A par do aumento das fake news e da sua influência nas decisões políticas e na legitimação destas pela opinião pública, parece ter surgido agora um novo fenómeno: as no news.
Se as primeiras são falsas já a estas últimas não falta veracidade mas nada têm de novidade, contrariando o espirito da “notícia” que se caracteriza por ser “um facto novo”
A declaração de que a AIMA iria enviar Notificações para Abandono Voluntário (as chamadas NAVs) a um primeiro grupo de quatro mil e tal imigrantes dum universo de 18 mil e picos considerados irregulares em Portugal, é um facto que está longe de ser novo e muito menos inédito.
O procedimento administrativo das NAVs encontra-se contido na Lei de estrangeiro que data de 2007 e pode ser consultado no artigo 138 e seguintes da actual versão. Este mecanismo foi, desde que cheguei ao então SEF, SEMPRE aplicado nas circunstâncias de permanência irregular de cidadãos estrangeiros em Portugal. O único lapso de exceção ocorreu durante a pandemia, por motivos mais que óbvios.
Perante este facto, que não pode ser contestado pois não existem argumentos que contrariem a evidência, este anúncio só por si não traz nada de novo.
Já a sua consequência, essa sim, pode ser preocupante e convém ser devidamente explicitada.
As Notificações de Abandono Voluntário dependem, tal como o nome indica, da decisão de quem as recebe. Mais do que da vontade depende da possibilidade, nomeadamente do foro económico, de as tornar efetivas. Disso mesmo teve consciência o legislador quando, nos subsequentes números do mesmo artigo, faz referência ao apoio do Estado Português no regresso destes cidadãos aos seus países de origem.
O que aconteceu no passado, ou seja de 2007 até ao momento, com o tal interregno pandémico, mostra claramente que quase nenhum cidadão retorna a suas expensas. Aliás, na esmagadora maioria e após esgotados todos os procedimentos que decorrem do direito a alegar e a contestar a situação, “desaparecem” num sub mundo de marginalidade forçada, ficando à mercê de todos os atropelos aos seus direitos, dignidade e até vida.
Foi assim no tempo do SEF que tinha um caráter policial. Com maioria de razão será agora com a AIMA, porquanto em bom rigor, sendo uma agência administrativa não tem poder para levar a cabo o afastamento coercivo, que é um eufemismo para a palavra singela e dura de deportação.
E… se tiverem filhos nascidos em Portugal e com cidadania portuguesa? E se não cometeram outro crime que não este de não terem um papel que, nalgum caso, já até solicitaram? E se estiverem no mercado de trabalho e a produzir?
Afastar os que cometem crimes que lesem a propriedade ou ponham em causa as pessoas e bens não é nada de extraordinário, decorre da Lei, não merece grandes parangonas e sempre assim aconteceu
Obviamente que ninguém, dum lado ao outro do espectro político, está em desacordo em retirar do Território Nacional os criminosos estrangeiros que aqui estejam.
O imigrante, seja ele de que origem, for tem direitos, mas também tem deveres e aqueles não se sobrepõem a estes!
Dito isto, é, pois, importante saber que crime cometeram estes 18 mil e picos de indivíduos que viram os seus pedidos indeferidos. Ponto um: todos eles pretenderam ser legalizados, o que lhes confere já uma intenção louvável de ingressar no mercado de trabalho e assumir os seus deveres.
Segundo o que ouvimos, alguns não cumpriam os requisitos e/ou tinham sido condenados em outros países Schengen. Assim posto, com esta leveza, parece coisa séria.
Mas, se olharmos mais de perto, vejamos: as condenações noutros países Schengen só podem ser por permanência irregular e não por nenhum outro crime, caso contrário os países em causa seriam altamente incompetentes e permissivos. Ora, a permanência irregular, muito embora seja punível por Lei, não representa por si só a ameaça que atribuímos a um criminoso. Quantos de nós já passamos com o semáforo vermelho? Isso faz de nós, imediatamente, assassinos? Não. Podemos ficar sem carta, podemos até pagar uma multa mas, se não atropelarmos ninguém nem provocarmos qualquer acidente, não iremos presos. Os países Schengen que expulsaram estes cidadãos fizeram-no, na sua maioria, através dum mecanismo semelhante às NAVs e o resultado é terem vindo para Portugal. Como daqui irão para outro local qualquer se não forem presos e deportados. Porque essa é a solução que parece estar na sequência do anúncio feito.
Mas preso porquê? Por roubo? Por assassinato? Por estupro? Por viveram à custa do Estado Social? Por não terem papéis que os habilitem a permanecer num determinado país? Os três primeiros crimes levá-los-iam de imediato perante um juiz e daí à cadeia. O quarto só é possível se o indivíduo tiver contribuído para a Segurança Social por um ano. E o quinto… bem, o quinto tem muito que se diga.
Creio que, desse número apresentado, os tais 18 mil( quase irrisível num universo de mais ou menos 400 mil) três quartos são cidadãos hindustânicos. Ao que nos foi relatado, a maioria teve e tem dificuldade em conseguir o seu Registo Criminal do País de Origem. Aqui um aparte: NUNCA foi dada qualquer autorização de residência sem este registo. O que pode ter acontecido foi que, durante um brevíssimo período e ainda no tempo do SEF, se tenham aceitado Registos Criminais de zonas da Índia, sendo que posteriormente só se passaram a aceitar registos nacionais daquele país. Ora, estes registos são passiveis de ser conseguidos junto da Embaixada da República Indiana em Lisboa. Acontece que face ao número de pedidos a emissão dos documentos está a demorara entre 30 a 90 dias, o que não é compatível comos dez dias que são dados pelo Código do Procedimento Administrativo para alegar em situação de Provável Indeferimento. Acresce a este obstáculo temporal outro ainda tão ou mais grave: o tal registo custa, segundo fontes fidedignas, ou seja, quem o tentou obter cerca de 500 euros.
Evidentemente que não se pode dar uma Autorização de Residência sem este documento. Mas, em boa consciência, não me parece ser caso para deportação imediata. Tanto mais que muitos nestas circunstâncias (e isto não foi dito!) se encontram a trabalhar e a pagar os seus impostos. Impostos esses que são essenciais para o nosso Estado Social. Trabalho esse que é imprescindível para a nossa economia.
Perante esta “não notícia” há que ter um grão de sal e pensar que cada caso é um caso e que a consequência não será “trigo limpo, farinha Amparo”. Para já, há os 20 dias de alegação e defesa. Depois importa saber quem tratará do afastamento coercivo. A AIMA certamente que não porquanto não é uma força de segurança. Talvez a PSP, que tem uma força de estrangeiros neste momento. Tal implica escolta e remessa ao país de origem.
Muito bem. E… se tiverem filhos nascidos em Portugal e com cidadania portuguesa? E se não cometeram outro crime que não este de não terem um papel que, nalgum caso, já até solicitaram? E se estiverem no mercado de trabalho e a produzir?
Afastar os que cometem crimes que lesem a propriedade ou ponham em causa as pessoas e bens não é nada de extraordinário, decorre da Lei, não merece grandes parangonas e sempre assim aconteceu.
Daí que considere que esta foi uma “não noticia”.
Mas nem sempre é verdadeiro o ditado de “No news is good news”. Esta não pressagia nada de bom.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.