A história da Mast Brothers é daquelas que jamais podia escapar à Monocle, de tão trendy, hipster e local, inspiradora e de sucesso. Era uma vez dois irmãos de Brooklyn apaixonados por chocolate, que aprenderam a arte da chocolataria artesanal de forma auto-didata. Criaram chocolates deliciosos muito especiais, do tipo raro em que o produtor controla toda a produção, do grão à barra. Recolhiam as melhores espécies de grãos de cacau vindos de todo o mundo, que torravam e moíam e por artes mágicas transformavam na iguaria dos deuses, utilizando equipamentos que eles próprios desenharam, inspirados em velhas técnicas incas. Estes chocolates, quase jóias comestíveis, eram depois cuidadosamente embrulhados em lindíssimos papéis de padrões retro de todas as cores. Só de olhar apetecia comer, mereciam cada dólar dos 10 que a barra custava.
E assim os dois irmãos mais estilosos de Brooklyn, com as suas barbas cuidadosamente aparadas e as tatoos nos sítios certos, ganharam fama e notoriedade assinalável. O que começou com uma pequena loja da moda no bairro nova-iorquino, depressa se transformou num negócio global com várias lojas e várias fábricas. Dezenas (seriam centenas?) de artigos foram publicados sobre eles nas publicações da especialidade de referência (Monocle, New York Times, Vogue, etc…), ajudando a construir a imagem dos deuses da verdadeira chocolataria artesanal em todo o mundo. Special ones, portanto.
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As barbas são a imagem de marca dos Mast Brothers
Até agora. Esta semana, uma investigação da Quartz (baseada em denúncias à boca pequena dentro da indústria) revelou que, afinal, os irmãos hipster começaram por derreter barras de chocolate francês de qualidade, mas industrial. Nada de produção do grão à barra. Não foram tão inovadores e originais como alegavam, e há quem diga que não eram garantidas as origens de todos os produtos que vendia como tal. Vendiam nos primeiros tempos, afinal, pouco mais do que chocolate saboroso mas industrial, embrulhado em papéis extraordinários de encher o olho e catapultado por uma estratégia de marketing brilhante. Not so special after all.
O que os chocolates têm a ver com Mourinho? A importância do embrulho. José Mourinho chegou ao Chelsea e, logo na sua primeira entrevista, autointitulou-se “The Special One”. Fez do clube, com dinheiro a rodos, o que ainda assim não se imaginava. Quebrou recordes, liderou tabelas, foi eleito o melhor entre os melhores treinadores do mundo (em 2011). Além da técnica, foi o seu enorme carisma, esse misto de qualidades que um líder deve ter, o que mais determinou o seu sucesso. Napoleão dizia que um líder é um vendedor de esperança, e Mourinho era isso tudo e mais alguma coisa. Queres ser especial, vende-te como tal.
E assim, com a ajuda dos media de referência e outros, um inquestionável grande treinador conquistou uma aura quase sobrenatural de indestrutível, e ganhou milhões com isso. Como se um treinador só somasse vitórias, e uma equipa não tivesse altos e baixos. Até ao dia em que o segredo do seu sucesso é a razão do seu desalento. Uma quezília pública com uma médica adorada, um início de época mau, um balneário perdido corroem-lhe a brilhante aura de outrora. E assim um grande treinador, embrulhado como invencível, depressa se transforma, aos olhos do mundo, num chocolate de qualidade duvidosa.