da cidadania com dignidade social, política e fortalecida no princípio da igualdade perante a Lei e o Estado, sendo abolidos os antigos privilégios da nobreza e do clero.
Apesar das suas lacunas, inaceitáveis aos dias de hoje, tais como o voto censitário e exclusivamente masculino, o reconhecimento duma religião oficial do Estado, e a aceitação da escravatura, entre outras, as Cortes Constituintes aprovaram uma Constituição revolucionária sob todos os pontos de vista, à época. Até mesmo quando comparada com a atual Constituição da República Portuguesa, que aceita, dentro de certos limites, a partilha do poder legislativo com o executivo.
Assim, relembrar 1822 é fazer justiça à memória daqueles que lutaram pelo progresso da sociedade portuguesa e pelo lançamento das bases da Monarquia Constitucional, da atual República e da Democracia Liberal em Portugal. É celebrar as liberdades e garantias de agora mas também alertar-nos para as suas falhas e para a necessidade da nossa constante vigilância, sem frouxidão, na defesa e consolidação da reserva escrita dos ideais da Liberdade.
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