Um dos mistérios da política orçamental portuguesa que a proposta de Orçamento do Estado não esclareceu é como será possível passar bruscamente de 1,5% para 2% do PIB com despesa em defesa e como se prevê a expansão dessa despesa até 5% do PIB ao longo dos próximos anos.
Sendo matéria de soberania, era suposto o aumento das despesas militares ter de ser objeto de consultas com os partidos parlamentares e, desejavelmente, de acordo com o PS, com quem os restantes partidos democráticos partilharam ao longo de décadas o essencial da visão europeísta e atlantista do Portugal pós-colonial.
Sendo o valor do PIB nominal de cerca de 300 mil milhões de euros, estamos a falar de um crescimento em 2025 de cerca de 1500 milhões de euros das despesas em Defesa.
Mas aquilo que era o normal funcionamento das instituições democráticas diz pouco ao flibusteiro Nuno Melo, mais conhecido pela prosápia inconsequente no relacionamento com Espanha sobre a questão de Olivença e pela forma como se tem furtado a explicar o papel de Portugal no relacionamento militar com Israel.
Ainda ontem a coligação PSD/CDS/Chega impediu a audição de Nuno Melo na Assembleia da República para prestar esclarecimentos sobre a passagem de aviões F-35, os tais que para Luís Montenegro nem seriam armamento, pela base das Lages a caminho de Israel.
Mas, entretanto, sem detalhes orçamentais nem explicações políticas, Miranda Sarmento vai dizendo que a meta de 2% do PIB em despesa militar será já cumprida este ano.
Já na proposta de Orçamento para 2026, a propaganda oficial fala num crescimento de 25% da dotação do Ministério da Defesa para 3,8 mil milhões de euros o que, não só ainda assim fica muito longe do objetivo de 2% do PIB, como é essencialmente colocada no chamado Capítulo 60 do Orçamento, destinado a despesas excecionais controladas pelo Ministério das Finanças.
Sobre a evolução para os próximos anos, o mistério adensa-se e a única novidade é a candidatura de Portugal a um elevado montante de quase 6 mil milhões de euros de empréstimos do novo programa SAFE-Instrumento de Ação para a Segurança da Europa. Mas, igualmente neste caso, nada se sabe sobre as finalidades desta nova forma de endividamento. Muito menos é esclarecido como se compatibiliza este recurso adicional à divida com os objetivos de redução da dívida pública para menos de 90% do PIB, que poderão até justificar o desperdício de parte da componente de empréstimos do PRR.
Já a lengalenga das potencialidades do investimento em Defesa para promover a inovação tecnológica, criar emprego e promover o crescimento, foram já ontem desmentidas com o anúncio da compra de 50 milhões de euros em armamento aos Estados Unidos para ser enviado para a Ucrânia. Isto é, antes de qualquer vantagem nacional resultante do crescimento da despesa militar, o que temos é o diligente cumprimento da promessa assumida na última cimeira da NATO de aumentar as compras de armas ao mercador Donald Trump.
Pela retórica balofa, pelo secretismo sobre as implicações do aumento da despesa em Defesa e pelo servilismo relativamente aos interesses da indústria de armamento norte-americana, o ministro Nuno Melo tem direito a mais um prémio Limão Azedo.
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