Não tenho uma opinião muito clara e inflexível sobre a quantidade e cadência certa de exames, testes e demais avaliações aos nossos alunos – sinto, apenas, que essa não pode ser a prioridade ou obsessão central de um bom sistema de ensino. Mas tenho uma opinião bastante definida sobre o triste slogan da Porto Editora numa campanha recente a manuais de apoio ao estudo para exames. Reza assim: “Não és tu que vais a exame, são os teus sonhos”. Está tudo errado. Ensaiemos umas pequenas variações da mesma ideia: “Se por alguma razão não tiveres uma boa nota no exame, esquece lá os teus sonhos…”; “Estás nervoso com o dia do exame? Fazes bem, os teus sonhos dependem disso!”; “Se não estudares muito nem vale a pena sonhares…”. Teriam a lata de espetar estas frases à frente dos alunos que vão a avaliação? Provavelmente, sim. Esse “tudo errado” talvez não seja propriamente aplicável à editora ou à sua agência de publicidade. Talvez seja o modelo que fomos desenvolvendo e impera nos nossos dias que está todo errado.
Não gosto de ver a palavra “sonhos” assim, tão pobremente aplicada ao mundo do trabalho e da ocupação profissional, que é o que verdadeiramente está implícito nesse anúncio: os alunos sonham muito com um trabalho, estudam tudo muito bem estudadinho para os exames (com os manuais de apoio certos, claro) e, daqui a uns anos, uau!, vão concretizar os seus sonhos! É uma dimensão tão limitada do que se espera da vida de miúdos que sonham com o futuro. Os sonhos devem, por definição, descolar da realidade de todos os dias, fazer-nos perder o pé, fantasiar. A sua concretização nem sequer é o mais importante. Claro que se um jovem, por muito bom aluno que seja, sonhar com um futuro sem demasiado trabalho, com tempo para o lazer, para os outros, para dormir mais, para viver…, chegará a um momento em que vai perceber que esse sonho não é lá muito bem visto. Mais vale que tenha o sonho certo: um bom emprego e, já agora, enriquecer.
Nunca houve, materialmente, tantas condições para o ser humano ter uma vida menos sobrecarregada com horas de trabalho e obrigações indesejadas. Mas um modelo baseado na estúpida utopia do crescimento permanente e infinito (só em sonhos…) e numa eterna maximização de lucros (mal distibuídos) tem levado a humanidade para o extremo oposto. Na Alemanha nasceu o movimento dos “desempregados felizes”, baseado numa verdade tão óbvia que ninguém vê, tão simples que parece simplesmente estúpida: o grande problema dos desempregados não é não terem trabalho/emprego, é não terem dinheiro/meios para uma vida boa, desejável. Acreditam (sonham) que um outro modelo social é possível.
O primeiro texto meu que vi impresso em papel-jornal, com grande circulação, chamava-se Crónica Anacrónica: A Apologia da Preguiça (no saudoso DN Jovem, um suplemento do Diário de Notícias cheio de sonhos). Ah, e lembro-me agora, sonhava atravessar a Europa, de Lisboa a Moscovo, com muitas paragens pelo caminho, num Porsche 911 amarelo… E até tive boas notas nos exames.