Os que, como eu, têm raízes nas Beiras já ouviram a expressão “vai lá um de nós que eu fico aqui!”. Parece que o dito terá nascido nas praças de touros improvisadas e que significava o apoio incondicional aos que se “afoitavam” na arena por parte daqueles que se mantinham sentados no último anel.
Lembro-me muitas vezes deste dito popular, sobretudo quando se alguém morre e não há bicho careta que não lhe teça rasgados elogios. A maior parte das vezes são os mesmos que em vida o olhavam ou com certa sobranceria (nunca será um de nós!) ou até com desdém (é mesmo tonto. O que podia disfrutar com tamanha fortuna se não fosse teimoso e vendesse duma vez por todas.)
Está visto que vou falar do Sr. Rui Nabeiro.
Mas não só. Gostava de ter a capacidade de traçar um paralelo entre ele e a Christine Lagarde.
Perguntarão: e o que têm em comum? Pois isso mesmo : os antípodas!
Senão vejamos: nenhum deles ostenta(va) para a Comunicação Social ou até, para o comum dos mortais , um título académico e bem sabemos como português que se preze, se pela por possuir, por trás do nome de batismo, as três letrinhas do prestígio: Dr; Eng. Arq.
Ao Sr. Rui Nabeiro, homem que não escondia ter sido filho paupérrimo da terra, ter andado à carga (no contrabando, meus amigos, quando a fome era tão negra como os grãos do café) , ter ido à escola apenas até à quarta classe, lá lhe deram o título de Comendador. Merecido. Mais que merecido!
Mas que não lhe enchia o peito e muito menos o identificava junto dos que tinha como seus pares. Para todos eles era o Sr. Rui. O pai da Terra que quis o destino fosse levado para outro plano precisamente no dia dedicado ao homem que cuida da sua família, que a sustenta, que a ergue , que lhe limpa as lágrimas, que dança com as suas músicas, bebe do seu copo e ri com alegria das suas histórias. Um pai, ouvimos dizer por diversas vezes, nestes últimos dias.
E como pai, e sobretudo como homem de visão de negócios alargada para além do fundilho dos seus bolsos, sabia bem o valor da felicidade. Podia ter escrito um tratado sobre a economia da felicidade tão em voga. Optou por praticá-la. Sabia que um trabalhador contente, que chegasse a casa confiante no dia seguinte, que se sentisse protegido, amado, amparado, jamais seria ingrato. E seria produtivo. Confiava na bondade como a mais preciosa moeda de troca e nas pessoas como o ativo mais importante de toda a economia. Por isso não desamparava os que com ele construíam o sonho!
Cristina Lagarde tão pouco parece ter título académico, muito embora seja ilusória a modéstia.
Ninguém chega aonde ela chegou sem um “canudo” e pesado. O que só a dignifica, note-se, como aos demais pois que traduz o esforço de cada um em tê-lo alcançado (embora alguns tenham sido assim… como… direi… feitos em chocadeira, mas enfim).
Para Lagarde quem não pode ter pão pode sempre fazer como ela e comer brioche. As crises económicas e os mercados são o seu júbilo!
No caso das grandes figuras públicas e de Estado, raramente de facto são usados os títulos: é a Lagarde, o Guterres, o Putin, o Marcelo, o Costa… uma que outra vez lá se lembram do título, mas a maior parte das vezes é tu cá tu lá, como se todos tivéssemos andado juntos à cata de alfinetes no atelier da Tia Joana.
Mas a grande diferença entre o sr. Rui Nabeiro e a Srª (sim, às vezes dizem que sim) Lagarde, é a mesma que vai da arena ao lugar nas bancadas.
Para a Srª Lagarde é uma modéstia concedida aos pobres mortais que andam de mão estendia perante o monostrengo económico, do qual só sentem os efeitos. Para o sr. Rui Nabeiro era a única forma de estar pois conhecia os frios dos invernos rigorosos, dos estios abrasadores e o corte afiado das pedras nos pés descalços.
Para Lagarde, os Estados devem parar “imediatamente” com o apoio aos seus cidadãos. Devem deixar essa coisa imaterial e mortal que se chama mercado, atuar em plenitude que, mais dia menos dia, lá se chegará ao equilíbrio. Pouco importa que no final de cada mês haja que cumprir com os compromissos mínimos de sobrevivência. Para Lagarde quem não pode ter pão pode sempre fazer como ela e comer brioche. As crises económicas e os mercados são o seu júbilo!
Não foram parcas as homenagens e as loas ao homem de Campo Maior e à sua visão económica do valor das pessoas. Mas quantos dos nossos empresários, mesmo os que se fizeram a pulso e temos alguns, estariam dispostos a assumir o fardo da responsabilidade social, que Lagarde, noutra dimensão, pretende que os Governos deixem cair?
O mundo tem vindo a tornar-se um lugar mais perigoso a cada dia que passa. Mais triste, com menos liberdade, com mais guerras, com menos solidariedade. Mais desumano.
Estamos no limiar duma nova era e ela não se prende com quem tem o caça XPTO ou o drone FGRT!
Esta nova era vai separar os senhores Ruis Nabeiros das senhoras Christines Lagarde.
Só espero que a maior parte saiba de que lado se deve posicionar!
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