As imagens que nos chegam de Ceuta mostram duas realidades, qualquer delas encerrando um perigo que pode extravasar fronteiras.
O grupo de irregulares, deambulando pelas ruas sem rumo, não pára de crescer.
Muitos, senão a maioria, são menores que procuram chegar a Espanha, onde contam encontrar uma resposta aos seus anseios dum futuro que lhes é negado em África.
Entrevistados, alguns falam de desânimo e de saudade, denunciando assim o espírito de criança perdida num corpo que transmite uma tenacidade aparente. Juntam-se em grupos famintos, acossados e, sobretudo, dispostos a qualquer coisa conquanto evitem o retorno aos) seu(s) país(es) de origem.
Comecemos a análise por este facto que é essencial: a recusa, quase em pânico, do retorno às origens. Pese embora as condições mais que precárias em que “vivem” pelas ruas de Ceuta, estes jovens preferem o desconhecido, o risco, à realidade que conhecem nos seus países.
A conclusão é evidente – algo está muito mau naquela região de África! Aliás, sejamos claros: Algo está mal no hemisfério Norte.
A braços com uma crise climática em muitos casos aliada a crises políticas e de segurança, estes países assistem a movimentos internos, desertificando o interior e sobrepovoando as cidades que, naturalmente, não estão preparadas para acolher e dar resposta a estes fluxos.
A conclusão é evidente – algo está muito mau naquela região de África! Aliás, sejamos claros: Algo está mal no hemisfério Norte.
A braços com uma crise climática em muitos casos aliada a crises políticas e de segurança, estes países assistem a movimentos internos, desertificando o interior e sobrepovoando as cidades que, naturalmente, não estão preparadas para acolher e dar resposta a estes fluxos
A Europa aparece, já não como um Éden, pois a globalização fornece a todos informação do “estado da arte” em qualquer parte do Mundo, mas como uma miragem, um pequeno oásis, uma oportunidade. Podemos criticá-los, condená-los?
Não.
Mas a culpa não pode morrer sozinha e não tem origem a jusante, isto é, no resultado que se revela em ondas de migrantes cada vez mais jovens a caminho da Europa.
Depois de tantos programas de cooperação Norte/Sul, com milhentos projetos, iniciativas, e políticas anunciadas, com milhares de euros gastos em planos megalómanos, o que resulta evidente é que tudo isso falhou!
Os fluxos migratórios não se estancam – previnem-se. E a sua prevenção tem que ser feita, realmente, através de cooperação para o desenvolvimento nos países de origem.
Este tipo de cooperação, aliás qualquer tipo de cooperação, só é possível num clima de paz e de estabilidade. Ora, é falacioso dizer-se que o Mundo se encontra em paz desde a II Grande Guerra. Essa afirmação nem sequer é verdade para a Europa (esquecemo-nos sempre da Guerra dos Balcãs certamente por vergonha) quanto mais para o resto do Mundo!
O clima de instabilidade, de insegurança e em último caso de guerra não é estranho à ação europeia, quer em termos de política externa, quer em termos de interesses económicos.
As armas não nascem nas árvores! Têm origem algures e a Europa é um dos fornecedores. Trata-se dum negócio de extrema importância, que movimenta milhões, e como tal não existe vontade em travá-lo. Esta é a primeira hipocrisia europeia.
A segunda é a inexistência duma política externa comum que imponha (não há outra palavra para tal) uma atitude consequente em relação aos países em desenvolvimento onde o objetivo final seja a criação de condições de fixação duma população jovem nos seus países de origem.
As potencialidades do continente africano são inúmeras. Porque não desenvolvê-las em prol do país em que se encontram? E não, não é apenas uma questão de corrupção dos seus governos. É inegável a sua existência, mas não justifica tudo. A cooperação para o desenvolvimento passa por programas reais de promoção da educação, adaptados ao local, com um claro objetivo de empregabilidade.
Face a estas duas enormes hipocrisias, assistimos a uma batalha campal que opõe a Guardia Civil (que cumpre ordens e segue a lei) e os jovens que tentam a todo o custo passar para cá da barreira erguida, na cidade de Ceuta.
O problema tende a aumentar e a violência e os atos de delinquência fruto do desespero e da fome irão colocar a própria população em pé de guerra.
A situação não é fácil de resolver. Até porque se corre atrás do prejuízo. Mas ainda há espaço para o diálogo entre os países de origem e de destino de maneira a que estes fluxos tenham algum controle.
Bom seria que este mau exemplo servisse de aviso a outros países e que a Europa, duma vez por todas, pusesse em prática uma política migratória aliada à cooperação de forma a prevenir e não, como até ao momento, reagir tarde e a más horas.