Não foi o Novo Banco que “matou” Centeno. Não. Ele já estava a desaparecer, em câmara lenta, muito antes disso. O primeiro sinal aconteceu no início de março, quando a pandemia paralisou o ministro das Finanças. Desapareceu, esfumou-se, perdeu-se na altura em que todos precisavam dele. Aqui e no Eurogrupo. Percebe-se: a pandemia foi a carta que saltou do castelo. Castelo que foi construído meticulosamente, com sucesso, e para bater um recorde do Guiness.
É verdade, diga-se, que Centeno já era um ministro que não queria ser ministro. Em 4 anos fez o que nunca ninguém tinha conseguido, em democracia, naquele lugar: equilibrar as contas do Estado, colocando-as positivas. Aí transcendeu-se. Tornou-se imutável e imortal. Mas esta é mais perigosa de todas as posições políticas. Põe condições para continuar, e isso é um risco extremo.
Mas com uma crise desta magnitude, começou a avolumar-se a sensação, inquietante, de que não havia ministro, nem Finanças. E isso era a última coisa que poderia acontecer. Ao ponto, na verdade, de o Presidente da República (PR) ter de o chamar a Belém para perceber que caminho queria seguir. Estava ou não? À saída de Belém, algo cabisbaixo, triste, desanimado lá disse que estava empenhado em ajudar a vencer a crise. Pois foi. Mas rapidamente se esfumou esse alento.
Alguns, muitos, talvez todos, pensaram que a causa era dispersão e o cansaço causado pela presidência do Eurogrupo. Só podia. Não havia outra explicação. O país estava a começar a viver uma poderosa e mortal crise sanitária, em estado de emergência, e do Governo só aparecia um primeiro-ministro (PM) hiperativo e ágil, uma ministra da Saúde focada, um ministro da Economia a dar tudo por tudo, e uma ministra do Trabalho soterrada em pedidos de ajuda. Quanto às Finanças, nada. O país chamava por ele, e não aparecia.
Mas do Eurogrupo, infelizmente, também chegavam péssimas notícias, através de um jornal alemão, respeitado, que cita fontes diplomáticas. Dizem que Centeno não lidera, não se prepara, não consegue consensos. Exagero, pensamos. Mas dois pormenores da notícia confundem: a famosa reunião de 14 horas, sem nada decidido, teria sido um caos, e o aviso de que ninguém queria renovar a sua presidência era um sinal desconcertante. Bom, má língua. Fakenews.
Finalmente vem o Novo Banco. Que é apenas a espuma. Desautorizou 3 vezes o PM – esqueci-me de avisar, peço desculpas, mas era uma irresponsabilidade não pagar, e isso foi decidido em Conselho de Ministros – e não foi preciso esperar muito tempo para o PR o colocar na posição certa. Assim não. Nem pensar. E porquê o Presidente? Porque lhe cabe a tarefa constitucional de zelar pelo bom funcionamento de todas as instituições, como o Governo, ou uma parcela dele, ou um caso apenas. E se o PR já estava incomodado, visivelmente irritado, mais não fez do que mostrar a porta por onde Centeno poderia sair, mais cedo ou tarde.
Tudo isto é uma pena, diga-se. Centeno é inegavelmente muito bom. E nesta crise pandémica, económica e financeira poderia ser estrela, outra vez. Mas perdeu-se, algures, no caminho. Afinal, terá percebido, ontem, que não há imortais. Ansiosos, todos nós queremos ver os próximos episódios desta popular série do Netflix.