Na espuma densa das notícias atuais, a morte no Mediterrâneo passou a ser um fait-divers. Como vai longe o tempo da indignação e das vozes em fúria, exigindo uma política migratória comum que protegesse estas pessoas, o tempo da criança dada à praia qual pequeno peixe encarnado.
O mais recente naufrágio ao largo da Calábria e no qual pereceram cerca de sessenta imigrantes irregulares passou quase despercebido. Apenas uma brevíssima nota, que as audiências estão colocadas noutras agendas, noutras guerras.
Sim, que a situação no M,editerrâneo é também uma guerra e essa envolve a totalidade dos países europeus. Tem, além disso, uma enorme agravante: as vítimas são dupla, triplamente violentadas.
Primeiro, pela situação em que vivem nos seus países de origem que as obriga a rumar em direção ao desconhecido. Depois, porque a maior parte das vezes, por ignorância ou impossibilidade de recorrer às entidades oficiais, cuja localização se encontra a centenas quando não milhares de quilómetros, acabam por recorrer a redes de auxílio de imigração ilegal pouco escrupulosas para dizer o mínimo. Mais tarde, porque nos países de acolhimento acabam muitas vezes na mais completa indigência.
Alguns autores falam desta situação como “crimigração” ou seja a criminalização da migração e não deixam de estar certos.
A resolução deste problema não vê a luz do dia e segundo os números das instituições oficiais, são já cerca de 200 mil os que encontraram a morte nas águas do Mediterrâneo.
Esta tragédia põe a nu uma certa dualidade de critérios que configura, em última instância, uma certa xenofobia.
Estes que chegam pela via do Mediterrâneo não são loiros de olhos azuis nem tão pouco têm, na sua maioria, grandes qualificações. Ou seja, do ponto de vista do “interesse” europeu não são tão apetecíveis
Com efeito, estes que chegam pela via do Mediterrâneo não são loiros de olhos azuis nem tão pouco têm, na sua maioria, grandes qualificações. Ou seja, do ponto de vista do “interesse” europeu não são tão apetecíveis.
No entanto, a União teve como base a solidariedade e o humanitarismo. Onde ficam?
Acresce ainda que a ordem é de prender todos os elementos de ONGs que tratam do socorro a estas pessoas no mediterrâneo. Ora esta é uma atitude em tudo contrária ao espírito europeu.
O argumento é sabido: involuntariamente estas pessoas estariam a fazer o jogo dos traficantes proporcionando o acolhimento e salvamento daqueles que são lançados em balsas ao deus dará.
Mas não creio ser essa a solução!
O tráfico combate-se a montante nos países de origem. De forma diplomática e na forma de cooperação para o desenvolvimento, permitindo a essas pessoas poderem permanecer com dignidade nos seus próprios países.
Nas redes sociais, barómetro da opinião pública imediata, é confrangedor verificar que muitas vozes se levantam contra os que defendem o auxílio a estas pessoas e propõem a criação de corredores seguros para esta imigração.
Se dúvidas houvesse acerca do aumento do discurso xenófobo e de extrema direita, estas tomadas de posição não deixam lugar para outra interpretação.
Por isso a urgência de políticas humanistas e de integração. Por isso a urgência de combater os que propõem uma Europa fortaleza cercada de muros que não resolverão o problema, antes aumentarão as vítimas que tentam apenas construir vidas novas.
Por uma imigração segura mas não criminalizada.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.