O escritor Edgar Allan Poe considerou a invenção do daguerreótipo (primeiro aparelho capaz de fazer fotografias) como “o mais importante, e talvez o mais extraordinário, triunfo da ciência moderna”. Nesse artigo publicado em 1840 na revista Alexender’s Weekly Messenger, conseguiu ver muito para lá do seu tempo prevendo que as consequências dessa nova “invenção científica” iriam “exceder, em muito, as expectativas mais fantásticas dos mais imaginativos”. Não o poderia saber – imaginar – mas Edgar Allan Poe falava já da fotografia digital, dos telefones portáteis com máquina fotográfica, da partilha de imagens, do Instagram…
Sou novo no Instagram. Quase sempre demoro a chegar. Fui das últimas pessoas da redação da VISÃO a comprar um telemóvel (fiquei convencido de um momento para o outro quando precisei de fazer um telefonema com alguma urgência e não consegui encontrar um sítio que vendesse Credifones…), desconfiei do Facebook e até é provável que tenha dito mal daquilo sem perceber bem como funcionava (descobri, depois, que ao contrário do que dizem muitos detractores das redes sociais é mesmo um excelente instrumento para aproximar pessoas e nos ligar ao mundo), só desisti do meu velhinho gravador de cassetes Sanyo quando uma entrevista importante ficou quase inaudível… Mas não fico parado. Demoro a chegar, só isso.
O Instagram é uma espécie de Facebook se ao Facebook se tirassem todas as opções excepto a possibilidade de “postar” fotos (e pequenos vídeos), “gostar” de fotos e “comentar” fotos. As fotografias são (quase) sempre quadradas e em questão de segundos podemos transformá-las: luminosidade, cores, contraste, tons, sombras… Só me falta perceber se o Instagram é um sonho de Edgar Allan Poe ou um pesadelo.
Nos tempos da invenção da fotografia ninguém resistia a compará-la com a pintura afirmando, com orgulho no progresso da humanidade, que tinha sido descoberto um método de representar a realidade com exatidão. Uma máquina para chegar ao real, sem filtros. “As variações de sombra e as gradações de perspetiva linear e aérea são as da própria verdade na sua perfeição suprema”, dizia, ainda, no mesmo artigo, um extasiado Poe. No jornalismo a invenção da fotografia foi, de facto, revolucionária, vista como uma utopia tornada realidade (“mostrar as coisas tal como elas são”) e foi preciso passar muito tempo para que se percebesse que a fotografia é tão, ou mais, manipulável do que uma quantidade de palavras, preto no branco. Não deixa de ser impressionante que essa grande mentira da fotografia (a ilusão quanto à sua capacidade de representar a verdade) tenha feito o seu caminho até ao século XXI, à era do Instagram e do jornalismo digital.
A fotografia continua a prometer tudo, a ser, muitas vezes, vista ou pensada como espelho do real, e, na verdade, nunca foi tão manipulável: a um nível técnico, claro, acessível a qualquer criança com um computador, mas, como sempre, e talvez sobretudo, na escolha do que mostramos e escondemos, do que consideramos digno de ser fotografado, mostrado, partilhado.
O fluxo de imagens captadas e partilhadas no Instagram (e noutras plataformas similares) é tal que quase podíamos acreditar na invenção de um permanente espelho das nossas vidas, dos nossos lugares, dos nossos dias. Um reflexo imparável. No Instagram a fotografia (que os mais novos já não associam ao papel e à lentidão, como aconteceu durante décadas, mas sim à imaterialidade rápida do digital) assume todas as suas potenciais funções: é documento, é retrato, é paisagem, é arte…; é irrelevante, é bela, é ridícula, é íntima…; é tudo e não é nada. É um fluxo de humanidade. Demasiada humanidade. Ainda não sei se instagramo este presente-futuro.