A Reforma do Estado foi anunciada como a grande novidade do Governo Montenegro II, afinal agora é que era mesmo, ainda que por vezes propagandeando como grande novidade coisas já feitas desde o início do século.
Desde então, a desilusão tem sido imensa. Não só a verdadeira prioridade do Governo desde maio, tem sido o alinhamento com o populismo extremista em matéria migratória, sob o desígnio de “Portugal ser mais Portugal”, com base no tríptico legislativo – Entrada e residência de Estrangeiros / Nacionalidade / Retorno (umas vezes chamado de expulsão outras de deportação), como igualmente as medidas simplificadoras do Governo têm agravado problemas ou criado novas frentes burocráticas.
O debate parlamentar de ontem com Gonçalo Matias no quadro da discussão do Orçamento para 2026 foi um exercício de acalorada retórica face a uma total vacuidade de resultados.
Os aliados do Governo, quer os da extrema-direita que falam muito das “gorduras do Estado”, mas que defendem o aumento de funcionários em todas as áreas e aumentos para todos os que protestam, quer os nacionais-liberais seduzidos com a estratégia de despedimentos de Trump e Milei, ficaram desiludidos pelas declarações pouco reformadoras de um ministro que diz que não vai fazer despedimentos na função pública e que até acha que é preciso atrair mais funcionários para algumas áreas.
Mas as propostas de reforma de Gonçalo Matias são apenas verdadeiros bocejos, quais fulminantes sem pólvora baseados em novas leis orgânicas e muitas propostas legislativas.
As alterações das orgânicas dos ministérios têm o condão de paralisar o funcionamento dos serviços durante meses, enquanto aguardam a chegada da reforma, até que a estudem depois de publicada e até ao dia incerto em que é executada com resultados.
Por vezes, apenas a única vantagem óbvia parece ser a de permitir afastar dirigentes mal-amados por outros mais palatáveis para os governantes. Mesmo assim, a única reforma orgânica que avançou foi a da área da Educação, para além das fusões com aumentos salariais com que se antecipara ainda antes das eleições de maio o ministério das Finanças, e mesmo essa tem ainda no congelador de Belém a controversa extinção da FCT.
O ministro Gonçalo Matias não disse quais eram os próximos ministérios a reformar ainda este ano, mas anunciou muitas leis para o próximo ano, desde o aligeiramento do controlo de legalidade da despesa pelo Tribunal de Contas, a mais uma promessa de simplificação do tenebroso Código da Contratação Pública e uma ainda misteriosa nos seus desígnios nova alteração do Código de Procedimento Administrativo.
É muito pouco mobilizador que ao fim de seis meses do Governo de Montenegro reforçado o sonho da Reforma do Estado não seja mais do que o anúncio de uma nova versão do programa de Governo com muitas propostas de leis para animação dos seminários e conferências de professores de Direito.
Já sobre os contributos da governação Montenegro para a Reforma do Estado destinados a resolver problemas concretos foi mais vago e menos entusiasta o prolixo ministro, pelo que lembraremos apenas alguns temas que preocupam muitos portugueses fora dos ministérios e das faculdades de direito:
- Ao fim de 18 meses de Governo, mais de 50 mil candidatos a subsídio de renda aguardam ainda decisão sobre os pedidos e cerca de 130 mil só receberam em outubro, com retroativos, o pagamento em atraso desde janeiro;
- O novo modelo de atendimento do SNS 24 gerou o caos no acesso às urgências e desde janeiro 1,5 milhões de chamadas ficaram por atender;
- O IRN acumulou mais de 500 mil pedidos de acesso à nacionalidade por estrangeiros e mais de 150 mil declarações para reconhecimento da nacionalidade a filhos de portugueses nascidos no estrangeiro;
- A Provedoria de Justiça censurou os serviços públicos que continuam sem atendimento presencial quatro anos depois do final da pandemia enquanto as conservatórias suspenderam ainda mais serviços por falta de pessoal;
- As medidas de simplificação de procedimentos contratuais e de dispensa de visto para acesso ao PRR foram um fiasco, que contribuiu para que centenas de milhões de euros para investimentos nas áreas dos apoios sociais, da digitalização das escolas ou da saúde, tenham sido cortados na proposta de reprogramação apresentada na semana passada em Bruxelas;
- A 12 de outubro, entrou em funcionamento em todos os 29 países da área Schengen o novo sistema de controlo de fronteiras, mas só em Portugal se verificou uma situação caótica com horas de espera para os passageiros nos aeroportos de Lisboa e de Faro;
- Continuam por colocar em novembro, dois meses depois do início do ano letivo, pelo menos 1200 professores, pelo que cerca de 100 mil alunos não têm aulas a pelo menos uma disciplina, e vai ser aberto agora mais um concurso nacional centralizado;
- A fusão efetuada em outubro entre os sistemas informáticos CITIUS dos tribunais comuns com o SITAF dos tribunais administrativos e fiscais lançou a balbúrdia na já demorada justiça administrativa, com milhares de processos “perdidos” ou a exigirem novos despachos caso a caso dos magistrados;
- A Via Verde para a imigração é um mistério da propaganda de Leitão Amaro, que terá concedido umas centenas de vistos de trabalho para as dezenas de milhares de trabalhadores em falta na construção, turismo e agricultura;
- Acumularam-se no último ano 133 mil processos nos tribunais administrativos de intimação da AIMA para respeitar direitos, liberdades e garantias em casos de reconhecimento de direito de residência a trabalhadores, sem que tenha sido ainda encontrada uma solução para notificar os tribunais dos processos já decididos.
São apenas 10 exemplos de situações gritantes de necessidade de Reforma do Estado resultantes das disfunções da governação de Luís Montenegro que passaram à margem das proclamações de Gonçalo Matias na Assembleia da República, pelo que é merecedor do prémio Laranja sem Sumo de hoje.
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