
Bruno Simão
Depois de ler várias notícias, e respetivos comentários, sobre a recusa do Embaixador de Portugal em França a aceder ao pedido de Tony Carreira para receber na Embaixada portuguesa a distinção de Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras da República Francesa, ainda estou em choque. Tony Carreira, Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres, a sério? Primeiro , fui confirmar. É verdade: um diploma de 5 de maio de 2015, assinado pela Ministra da Cultura e da Comunicação Fleur Pellerin, fez Tony Cavaleiro, por proposta da Embaixada de França em Lisboa. Depois fui ver os objetivos dessa distinção. Criada em 1957, a Ordem ministerial das Artes e das Letras ficaria marcada pela figura de André Malraux, ministro do Estado responsável pelos assuntos culturais entre 1959 e 1969. As distinções podem ter três graus: cavaleiro, o mais baixo, oficial e comendador, o mais alto. Condição básica é ter mais do que 30 anos, condição essencial é a qualidade e relevância das suas criações no domínio artístico e literário, distinguindo o seu impacto em França e no mundo .
Indo direto ao assunto: custa-me bastante a entender que o percurso artístico de Tony Carreira seja merecedor de tal distinção. Sei que me estou a meter numa discussão que não costuma ter fim, enredados que ficamos nos argumentos mui democráticos do “gosto de cada um”. Não é de agora um certo relativismo, muito pós moderno, que pretende equiparar tudo, achando muita graça a levar os protagonistas da “música pimba” (antes ainda de o rótulo ser inventado…) para todos os palcos, sejam festas de estudantes universitários, programas de televisão de grandes audiências, teatros… Desculpem, mas quando ouço Tony Carreira (e é verdade que não sou um grande conhecedor de toda a sua obra…) não consigo vislumbrar nada para lá de melodias sem qualquer inventividade, repetição de fórmulas estafadas usadas há muito em várias geografias, e letras fraquíssimas, previsíveis, tudo embalado numa estética, como dizer…, pirosa. Ou seja: nada de merecedor, aparentemente, de uma distinção na Ordem das Artes e das Letras.
Parece haver uma espécie de manual do politicamente correto que nos impede de chamar piroso ao que é piroso, vulgar ao que é vulgar. Não me apetece alinhar nisso. Há até muita gente séria que argumenta que Tony Carreira não é, nem nunca foi, um artista de “música pimba” (denominação de género com fronteiras difusas o que não ajuda à discussão…). E é verdade que Tony não é dado às brejeirices e trocadilhos sexuais de gosto duvidoso, mantendo-se, quase sempre, num registo “romântico”; mas mesmo embrulhado em milionárias produções musicais, e com bons músicos em palco, acho que o seu trabalho continua a encaixar facilmente na cateogria de “música pimba”, o lado mais fácil, limitado e pouco criativo da chamada “música popular”. E não me interpretem mal: tem, obviamente, todo o direito a isso. E tem todo o direito a um reconhecimento que, felizmente para a sua carreira, não lhe falta, traduzido em milhares de fãs que esgotam sucessivamente as maiores salas de espetáculos do país. Se o reconhecimento do Estado francês se baseasse no seu papel como elo de ligação entre Portugal e França, portugueses e franceses, até me pareceria aceitável, mas distingui-lo numa condecoração que o coloca ao lado de nomes como o do fotógrafo Brassaï, do realizador Tim Burton, do escritor William S. Burroughs, do ensaísta Eduardo Lourenço ou do músico Vincent Delerm… custa-me a perceber, confesso. E até estranho ouvir mais gente a questionar a atitude do embaixador do que a pensar um pouco no mérito desta distinção do Estado francês…
E não, não enfio a carapuça do “preconceituoso”. Não são bem preconceitos, acho que são mesmo conceitos.