Ontem, em visita a uma escola secundária na Quinta do Conde, no concelho de Sesimbra, o Presidente da República adiou, mais uma vez, o seu juízo final sobre Ana Paula Martins e a situação do SNS invocando a proximidade do rescaldo das eleições autárquicas.
A prometida declaração anunciada para agosto e, entretanto, adiada para o final do verão, provavelmente devido às altas temperaturas nas últimas semanas, fica agora marcada para o final de outubro, se entretanto começar a chover…
Mas se as autárquicas foram um expediente de retórica dilatória do Presidente, poderiam ter sido tema com muita oportunidade mais desenvolvido exatamente na Quinta do Conde que, com quase 25 mil eleitores, será a maior freguesia a nível nacional a ser governada pelo Chega. Até porque, tendo o partido populista ficado em segundo lugar em vários concelhos da Península de Setúbal (Seixal, Moita, Montijo, Palmela e Sesimbra), é um bom local para refletir sobre o relacionamento das forças políticas democráticas com a extrema-direita na gestão local.
Sobre esta matéria, o PS foi claro no compromisso eleitoral que vincula os seus eleitos e o PSD completamente dúbio, abrindo portas, com o álibi do pragmatismo, à normalização da concertação com o Chega. Na região de Setúbal, esteve muito bem o recém-eleito presidente da câmara do Montijo, Fernando Caria, numa lista de independentes, que veio já dizer que a concertação para governar o seu município só poderá ser feita com os eleitos dos partidos democráticos.
Mas, para se perceber as causas de uma votação superior a 30% para o Chega na Quinta do Conde, talvez fosse bom perguntar ao Presidente porque será que é nesta zona que existem mais faltas de professores colocados, sucessivos lugares desertos nos concursos para médicos de família e o Hospital do Seixal não passa da primeira pedra.
Só que nem tudo na saúde pode esperar até ao final do mês, agora que o Tribunal de Contas chumbou o ajuste direto para a contratação de helicópteros de emergência médica celebrado com efeitos a partir de julho com a mesma empresa que não tem cumprido o contrato definitivo entretanto visado.
Toda esta história é uma demonstração da incompetência do Governo na gestão da emergência médica que exige apuramento de responsabilidades jurídicas, administrativas e políticas. Apesar de, desde a retirada de competências à sua anterior Secretária de Estado, a ministra Ana Paula Martins dedicar 70% do seu tempo ao INEM, com óbvio prejuízo de todas as outras áreas da saúde, os resultados continuam a ser calamitosos.
Percebeu-se que a grande prioridade inicial da ministra era afastar o anterior presidente do INEM, que, entre outras coisas, a alertara da urgência em lançar atempadamente o concurso internacional para a contratação dos helicópteros de emergência médica.
A ministra não só não ligou, perdendo meses de tempo precioso, como disse que o apoio poderia ser prestado pela Força Aérea, que de imediato se demonstrou não ter meios nem vocação para o efeito. Entretanto, já vai no terceiro dirigente do INEM que continua enredado em múltiplos problemas, desde as dificuldades na resposta às chamadas urgentes até às mortes alegadamente relacionadas com o período de greve sem serviços mínimos declarados.
O concurso para contratação de helicópteros foi lançado tardiamente o que acentuou a dependência de concorrentes em situação de vantagem negocial devido à fragilidade da posição do contratante público.
Assim se chegou a 1 de julho com dois contratos celebrados com a mesma Gulf Med, com sede em Malta e nenhuma experiência anterior nesta exigente atividade de alto risco.
Um contrato por ajuste direto, de vigência provisória, e outro contrato permanente para a contratação de quatro helicópteros que deveriam funcionar 24 horas por dia. Já lá vão quatro meses e o que se verifica é que a empresa não tem todos os helicópteros, que alguns só operam de dia e que só agora está a dar formação a tripulações que, por não falarem português, nem sequer estão autorizados a fazer este tipo de voos em território nacional.
Dizia com a sua já conhecida “lata” imprudente Ana Paula Martins que ninguém ficaria sem apoio e que a Força Aérea iria resolver a questão sempre que os helicópteros privados não estivessem disponíveis. Das 223 missões de transporte aéreo de emergência realizadas desde o início de julho, a Força Aérea só assegurou 10% e, face aos tempos de resposta que dava, em dezenas de casos o INEM acabou por recorrer ao transporte terrestre para os hospitais.
É esta situação caótica que chega agora ao fim da linha com o Tribunal de Contas a declarar nulo o ajuste direto e a determinar a aplicação de multas de vários milhões de euros por incumprimento contratual à Gulf Med.
O que diriam o PSD e os comentadores militantes das televisões se algo parecido sucedesse noutros tempos?
Mas dos 70% do tempo útil de Ana Paula Martins já ninguém espera altos voos, pelo que merece por esta aterragem forçada o prémio Laranja Amarga de hoje.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.